Hoje é dia?

Hoje é dia?

Hoje já não é mais ontem nem antes de ontem. Hoje é hoje, simplesmente. Hoje é o dia de ficar em casa; o dia de apresentar trabalho na faculdade, de ver a Bebell sorrir para mim, de ver a Débora, de saber que ela está de caso. Da própria boca dela.

Hoje é dia de acordar tarde, de pensar, pensar, não sentir nada. É dia de ir para a faculdade apresentar um seminário, falar muito bem, como nunca antes. É dia de conversar com os amigos, falar muita besteira. É dia de parar na porta da sala do curso de moda e ver a Bebell se envergonhar ao me ver: ela é modelo e todos os caras a desejam. É dia de escutar ela falar o seguinte: “ele é muito lindo!”, bem baixinho. É dia de eu olhar para ela e sorrir. É dia de ficar feliz. É dia de ficar muito feliz. É dia de ir para o carro. É dia de buscar a irmã no cursinho. É dia de errar o caminho e ir para a outra faculdade. É dia de lembrar que é dia de buscar a irmã. É dia de escovar os dentes e passar desodorante. É dia de festa na faculdade, não naquela que apresentei o trabalho, mas naquela em que estudo Clarice Lispector, Hilda Hilst e Gonçalvez Dias. É dia de curtir com as amigas. É dia de ver a Débora. É dia de escutar ela falar do cara que me fez desejar ter os ouvidos dilacerados. É dia de ir para o carro disfarçadamente e pensar, pensar e pensar. É dia de ver a professora que dá aula de Antropologia na outra faculdade e que também dá aula de alguma coisa nessa faculdade. É dia de parar de pensar e sair do carro. É dia de não conseguir parar de pensar e voltar a pensar. É dia de lua. É dia de lua entre as árvores. É dia de lua sem nuvens. É dia de postes iluminados. É dia de sofrer e sofrer e esquecer que a Bebell sorriu. É dia de voltar para a festa e fingir. É dia de fingir e de dançar. É dia de querer ir embora. É dia de ir embora.

Eu quero ir embora, mas não importa para onde eu vá, quererei ir embora de lá também. Descobri-me um sofredor do que há para não sofrer. Mas há. Há o que sofrer. E sofro. Infelizmente sofro sem saber por que, sem entender porque há tanta dor, tanto aperto; por que me pedes lágrimas? Por que eu simplesmente não choro: