Apenas para Jesus
(tudo isso ela ouvia no radio e nos narrava na maior paciência e sem alterar linha, ou palavrinha) :
Numa casinha miserável, de arrabalde, viviam um casal e seus filhos. Tudo duma modéstia acachapante. Mas eram bons cristãos, e pra eles Pilatos nem lavaria as mãos.
Uma bela tarde, sem televisão, sem futebol, quase ao por do sol, eis que bate à porta um estranho, aparentemente cansado, sedento, pedindo uma prato de comida.
Não havia mais que um frango no quintal, mas o espirito cristão prevaleceu, o cercou, o pegou, e o estrangeiro foi convidado a entrar, banhar os pés, o chapéu retirar e foi aquele bom prosear - embora sem uma dose de black label tomar - enquanto a mulher ia cuidando do singelo jantar.
E não é que o estrangeiro, com o ar seu de galileu, a interpelou, dizendo: ao depenar o frango, por favor traga-me as penas, apenas. E assim fez a boa senhora, cuidando de tudo a tempo e a hora. O estrangeiro recebeu as penas e as acomodou sob o chapéu que descansava ao seu lado, numa mesinha de tosco envernizado.
E o jantar transcorreu na melhor animação, todos comendo bem e se permitindo a repetição. Até que findo o repasto, um pouco de capuccino, do pó que restava, foi com prazer gasto. O estrangeiro se pôs de pé, agradeceu a todos e ao pegar seu chapéu, olhou pro céu, e partiu pro beleléu.
E não é que, para a estupefação dos presentes, das penas remanescentes, adivinha: surge imponente galinhazul que assim que abre as asas, de norte a sul, e, pelos quintos: rodeada duma dúzia de pintos?