VESTÍGIOS

Engraçado. Às vezes começo a escrever sem saber ao que venho, o que me empurra. Como se eu saísse de mim e alguém tomasse posse do meu punho, das minhas penas e desatasse a verter versos, ou verdades, ou lágrimas, ou risos, por mim. E as palavras vivem, reagem, mexem-se em turbilhão, soltam-se da ponta da minha pena em gotas fluídas de sangue, pétalas soltas de risos...

Às vezes a inspiração esconde-se de mim, conto até vinte, desconto até nada e... nada. Outras, atiça-me o descuido, apanha-me à traição, solta-se, livre, da palma da minha mão. É só abri-la e ela voa, com as asas carregadas de palavras que não ditei...

Porque as minhas palavras, já disse, têm vida própria! Nascem espontâneas, fluem caprichosas, imprimem-se em mim, indomáveis!

E não se coíbem de me trair, são de todos, não são de mim! Por mais carinho que lhes dê, por mais que as trabalhe em lustro e brilho, elas nascem-me libertinas...

...Mas... levam sempre vestígios do parto, restos do cordão vital que as alimentou em mim...