O Dilema do Relógio
Pare o que está fazendo e dedique 10 minutos do seu tempo para ouvir o mundo ao seu redor.
O que você ouve?
Quanto a mim, ouço o tic-tac do relógio; ouço o balançar das folhas da árvore; os latidos do cachorro que late só; os distantes ecos dos carros, motos, caminhões e camionetes; e a rabiola de pipa presa no poste se mexendo ao passar do vento. E então alguém usa a torneira e eu posso ouvir a água vindo da caixa d'água e passando pelos canos. Qual a torneira destino não sei, mas ouço claramente a água passando. Então um mosquito passa com seu maldito zumbido. A parede estala. O teto estala uma vez. E depois outra, havendo entre cada estalo um intervalo de cerca de 2 segundos. E quando levanto um dedo para coçar o rosto, da cadeira ouço um estalo. A TV ligada na sala, mesmo que com a opção "mudo" ativada, produz uma espécie de som, bem fino e quase imperceptível. Mas é noite, e no silêncio da noite até o mais imperceptível dos sons torna-se perceptível. E por um momento, o tic-tac do relógio sumiu. Sumiu pois dava atenção aos latidos, às folhas e ao contínuo e irritante som da lâmpada do abajur. Se, naquele momento, me dissessem que não existe relógio, eu concordaria sem relutância. Afinal, não deixa de ser verdade. Não estaria mentindo ao dizer que não há relógio. Não estaria faltando com a verdade. É verdade que para mim, naquele dado instante, não havia relógio algum. Mas, agora que estou olhando para o relógio, eu sei que ele existe e existiu durante todo esse tempo em que minha atenção se voltava aos outros sons. A existência do relógio também não deixa de ser verdade. Naquele momento, eu poderia jurar que não havia relógio algum. Mas agora eu também poderia jurar que, naquele momento em que não percebia o relógio, havia um relógio ali, bem ali, em cima da mesa, dizendo em alto e bom volume e de forma uníssona "tic-tac".
A verdade não é única. A verdade é que o relógio estava E não estava ali, ao mesmo tempo.
Mas o que me incomoda não é esse dilema. O que me incomoda é... quantos outros sons estão bem ali e não percebemos por dar atenção a outros? A possibilidade é concreta. O exemplo lhes mostrei. O que pode haver além daquilo que nossos sentidos dão atenção? O que pode haver além daquilo que podemos jurar que não existe? Quantos serão os outros sons que nossos sentidos nos dizem que não existem mas, simultaneamente, existem de fato?