Meninos da Caixa
Eram os mais desvalidos. Mas raro era vê-los de pés no chão. E eram até poucos, numa massa de trinta e tantos alunos. E embora o uniforme, camisa branca e calça azul nos equalizasse, eles se distinguiam por suas capangas de pano ao invés de pastas de couro.
Hora da merenda eram chamados para o subsolo do casarão de Maria Tangará, que se convertera em nosso educandário, e que chamávamos de Grupo Velho, e recebiam a sua dose proteica. Macarrão, ou uma caneca de leite adoçado, que eram as que me lembro melhor.
Não cheguei a fazer parte daquela confraria, pois filhos de operários não se qualificavam. Ficavam um degrau acima. Pertinho dos rebentos de funcionários públicos, ou de comerciantes, ou artesãos da tesoura, do couro, da enxó que, aliás, naqueles anos cinquenta, já havia dado lugar à plaina, ao serrote, ao martelo, como convier.
Uns poucos alunos levavam merenda de casa. Coisa de meninas, mais, que até ostentavam uma merendeira entre seus petrechos escolares. Saindo de casa almoçado, era julgado que aquela refeição sustentava pelas quatro horas que eu, e uns outros, íamos passar na lide pedagógica. Engano ledo, ou falta de enredo.
E vendo os outros comendo, a fome de se mastigar e engolir alguma coisa era aguçada. E aguilhoava. E não é que nossos pais fossem relapsos nesse quesito. Os meus pelo menos acenavam com uma banana, uma laranja, mas qual o quê, ficar carregando aquilo na mão?
A mão era para guardar a cartela de figurinhas, uma revista em quadrinhos pra fazer os colegas se babarem de inveja...
Uma vez senti-me empoderado, com uma daquelas notas do azul esmaecido, a da efígie do Marquês de Tamandaré, um cruzeiro inteiro.
Comprei uma caneca do leite adocicado, justamente da concha de Dona Mansinha, que servia a garotada da Caixa. Achei bom demais. Pena é que o Eduardo Suplicy, que já era bem rapagão nessa época apossou-se de meu conceito de renda mínima. Sem me dar crédito.