Sobre as novas concepções e antigos fundamentos
Sobre as novas concepções e antigos fundamentos
Reposta ao Texto de Igor Roosevelt – SOBRE O DIREITO DE USAR DROGAS E A LIBERDADE (http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1066142)
A nova ordem “democrática”
Primeiramente gostaria de tecer um elogioso comentário sobre o texto de Igor Roosevelt. Qualquer pessoa que escreva com sinceridade é bem vista por esses olhos aqui. Mas nem por isso deixo de fazer certas ressalvas ao texto que acabei de ler, e é linkado aqui no topo. Atualmente é enganoso notar que a ordem democrática se baseia somente no povo, e nos dirigentes que o povo elege. Essa ordem já foi mudada tem tempo, e é notável que a maioria das pessoas não enxerguem isso. As coisas se dão agora em uma nova perspectiva, tão bem ilustrada por Olavo de Carvalho em um de seus textos (http://www.olavodecarvalho.org/semana/080705dc.html)
Antiga forma de governo.
http://www.olavodecarvalho.org/images/080705dc_diagrama.jpg
Nova forma de governo.
http://www.olavodecarvalho.org/images/080705dc_diagrama.jpg
É muito inocente aquele que acredita que a democracia “clássica” ainda está em vigor. Há inquestionavelmente uma ruptura nesse antigo regime e as prestações de contas que antes eram devidas aos eleitores agora são amplamente diversificadas e órgãos e organizações não governamentais aliadas a interesses particulares comandam mais da metade das decisões políticas governamentais em nossos tempos.
A ampliação do espectro de coisas que as pessoas fazem para prejudicar outras.
Acontece também uma notável inversão do Estado, que passa de Social para Penal. O que isso quer dizer? Que à medida que essa inversão acontece o Estado de regulador mínimo da liberdade de todos passa a “educador” e repressor ao extremo. Então se antes uma campanha nacional de conscientização seria melhor agora o mais acertado é ampliar o espectro da lei punitiva para dizer que qualquer pessoa que dirija sob qualquer quantidade de álcool é um criminoso irresponsável e por isso merece punição das mais severas.
Essa qualidade punitiva do Estado é uma das maiores inversões que já pode acontecer em nosso processo democrático. Ele nos diz que a punição repressiva é melhor que simplesmente a educação, informação e formação civil pública. Ao invés de criar pessoas independentes, livres e pensantes cria-se um Estado de zumbis adestrados para fazerem somente o que lhes é permitido, partindo do pré-suposto idiota de que cada um não sabe o que é melhor para si mesmo. Nisso concordo integralmente com o texto de Igor.
Cada pessoa sabe e tem que ser capaz de perceber o que é melhor para si mesma. Um Estado que seja opressor é aquele pai que matricula o filho na faculdade que lhe convém mais independentemente da escolha do filho. Cada pessoa é um ser autônomo de livre arbítrio e vontade. Cabe a ela aprender com os erros, evoluir e decidir o que é melhor para sua vida. Se contarmos que o Estado nada mais é que um grupo de pessoas, acabaremos verificando que um grupo mínimo de pessoas diz o que é melhor e mais bem acertado para cada um fazer em sua vida particular e termina por legislar sobre isso criando leis que interferem diretamente na vida particular de cada um. Punir alguém porque matou outra é válido, mas dizer que uma conduta X é irresponsável e pode causar acidentes e por isso quem a praticar será punido independentemente de qualquer coisa que tenha feito é um abuso sistemático de poder e bom senso.
Há nessa conduta uma clara inversão de propriedade. A propriedade intelectual de cada um. Legislar sobre o que é melhor para cada cidadão torna o Estado uma máquina de desacordos, pois sobrepõe interesses e embaralha a parte pública com a parte privada. Basta ver para isso que a luta enérgica de cada minoria por leis especiais e privilégios só tem um rumo visível, tornar o emaranhado de leis uma disputa particular para mais privilégios e regalias. Legislar sobre cada grupinho particular é dar chance a cada pessoa de exigir uma lei própria garantindo certos direitos e privilégios para si mesmo. Há um abuso dessa máquina que tem que ser rapidamente revista e reduzida, pois isso nunca vai ter fim.
A noção de consumo de drogas não é aliada ao prejuízo causado para si mesmo, mas ao alimentar a narco-quadrilha internacional que é ilegal.
