Oração do poeta
Oração do poeta
maria da graça Almeida
Senhor,
Ajude-me a ser cuidadoso com as letras
que deponho no papel.
Jamais me deixe vacilar diante da verdade.
Não me autorize a expor meus sentimentos sob as
garras da intolerância, sob os olhos da incerteza,
sob os riscos da dúvida.
Não me permita falar ou calar apenas em defesa
do próprio benefício.
Que minha pena tanto sirva para glorificar as
virtudes, quanto para denunciar o desrespeito
e a omissão.
Que, por meio de minhas mãos, a poesia espalhe-se
balsâmica, levando esperança aos desesperados,
encanto, aos desencantados.
Que minhas sílabas amenizem a ansiedade dos
aflitos e preencham o vazio dos depressivos.
Que meus versos inibam as mãos portadoras de
objetos contundentes e armem a voz dos oprimidos
com a coragem da opinião equilibrada.
Que meus poemas tenham eco e repitam os refrãos
da crença no ser humano e os da obediência
aos princípios da convivência pacífica.
Que minhas letras jamais espalhem desalento,
temor, descrédito.
Que meu verbo seja destemido, porém, responsável,
atento e apaziguador.
Que eu nunca me valha da facilidade da escrita
para angariar aliados às causas indignas.
Que eu observe as letras do outro e busque
encontrar acertos; que não deposite em seus erros
o atestado da minha pretensa sabedoria.
Senhor, se por um momento eu confundir a medida da
seriedade, ou perder a noção da civilidade, faça
com que minhas letras adormeçam até que eu acorde
minha consciência e desperte minha observância
para com a integridade física e mental do meu
próximo.
Ponho-me em suas mãos, Senhor, com o compromisso
de tentar fazer com retidão a parte que me coube,
a partir do momento em que achou por bem
fazer de mim um poeta.
Que assim seja, em letras, palavras, orações,
agora e sempre.
maria da graça almeida