O que a antropologia teológica compreende como ser humano ? 

 

Em primeiro lugar : o que é “ser humano” ? Ser “humano” é ser compreensivo, solidário, bondoso, caridoso, participativo, amoroso, etc. Exatamente o oposto do que a grande maioria das pessoas é, hoje ! Somos participes de uma sociedade individualista, consumista e narcisista, que não tem tempo para o “outro” e tem enorme dificuldade em entender o significado da palavra alteridade, quanto mais praticá-la.

 

Há dois mil anos, Jesus esteve por aqui e nos ensinou o verdadeiro significado de ser “humano”. O tempo passou, evoluímos muito, mas não crescemos em nada, neste tocante. Jesus foi e é o único ser “humano” que passou pela Terra, em apenas 3 anos de vida pública deixou um manancial de experiência, exemplo, mensagem e “sinais” jamais vistos em toda a história da humanidade e que perdura por todo esse tempo e se espalhou por todos os cantos do mundo.

 

A antropologia teológica estuda o “homem” à luz da Revelação, ponto de partida do judaísmo e, por consequência, do cristianismo, uma vez que este é sequencia do outro. O cristianismo, que nos interessa nesse trabalho, tem uma visão do homem como criatura de Deus; foi criado por Deus à sua imagem e semelhança e a ele foi dado o poder de “dominar” toda a Terra. Portanto, “somos” criaturas e não criador. E isso “incomoda” muita gente que não consegue perceber a infinita diferença e age como se Deus fora e centraliza tudo e todos a seu redor.

 

Para continuarmos a nossa reflexão, é preciso deixar claro que o cristianismo é libertador, jamais castrador ou religião de escravidão. Jesus veio para nos salvar e não para nos julgar. Ele veio para nos mostrar o “caminho, a verdade e a vida”. Qualquer outra visão ou interpretação cristã que não esteja fundamentada na liberdade do homem, nada tem a ver com Jesus e sua colossal doutrina.

 

Deus Pai quando nos dá a vida, nos dá também a liberdade de vontade e com esta exercemos o livre arbítrio e fazemos as nossas escolhas. O Espírito Santo está dentro de nós, mas respeita integralmente a nossa liberdade e só se manisfesta quando fazemos a opção por Ele e pedimos que não só interceda por nós, mas que nos contagie e nos contamine com o seu amor fraterno.

 

São Paulo ratifica de forma magistral a liberdade humana quando diz : “- podemos tudo, mas nem tudo nos convém”. Podemos tudo, significa a liberdade que possuímos; mas nem tudo nos convém, significa que essa liberdade tem preço : a responsabilidade. Colhemos aquilo que plantamos.

 

O “ser humano” é único, insubstituível e irrepetível, mas é um ser de relacionamento. É ao mesmo tempo ser de unicidade e de pluralidade, pois não foi criado para a solidão e seu objetivo maior é exatamente o de aprender a conviver com os seus semelhantes e com eles dialogar e crescer. Por isso, o ponto alto do “ser humano” está fundado na alteridade, no estar voltado para o outro.

 

Mas é exatamente isso que ainda não alcançamos, pois estamos afogados em uma sociedade egoísta e antropocêntrica. Somos de uma incoerência incrível : enviamos veículos espaciais a outros planetas, mas não somos capazes de acabar com a fome e a miséria na Africa e muito menos com a escravidão dissimulada em outras tantas regiões. Somos “seres humanos” ? Não, ainda não !

 

Como dissemos, o “ser humano” é um ser de relações. Esse relacionamento se dá com o mundo, com os outros e com Deus. Então vejamos :

 

As relações com o mundo – o homem é chamado por Deus a “dominar” o planeta, o que não significa destruí-lo como andamos fazendo há séculos. Dominá-lo significa cuidar dele e de todos os seus habitantes e demais animais. Cuidar significa “amar”. A unicidade do planeta Terra só existe se respeitarmos a diversidade, pois é esta que origina a unicidade e vice-versa, são irmãs siamesas. Se destruímos o nosso próprio lar, iremos morar onde, em Marte ?

