Lava-pés

 

A analise da espiritualidade eclesial de S. Agostinho nos leva a um dos textos mais ricos do Evangelho de João : o lava-pés.

 

A bem da verdade, a última ceia no Evangelho de João é representada pelo lava-pés. Jesus faz um gesto para mostrar aos seus discípulos e a todos nós o valor da humilhação. Essa passagem materializa outra também marcante : quem se humilha será exaltado e quem se exalta será humilhado.

 

É importante frisar que no contexto da época lavar os pés de outrem significava o mais baixo nível de atitude, somente os escravos assim procediam. Era o cúmulo da humildade.

 

Em João 13, 10 temos : “Disse-lhe Jesus: Aquele que está lavado näo necessita de lavar senäo os pés, pois no mais todo está limpo. Ora vós estais limpos, mas näo todos.

 

Mas você pode estar se perguntando :

 

- o que significa tudo isso ?


Este ato de Jesus, altamente significativo, quer mostrar aos seus discípulos, futuros apóstolos e mais adiante ainda para toda a Igreja, que a atitude mais importante nessa vida é SERVIR. E o que é “servir” ? É trabalhar pelo bem dos outros. É compreender que os outros são tão importantes ou mais do que nós mesmos.

 

Qual o segundo mandamento do nosso decálogo ? Amar ao próximo como a si mesmo. Jesus, então, ratifica, confirma, consolida a determinação do Pai diante de Moisés. Estamos falando de alteridade !

 

Agostinho anexa essa passagem à sua reflexão sobre Marta e Maria e também sobre a Escada de Jacó, para eliminar de vez qualquer tentativa de privilegiar a contemplação em detrimento do SERVIR.

 

O bispo de Hipona quer deixar claro que tanto a ação em servir, desenvolvida por Marta, quanto a contemplação aplicada por Maria, são vitais para o caminhar do cristão. E nada melhor do que meditar sobre o lava-pés para compreender isso !
 

Agostinho segue em suas reflexões, ele nos brinda com a inclusão de mais uma passagem para elucidar seus pensamentos : a parábola dos “talentos” em Mt 25, 25-30. Nesse texto encontramos o egoismo do servo que recebeu do seu senhor um talento para cuidar dele e que por medo ou receio não fez nada, não aplicou e nem investiu o talento de forma a produzir frutos, multiplicar.

 

Essa parábola nos mostra o risco de desperdiçarmos os nossos talentos. Cada um recebe um “dom” por intermédio do Espírito Santo e deve colocá-lo à serviço da comunidade e não “enterrá-lo”. Repare que na referida parábola Jesus usa a expressão “servo”.

 

Em Jo 13, 8 quando Simão Pedro não admite ter os pés lavados por Jesus, Este lhe responde :

 

 

• … se eu não te lavar, não tens parte comigo.

 

Pedro, então, retruca rapidamente :

 

• Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça.

 

Ora, Pedro queria ter parte com o Senhor, lógico. E a sua pronta reação comprova isso. Será que nós, cristãos, no mundo de hoje agimos de forma a termos parte com Ele ? Você, por exemplo, se preocupa com isso ou tem coisas mais importantes para fazer na vida ?

 

Jesus nos dá o exemplo ao praticar o maior ato de humildade. É isso que Ele espera de todos nós. Essa é a mensagem por trás deste ato marcante, que derruba a importância que damos à arrogância, a ganância, a raiva e a ignorância.

 

Não estaria Jesus, naquele momento, esclarecendo que sem SERVIR aos nossos semelhantes não poderemos ter “parte com Ele” ? Afinal de contas, o tempo todo ele faz questão de deixar bem claro que não veio fazer a vontade d'Ele, mas sim do Pai que O enviou. Em Jo 13, 20 o Mestre encerra : “... e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou”. Entendeu ?

 

A espiritualidade de Santo Agostinho é fundamentada na Igreja – Corpo de Cristo, e ele reuniu três importantes textos da Bíblia para nos ajudar a compreender que temos dois caminho a percorrer na vida cristã. Um pela via da contemplação e outro pela via da ação. Mas que ambos são complementares e estão no mesmo nível diante do Senhor. Os 3 textos são : Marta e Maria; A Escada de Jacó e o Lava-pés.

 

 

 

Leandro Cunha