O Princípio de Liberdade é realmente um princípio que deve reger toda a nossa vida e se o contrato que assinamos sem querer ao nascer diz que você é livre enquanto não interferir diretamente na liberdade do outro, só podemos dizer uma coisa: se é ilegal vender drogas ilícitas e o sujeito as vende, está cometendo um crime, mas se o cidadão sabe que comprar drogas ilícitas é ilegal e compra, ele está interferindo diretamente no direito de todos de não ter aquela substância circulando em seu meio, se assim não fosse não teria leis contra a circulação dessas drogas.
Se a vontade da maioria é de eliminar tal tipo de substância do meio em que vivem, aqueles que praticam voluntariamente a difusão dessas substâncias são aqueles em desacordo com a lei e a vontade geral, e por isso mesmo devem ser cuidadosamente observados. Consumir as drogas não é proibido, mas produzi-las e vendê-las sim. Quem compra drogas e as consome, atualmente, não é criminoso e de longe recebe uma punição, a única medida que sofre é uma reprimenda verbal do juiz em questão. Mas quem compra drogas está na onda diretamente da difusão desse valor, todo ato traz consigo um valor embutido. Ser contra o casamento homossexual é ser a favor do casamento clássico. Ser a favor da “pegação” é ser contra a monogamia. Ser consumidor de drogas, infelizmente, é ser contra a proibição de seu comércio. Das duas uma ou legaliza-se o consumo dessas “drogas”, ou permanece-se com essa política de proibição. Aqui cabe a decisão da maioria das pessoas. A maioria das pessoas em nosso Brasil não consome drogas ilícitas. A maioria dos brasileiros consome drogas lícitas como o álcool e o tabaco. E se a maioria, por ventura, for contra a legalização das drogas que hoje são ilícitas, será portanto um despautério conseguir descriminalizar o consumo porque uma minoria ridícula, elitista ou não, quer que assim seja.
Aqui cabe ressaltar que o Princípio de Liberdade não diz claramente, se uma pessoa quer consumir uma substância que a maioria da população rechaça e acertadamente proíbe por leis, essa pessoa está contra a maioria e por isso mesmo errada. O Princípio diz exatamente sobre a pessoa em si. Acreditar em uma religião e praticá-la é um ato próprio da essência da pessoa. Querer consumir algo ilegal é uma escolha totalmente infundada em princípios básicos. E se aqueles mais exaltados logo vêm proferindo discursos de: mas e se a religião tal requer o consumo de substâncias tais que são ilegais? Cabe aqui uma decisão ímpar, que é legislar sobre a maioria. E aqui, sim, cabe a maioria antes de uma minoria. Nem tudo o que uma minoria requer, como acabei de demonstrar, é passível de reconhecimento legal. Infelizmente a democracia é um sistema que regula relações entre indivíduos na esfera pública e se a esfera pública proíbe uma prática por ser uma afronta ao poder do Estado, permitir que isso seja feito minoritariamente seria entregar essa coesão de seu próprio poder.
A cada um é permitido realizar o que quer que seja dentro dos quadros legais. Antes de tudo essa é uma realidade que deve ser respeitada. Pegar um Princípio de Liberdade para dizer que uma coisa ilegal deve ser praticada pois não causa prejuízo a ninguém mais, antes de observar o princípio legal pelo qual somos regidos, é desrespeitar em princípio o fundamento que nos rege. Ou que gostaríamos imensamente que nos regessem. Esse desrespeito nunca poderia ser tolerado e por isso mesmo deve ser combatido na esfera que lhe cabe, na política. Basta que para isso uma lei seja desfeita contrariando a maioria da população. A democracia antes de tudo, para não virar bagunça, é um regime que garante majoritariamente um bom funcionamento de minorias que têm interesses diferentes. Nesse caso, pela enorme quantidade de minorias, cada vez maiores pela crescente setorização da vida, o único princípio que pode prevalecer é a vontade da maioria. Lógico desde que não fira o Princípio de Liberdade, mas esse se aplica somente aos méritos individuais como raça, capacidade inata, deficiências físicas, crenças e outras mais. Regular sobre opções de vida, ou opções de compra, é somente algo que está em discussão porque nosso sistema se encontra em franca decadência.