O Engraxate
Um garoto, com seus nove anos, engraxava os sapatos dos homens ricos de boa postura e de outros homens de postura um tanto quanto duvidosa.
Engraxava um, engraxava dois, passava o dia procurando clientes. Alguns homens de terno lhe davam bom dinheiro, enquanto outros davam migalhas e sorriam como quem sabe que está sendo incoerente com o bom serviço recebido.
O menino não reclamava, pegava qualquer moeda que fosse, e algumas vezes se contentava com um lanche rápido, mesmo que não ganhasse dinheiro e corresse o risco de ficar sem o material de trabalho.
Do lado, sempre ia um cão, fiel e escudeiro, a rosnar para o primeiro que chegasse com segundas intenções perto do menino.
No final do dia era a roupa esfarrapada suja de graxa que mostrava o quanto havia trabalhado aquele pobre menino. Rodava pelas ruas da cidade, e logo à noite procurava seu canto para dormir.
Seu sono, sempre guardado pelo cão escudeiro, era repleto de sonhos e imagens fantásticas. Ele até acreditava, em certos momentos, que finalmente alcançara seus sonhos, mas logo acordava e sentia o frio impiedoso da rua.
Dia desses, o menino andava à procura de cliente, e ao atravessar a rua movimentada sentiu a falta de sua fiel companhia. Olhou para trás, e lá estava seu protetor de todas as horas caído e sem vida. O motorista que atropelou o cão fiel fugiu, e a vida de todos continuou como sempre foi. No meio fio, o menino engraxate se ajoelhou ao lado do cão e chorou em silêncio. Homens e mulheres passavam apressados e indifirentes ao suplício do menino, todos eles ocupados com seus compromissos inadiáveis.
Minutos cruéis se passaram, e vendo que já não tinha mais nada a fazer e precisando ganhar a vida, o menino tomou em mãos seu surrado equipamento de trabalho e retomou a caminhada deixando para trás o corpo do fiel amigo de anos.
A tarde caía, e a noite trazia o vento gélido do inverno, e agora o menino já procurava lugar mais ou menos seguro para passar a primeira noite sem a proteção costumeira.
Já sob as estrelas, o pequeno engraxate guardou suas ferramentas de trabalho e se ajeitou num cantinho debaixo de um desses viadutos.
Sonhou muitas coisas, mas seu melhor sonho foi com seu cão escudeiro. E sonhou que ia com ele por um campo florido iluminado pelo pôr-do-sol. O frio já não o castigava e ele sentia alegria, paz e leveza.
E naquela mesma noite, ali no cantinho de um viaduto na cidade, jazia o corpo de uma criança já de vida exaurida, mas em seus lábios coube um último sorriso de quem finalmente havia alcançado o sonho que sempre desejara.