FALA O DIABO - XIII
I – SOMBRAS
Vou lhe dizer uma idéia. Há algo que perambula pela minha cabeça, talvez sem direção... Quanto vale a sua imagem? Quanto vale o seu cabelo, seu rosto, seus olhos, seu corpo? Quanto vale você mesmo, os seus propósitos, as suas crenças, para você ou para aqueles que você preza ou ama? O que é a rua, senão o caminho de volta para casa?
Qual é a medida da normalidade? Se a imensa maioria das pessoas tivesse relações sexuais com crianças, então isso seria normal?
Come-se, veste-se e até pensa-se, não como cada um gostaria de comer, vestir ou pensar, mas como a maioria o faz. A sociedade aprisiona o indivíduo em uma rede aparentemente sem saída.
No entanto, quem é a sociedade? Não somos nós? Então quer dizer que criamos barreiras e fingimos uma postura? Talvez por interesse? É por isso que tudo se torna mais agradável e seguro quando se sonha.
II – TREVAS
Qual a diferença entre o homem e as coisas? Só ele é livre. O que é a moral? É a faculdade de distinguir o bem do mal, que resulta no sentimento de dever.
Entretanto, o que ocorre ao homem quando percebe a possibilidade de construir ele próprio a sua existência? Ele experimenta a angústia da escolha: os valores não são dados ao homem; cabe a ele criá-los.
Todos os dias, a todo o tempo, julgamos e avaliamos as nossas atitudes, decidindo o que é melhor ou pior para nós e para os outros. Todavia, sofremos influências, o que nos leva a pensar que a moral é aquilo que a sociedade impõe ou acredita ser o correto.
Os atos dos seres vivos são frutos de uma cega vontade de viver. Eu digo que devemos enforcar os moralistas, pois a moral é uma força contrária à natureza!
Não existe essencialmente bem ou mal, certo ou errado. Existe somente a carne, e os padrões aos quais nos submetemos.
III – LUZ
Feche os olhos. Agora abra-os para o mundo de configurações à sua volta. É necessário perceber que ele muda a cada instante. Que o “normal” não é eterno e nem inalterável, é uma construção social. Não será fácil. Nada que vale a pena fazer nesta vida é fácil.
O que é real para você? Algo que parece tão verdadeiro pode ser apenas uma mentira muito grande. A verdade é a incomensurável pobreza de rã e mosca. Como dizem os matemáticos, o que é absolutamente certo hoje, amanhã pode não ser.
O que acontece quando descobrimos que aqueles em quem mais confiamos não passam de uma farsa? Como padres que estupram crianças e pastores que vendem a “chave do céu” por R$ 10,00.
Como acreditar em alguém que você nunca viu, e com representantes com estas posturas? Deus, por acaso, já te enviou um cartão com o endereço do céu? Ou telefonou alguma vez para dizer que aquele seu ente querido, morto, está bem, lá no paraíso?
A fé que colocamos em Deus é a fé que perdemos em nós mesmos. Um passeio casual por um hospício mostra que as crenças não provam nada.
IV – ESPERANÇA
A dor e o sofrimento voltam à tona. Na verdade, nunca foram embora. Mas o fato delas estarem sempre presentes não é ruim, desde que utilize-as como instrumento, como geradoras de prazer. Desde que elas se tornem amigas.
“Amigos”. Isso é raro hoje em dia. As pessoas, cada vez mais egoístas, só se importam consigo mesmas, como cavalos de corrida, utilizando cabrestos, passando por cima de tudo sem sequer olhar para o lado.
O amor está perdido. Nem mesmo a amor próprio sobreviveu. Não há mais tempo para gestos de carinho. Todos precisam trabalhar, estudar, dormir, comer... Não há mais tempo. A não ser quando se quer humilhar-se para o Deus que supostamente matou o próprio filho e supostamente jura que ama... Crimes de amor?
Se fosse possível ler os pensamentos das pessoas nas ruas, você encontraria um turbilhão de obrigações: “preciso fazer compras”; “tenho que falar com ela”; “Deus, me perdoe, eu pequei”... Para elas, o que realmente importa provavelmente não é o que você considera como essencial. O fato de acreditar que seu caminho é o certo não quer dizer que a trilha delas é errada.
Todos acreditam que precisam amar: cegamente seguem um caminho doloroso e sem volta; muitas vezes são tão hipócritas que disfarçam seus desejos, tentando enganar os outros. Todos pensam que necessitam de amigos: inconscientemente os interesses tornaram-se maiores que as amizades. Todos acham que devem viver: aos poucos tornaram-se máquinas, e os sentimentos foram afogados nos podres corações dos homens.
O fardo de se estar vivo algumas vezes é muito maior que a força de se querer vencer na vida. Os suicidas são fortes, pois possuem a coragem de dizer “não” à todo o sofrimento mundano. Mas também são fracos, pois desistem de lutar.
O mais pavoroso pesadelo do homem é o próprio homem. Ele, o perfeito animal de rapina, destrói tudo ao seu redor, dos maiores predadores ao seu semelhante.
Depois de tudo, nada mais resta. Nada restará além do abismo que criamos para esconder nossos medos. Quando este reinado de sangue terá fim? Quando os homens deixarem de existir.
Quanto vale a vida, afinal?