A Jesus
Meu coração espinhoso, rígido, pesado,
Pedregoso, afiado;
Embrutecido por não o usar,
Ou por o usar só como arma.
Meu coração hostil, em riste,
Prestes a explodir, engatilhado.
Meu coração navalha, projétil, bomba,
Flecha, lança, pedra.
Meu coração dor — e já não dói —,
Aceita-o nesta primeira vez que não o arremesso, mas o doo.
Não o espeto, mas o entrego.
Aceita-o, faça favor. Aceita-o.
Não o entrego para Te machucar;
Como uma ofensa ou uma agressividade.
Antes como um carinho de quem não sabe mais ser gentil,
De quem desaprendeu a simplicidade do amor
— Ou nunca a aprendeu —,
De quem a tanto tem usado o coração como espada,
Que tem usado essa flor, e tudo mais, como uma arma,
E que de tanto golpear, de pétala em pétala caindo, sobrou só o espinho.
Mas o aceita, porquanto não mereço.
Mas o aceita, porquanto não mereces.
Pois não mereço tanto e não mereces tão pouco.
Aceita-o sem razão pela qual o aceitas,
E ainda assim com a convicção de que fazes bem.
Toma-o e o lapida, amoleça-o, esquenta-o,
Tira-lhe o fio e dá-lhe a maciez, a suavidade.
Rega-o, restaura-lhe pétala e perfume;
Faça-o novamente flor.
É Teu, faze com ele o que quiseres,
Pois eu, tendo-o sempre, nunca soube o que fazer,
E fiz mal.
E ao aceitar, desculpa-me, perdoa-me.
Soubesse eu, antes, existires,
Soubesse eu haver mãos dispostas a apanhar-me o coração mesmo a se ferir,
E morde-lo para saborear seu amor mesmo sentindo o resquício do fel,
Soubesse eu disso, teria o regado melhor,
Teria sido melhor para Ti, mesmo antes de Ti,
Como serei agora, para Ti, conhecendo-Te.