 

As relações com os outros – exceto no caso dos eremitas, os demais homens precisam dos demais homens. É um circulo virtuoso, que pode nos conduzir ao desenvolvimento da humanidade, ao progresso e ao crescimento em todos os níveis : material, mental, emocional e espiritual. Infelizmente, damos preferência ao circulo vicioso, na exploração do homem pelo próprio homem : escravidão, prostituição, exploração, submissão, corrupção, etc. Ficando claro que ainda estamos longe de nos tornarmos “seres humanos”, somos apenas “bicho” homem. Esta relação se dá no diálogo, no encontro e na abertura ao “outro”. Sempre focado na subjetividade aberta e lutando para excluirmos a subjetividade fechada.

 

As relações com Deus – são de forma ampla, geral e irrestrita. Isso significa que as relações com o Pai são realizadas nas relações com os outros, com a natureza, com os demais animais, consigo mesmo e com o cosmo, mas de forma sempre aberta e voltada para tudo e todos. Viemos de Deus e a Deus voltaremos. Nosso grande desafio, neste mundo, é aprendermos o valor da alteridade. Amamos a Deus quando amamos o nosso semelhante, quando respeitamos a liberdade dos outros, quando cuidamos da natureza, quando entregamos a nossa vida nas mãos do Senhor. Somos o único ser de diálogo com o Pai e somos capazes de aceitar esse diálogo ou rejeitá-lo, no pleno exercício da liberdade !

 

O calcanhar de Aquiles do cristianismo, ao longo de sua jornada nesses últimos 20 séculos, é o “dualismo”. Doutrina segundo a qual a realidade e a natureza humana estão divididas em dois princípios fundamentais e antagônicos, tais como : bem e mal, positivo e negativo, matéria e forma, corpo e alma, essência e existência, etc. Herdamos isso da influência grega na história da humanidade, contaminou o judaísmo e o cristianismo.

 

Esse é o grande obstáculo que prejudica todo o desenvolvimento humano. Está enraizado em cada um essa compreensão que nos cega completamente : em quase tudo enxergamos apenas duas opções antagônicas. Quando discutimos qualquer assunto, partimos do princípio de que um está certo e o outro errado.

 

Ficamos limitados a uma bifurcação ilógica. E com isso partimos acelerados para uma prática injusta de oposição-exclusão e a maioria das nossas ações caem na subjetividade fechada, porque estamos sempre na “defensiva” e a primeira reação é de autoproteção : nos fechamos como se um caramujo fossemos. Essa é a postura do “bicho homem”.

 

Jesus quando estava pregado na cruz, nos deu um grande exemplo do que é ser “ser humano”, naquele momento de dor, medo, revolta, angústia, desespero, Ele nos mostrou o verdadeiro significado da “integração-inclusão”. Disse Ele : -Pai, perdoa-lhes pois não sabem o que fazem (Lc 23,34). Essa será a postura do “ser humano” a ser alcançada algum dia no futuro.

 

Afinal, QUEM É O HOMEM ?

 

É um sujeito de relações e que se realiza, exatamente, nessas relações, consigo mesmo, com as outras pessoas, com toda a natureza, com o universo e, finalmente, com Deus em sua dimensão mais ampla. A vocação do homem é o amor fraterno, momento mágico em que estará se realizando completamente e cumprindo a missão que Deus lhe deu. O cristianismo coloca no centro de sua doutrina a dignidade da pessoa humana, pois essa é a mensagem de Jesus. Entretanto, a maioria dos cristãos ainda não percebeu isso e faz todo tipo discriminação e de exclusão social. É o “homem” rejeitando o próprio homem, na contramão da história de Cristo.

 

 

 

 

Leandro Cunha

setembro 2012.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leandro Cunha
Enviado por Leandro Cunha em 14/09/2012
Reeditado em 15/09/2012
Código do texto: T3882385
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