SANTO EXPEDITO

Há algum tempo, minha família, passou por um drama.

Uma cirurgia grave foi feita em alguém querido e, para o cúmulo do azar, durante a operação o paciente sofreu uma isquemia.

A previsão era de tudo correr bem.

Mas não correu.

Não adiantou o bom hospital, o conceituado cirurgião e até o bom estado físico da paciente, tirando, claro, o problema que lhe afligia e que seria removido.

Os bons prognósticos foram-se embora e, dia após dia, notícias ruins.

Como uma avalanche de pedras, que aumenta de velocidade e volume, sem que ninguém possa interceder e controlar.

E um peso grande no coração de todos.

Que bruta azar !

Saio para bater perna e ouço de um amigo que eu pesse uma graça a Santo Expedito, assistindo a uma missa na cidade de Santo Expedito.

Como minha senhora?

Não sabia que existe uma cidade com o nome do santo?

Pois é, eu também não sabia.

Volto pra casa e minha mulher e convido-a: "vamos assistir a uma missa na cidade de Santo Expedito".

Minha mulher também desconhecia que há uma cidade com esse nome.

E bem perto de Araçatuba.

E nem sei agora, quem é esse santo.

"É o santo da intervenção divina urgente."

Acho que religião é uma forma de loucura.

Quando a realidade é muito dura, difícil, agressiva, o homem refugia-se no imaginário.

Somos animais que conseguimos, através do pensamento, transcender a matéria.

Preso irremediavelmente ao corpo,

matéria irremediável perene,

o homem é capaz de fugir para um mundo que não existe,

imaginário, que passará a existir depois de criado por ele,

e que pode ser modificado ao próprio gosto.

A cidade de Santo Expedito não deve ter mais do que mil habitantes.

Um cidade de primeira; se engatar a segunda você sai dela.

Pois havia lá de romeiros pagando graças acho que mais de dez mil habitantes.

Missa campal, em frente à igreja, porque dentro não cabem todos.

A missa, é assistida em pé, no sol a pino.

Num altar, armado na carroceria de um caminhão, o padre rezou a missa acompanhado coral e violeiros; aliás, muito bons.

Um homem cantou o salmo trinta e três lindamente musicado.

Em volta o povo,

gente simples, pobre e boa,

sentimo-nos bem.

No entanto, em torno a multidão, vendem-se cuecas, meias, brinquedos, eletrônicos, badulaques de todo tido, etc.

A menos de dez metros do altar do santo referenciado o chopp gelado é oferecido ao preço de três reais e cinquenta centavos o copo plástico.

No espaço que há entre nós e o altar, vendedores de balões a gás passam a vender Minies, golfinhos, Plutos, Frozens, tudo rosa, azuil e prateado.

É a crise batendo no altar de deus.

Fazemos as oferendas e oferecem-nos a comunhão.

Eu peço pela saúde da doente,

pela minha família.

Peço de coração;

e pediria ou gritaria alto,

sem constrangimento.

Duas "periguetes", com calças justas e botas longas me tiram a concentração.

Creio que o santo é tolerante.

Um garoto enrosca um dragão de isopor verde por entre as minhas pernas.

A mãe ralha com ele e dá-lhe um cascudo.

A fumaça do churrasquinho de fraldinha envolve a todos;

e eu prometo comer pelo menos um.

O sermão, do qual já perdi o fio da meada,

fala de amor, fé, devoção,

da fragilidade do homem frente ao mundo,

e tudo misturado faz sentido para mim.

No término do canto da comunhão o padre faz uma pausa

e um desfile caipira, carros de bois, boiadeiros,

montados em toda sorte de animais,

passam em frente ao altar,

e recebem a benção.

Os animais defecam

e o cheiro de estrume mistura-se ao aroma da feira.

Cheiro da vida.

Des quintais.

De gente comum.

"Ulisses" de Joyce, que no anonimato combatem

as terríveis realidades humanas.

A cerimônia é longa.

O calor é forte.

Cada líder da comitiva das fazendas e sítios

posicionam-se em frente ao altar

com mastros e bandeiras.

Ao parar em frente ao sagrado esse líder curva o mastro.

O padre anuncia a comitiva,

benze e pede palmas.

Para prosseguimento da cerimônia o sacerdote ordena, alto e bom som:

"Levantem o pau !"".

Sofrimento, humor, desespero, esperança, o real e o imaginário se misturam nessa fé irracional.

Deve ser assim !

O racional independe da fé.

"O sofrimento passa. Mas a fé em Deus nunca passará", afirma o padre.

O anunciado ameniza o coração e todos respondem:

"Amém !"

"Santo Expedito, saúde aos doentes,

perdão aos pecadores.

Rogai por nós."

Não sou um exemplo cristão,

mas sou muito grato ao Santo Expedito,

que deve conhecer-me melhor do que eu conheço a ele;

e aconteça o que tiver de acontecer,

será a vontade de deus, anunciada pelo santo.

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Sajob - abril / 2012.