A Samaritana
Se olharmos detidamente para o mapa da Palestina na época de Jesus, notaremos que a região dividia-se da seguinte forma : ao norte ficava a Galileia, ao centro a Samaria, ao sul a Judeia e no extremo sul a Idumeia. Todos espremidos entre o mar mediterrâneo e o leito do rio Jordão.
No Evangelho de João, Jesus é um itinerante, ele viaja o tempo todo e deixa suas marcas por onde passa. Estando em Jericó, na Judeia, e querendo dirigir-se para a Galileia, quase obrigatoriamente tinha que passar pela Samaria. Poderia atravessar o rio Jordão e seguir margeando o rio até chegar ao lago de Genesaré, caso quisesse evitar a Samaria. Mas não era esse o seu objetivo. Pelo contrário, a Samaria era um ponto de referência de suma importância nos planos dele. Por onde passava deixava uma semente a germinar.
O diálogo entre Jesus e a Samaritana é rico em todos os sentidos e expressivo em termos históricos. Mais uma vez a pedagogia dele conduz a conversa com seus interlocutores. Aos poucos ele dirige os pensamentos daquela mulher para o raciocínio que ele quer que ela alcance. Enquanto ela está presa ao plano material : poço, balde, água; e também ao passado histórico da Samaria : conflitos com os judeus, pai Jacó, discriminação de mulheres; Jesus, obviamente, encontra-se no plano espiritual e preocupa-se com o futuro. A mulher se transformar a partir do momento que ela percebe que está diante do Messias tão sonhado e esperado por judeus e samaritanos.
Existem algumas interpretações sobre a passagem de “A Samaritana” no Evangelho de João. Vamos analisar uma delas, a que entende que, na verdade, o autor usa uma metáfora maravilhosa para falar sobre o povo samaritano e seus conflitos religiosos.
A Samaria, ou reino do norte, desapareceu por volta do ano 722 a.C. quando foi invadida e dominada pelos Assirios e a maioria do povo foi exilada para a Babilônia. Ficaram na Samaria apenas poucos remanescentes do povo, gente simples e humilde. As pessoas influentes, os intelectuais, os ricos, os políticos, enfim os formadores de opinião foram todos deportados para a Babilônia. Era a forma dos conquistadores destruírem a cultura de uma nação. Normalmente, aceitavam, tão somente, que mantivessem a cultura religiosa e os seus deuses. Nada mais.
Por outro lado, os Assirios determinaram que outros povos (também conquistados por eles) fossem deslocados e assentados na Samaria. Para lá foram gente da Babilônia, de Cuta, de Ava, de Emat e de Sefarvaim. Todos foram estabelecidos na Samaria, que estava enfraquecida e suscetível ao sincretismo religioso. Fato que ocorreu e que comprometeu profundamente as raízes religiosas do povo judeu-samaritano que ficou na região.
O diálogo, então, é uma referência as consequências daquele processo. Assim, a mulher representa o povo samaritano que se encontrava dominado pelos assírios e desfigurado religiosamente pela influência dos 5 “maridos” ou melhor dos 5 povos que estavam na Samaria e que mantiveram as suas origens religiosas que acabaram interferindo na crença daquele povo. Essa, inclusive, é uma das razões da tradicional discórdia entre judeus e samaritanos que perdura por séculos.
Percebe-se, então, que a pedagogia de Jesus dirige a mulher samaritana para o ponto central do seu objetivo : uma compreensão total do plano espiritual. Fica claro, para nós, que João Batista foi o responsável pela introdução de Jesus na Judeia e uma MULHER, samaritana, foi a responsável pela introdução dele na restauração da Samaria.
No final do diálogo, Jesus guia a mulher para uma reflexão sobre o ato de culto e de adoração a Deus. E dá para ela a oportunidade de discernir sobre os dois atos. E que o mais importante de tudo é a adoração ao Senhor, mas que essa se encontra no modo de viver de cada um de nós. A samaritana, até aquele momento, estava presa ao fato de que o verdadeiro local de “adoração” estava no monte Garizim, Jesus revela para ela que qualquer local e qualquer hora é ideal para louvar a Deus.
Você ama, verdadeiramente, a Deus nos atos que pratica no seu dia a dia : na caridade, ao resgatar a dignidade dos marginalizados, dos necessitados, dos viciados, dos excluídos dessa sociedade “louca” que desenvolvemos e na qual vivemos. Amar a Deus está diretamente ligado ao exercício da alteridade, onde uns plantam e outros colhem, mas preste atenção : colhemos exatamente aquilo que plantamos.
A mulher samaritana espalhou a noticia sobre o “profeta” que ela encontrou e que sabia tudo a respeito da vida dela. E todos acolheram a “boa nova”. A sementinha plantada no terreno fértil dava sinais de frutificar. E dentro do poço encontramos água e água é vida e onde há vida há amor e esperança. Jesus deixa claro que Deus está em todos os lugares, mas que Ele prefere habitar em um local muito especial : o coração de cada um ! E em sua mensagem final dessa belíssima passagem fica a seguinte reflexão:
Você só alcançará a virtude quando se apaixonar pela verdade, pela justiça e pela caridade.
Leandro Cunha
Bibliografia :
Nem aqui, nem em Jerusalém.
Isidoro Mazzarolo.