Advogado honesto existe?

Se o advogado criminal, por exemplo, fosse honesto e tivesse boa conduta todos os seus clientes (assaltantes, assassinos etc.) iriam para a cadeia.

Geralmente é difícil que se entenda e se aceite que um advogado defenda um criminoso. Mas ele tem de defender, pois se o acusado for para julgamento e tiver de defender a si mesmo não o conseguirá, pois a legislação é extensa e bastante intrincada. Se o acusado comparecer a um tribunal sem a devida assistência de um advogado ele fatalmente será condenado. A defesa de todo e qualquer acusado é feita em nome do devido processo legal, consagrado no art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, que determina que -ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e ao garantir a qualquer acusado em processo judicial o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Portanto, por determinação legal, algum advogado terá de defender o acusado.

Para a lei e para todos os profissionais do Direito, antes da sentença definitiva transitada em julgado, da qual não há mais possibilidade de recurso, todos que chegam para ser julgados são apenas acusados. Para o profissional, tecnicamente, não existe o criminoso antes de ser isso provado em juízo. Para o juiz a verdade é o que está nos autos. O que circula na imprensa, mas não consta dos autos, não pode e nem deve influenciá-lo. Até porque a maior parte do que circula na mídia não seria aceita como prova em juízo. O juiz não pode se convencer por boatos, por testemunhos que não possam se comprovar. Se alguém diz que sabe ou testemunhou algum crime, mas não leva o seu testemunho à Justiça, é claro que esta não o poderá considerar para culpar o acusado. Se nenhuma prova, legalmente aceita, for apresentada durante o julgamento e, constando dos autos, chegar ao conhecimento do juiz, , este não a poderá conhecer, isto é, ele não a poderá considerar. E por que é assim? Porque a convicção do juiz não poderá ser formada sobre  boatos, intrigas, falsos testemunhos: sua convicção deve, necessariamente, estar baseada em provas legalmente aceitas, isto é, que possam ser comprovadas, seja por laudos, por testemunhos de pessoas em quem se possa acreditar porque realmente testemunharam os fatos ou foram deles vítimas.

A lei para ser justa tem de ser igual para todos, por isso todos os acusados tem de ter seu advogado de defesa. Porque se fosse permitido que houvesse defesa apenas para os que neles se acreditasse, para os que se considerasse honestos, já aí haveria uma parcialidade que levaria inevitavelmente à injustiça. Por que só aqueles que eu ou você acreditamos que sejam honestos devem ter direito à ampla defesa e o filho da dona Mariazinha não? Só por que o filho dela é negro, pobre, analfabeto?

Ninguém pode ser considerado, por um profissional do Direito, culpado por antecipação.

Um advogado pode, quando procurado, não aceitar fazer a defesa de um réu considerado de forma generalizada pela sociedade como um criminoso. E muitos advogados o fazem. Mas todos não o poderão fazer, pois um terá de, forçosamente, aceitar a espinhosa tarefa. Mas muitos não farão uma defesa ardorosa, como fariam em outros casos, em que eles acreditam na inocência do réu. Hoje mesmo soube de um caso em que o advogado de réu, que foi condenado a vários anos de prisão, decidiu não apresentar recurso. Isso pode acontecer por razões várias, inclusive por crer o profissional de Direito que seu cliente merece a sentença... O réu, por sua vez, se sentindo prejudicado, pode dispensar os serviços desse advogado e constituir outro que se interesse em recorrer e continuar sua defesa.

A Defensoria Pública, por exemplo, não é um antro de ladrões e desonestos: a Defensoria existe para que os pobres tenham o seu direito à ampla defesa respeitado  e exercido.

Há casos, sim, em que nem pode haver dúvidas de que o acusado é culpado - pois ele mesmo confessou sua culpa. Nesse caso, o papel do advogado será o de tentar amenizar o rigor da lei. Qualquer um entende essa hipótese se imaginar que seu filho ou algum outro ente querido esteja nessa situação. Estando nessa posição delicada, qualquer um vai querer, sim, que o advogado faça todo o possível para diminuir a pena à qual será condenado seu ser amado.

Os mecanismos da lei só são entendidos quando nos colocamos dos dois lados: do lado da vítima e do lado do acusado.

É claro que existem, sim, maus profissionais. E o escândalo que fazem, o prejuízo que causam à sociedade e ao Direito é tanto que parecem ser muito mais numerosos do que realmente são.

Mas a maioria dos advogados são profissionais medianos, e há uma pequena minoria composta por notáveis, profundos conhecedores das leis e, por isso mesmo, extremamente honestos.

A última coisa que um profissional do Direito poderia ser é desonesto. Porque um advogado que rouba e engana seus clientes, que distorce o verdadeiro sentido da lei é, ele mesmo, uma negação ambulante de tudo que deveria não só simbolizar, mas lutar arduamente para que prosperasse.

Infelizmente, a impressão que você tem - e que não é só sua - é resultado da péssima formação dos profissionais há algumas décadas. O ensino foi se deteriorando, de modo que a maioria dos bacharéis nem têm consciência do que realmente significa sua profissão (desgraçadamente, não é um mal que aflige só essa classe profissional). Eles se graduam sem nunca lhes ter sido apresentado o Código de Ética Profissional... Muitos prestaram o juramento sem nem ao menos saber o significado da palavra “denodo”... Era extremamente necessário que durante todo o curso, fosse aos alunos de Direito ministradas noções de Ética, pois a maioria exerce a profissão sem saber o que pode e o que não pode fazer. Muitos se tornam juízes sem saber o verdadeiro significado de sua profissão. Por isso temos decisões simplesmente estapafúrdias em todas as esferas do Judiciário. Decisões que muitas vezes contrariam o verdadeiro espírito da lei.

A conseqüência é o descrédito do cidadão comum - que aqui você externou.

Não há pior inimigo para toda uma classe do que o mau profissional. Porque a sua atuação desairosa, indecorosa cobre de ignomínia toda a classe - e até os honestos se vêem degradados, envilecidos, desprestigiados, desacreditados perante a opinião pública.

Mas há lembrar que assim como toda unanimidade é burra, toda generalização é errônea. Os profissionais não são iguais, porque os seres humanos não são iguais. Por mais que os tempos sejam desventurosos, há ainda ovelhas brancas - embora, estas, existam sempre em menor número.

Assim sendo, a resposta para sua pergunta inicial é: sim, advogado honesto existe! Basta que se analise toda uma classe profissional sem uma idéia já preconcebida.

E, concluindo, só mais um detalhe: quem crê que todos são desonestos termina não se diferenciando daquele que inocenta a todos...

O seu pensamento só teria lógica se afirmasse: se o advogado fosse honesto todos os CULPADOS iriam para a cadeia. Porque acreditar que o advogado deva levar todo e qualquer cliente para a cadeia seria o mesmo que achar que o médico deva matar todos os seus pacientes que estejam fora de possibilidades terapêuticas. O cliente recorre ao advogado para que este o defenda - não para que o leve para a cadeia (tal qual o paciente recorre ao médico para que este lhe salve a vida ou amenize seus sofrimentos - e não para que o mate).

Ser advogado não é única e exclusivamente mandar pessoas para a cadeia. Aprisionar pessoas, pura e simplesmente, não é justiça. Justiça só se realiza quando os verdadeiros culpados são julgados - com imparcialidade - e condenados. Justiça só existe realmente quando se julga de acordo com as leis - e sua própria consciência; porque Justiça não é vingança - é uma virtude.