PERDÃO, SENHOR! (salmodeando)

Senhor meu Deus

Eu sou um pecador

Não levo rosas na lapela

Não sinto cheiro de flor.

Levo pedras nas costas

E os pés descalços pisando

Pedras cortantes,

Mas não é sacrifício

Que faço

É a luta pela sobrevivência

É a licença que o corpo pede

Pra andar

Os caminhos são longos, Senhor

Perdão peço a Ti

Sofro com andar trôpego

Tropeço nas próprias pernas

Que a vida

Desandou

Perdão, Senhor, peço

Pois sou pecador

Sei bem

Água boa pra beber,

Não tem

E uma ladeira imensa

Onde busco o pão

O chão é pedregoso, Senhor

Na boca sinto um amargo

Profundo

Que vem do ninho da alma

Onde a fala se cala

Onda a roupa se rasga

Onde os olhos se fecham

O silêncio dói na alma

Os olhos ardem

A fé seca

Com a umidade da fome

Meu sono é desumano,

Senhor,

Perdão!

Choro sem ver as lágrimas

Que pesam na imaginação;

Sonho um sonho vazio

Onde o nada pesa calado

E os pés pesam com barulho

(pano a limpar o chão)

Barulho abafado, sofrido...

Perdão, Senhor, não reclamo

Nada

Como nada sou, perdão

Quero no rio mergulhar

Água límpida:

Em meu íntimo sertão

O sol arde que me cega

Eterno dia

Sem sonho de ilusão

Quero utopia, enxada gasta

Na terra seca

Choro infame do infante

Família santa

Que ouço distante, vindo

Do coração

Perdão, Senhor, não foi

Nada

Estava sem sono

Já era madrugada

O peso saiu dos olhos

Está na mente

(fome de que?)

Estava só

Não havia razão

O peso nos pés é livramento

Ao coração

O silêncio desperta a alma

(boa hora)

E os olhos cegos não vêem

A escuridão.

Perdão, Senhor meu Deus,

Eu sou um pecador

Choro sem dor

Nos interstícios do riso

Sonho a afugentar o

Delírio

No cálice da imaginação

Perdão, Senhor, perdão

Por tudo e por nada

Pelos olhos na madrugada

Pela cegueira na visão

Não foi sacrifício não, Senhor

Era dor que doía fundo

Era choro, não resmungo

Perdão, Senhor, perdão

A noite pode ser o equilíbrio

As pedras botarei no pote

De vidro,

Junto com o silêncio,

Pra lembrar dos sofrimentos

Da ilusão.

Perdão, Senhor meu Deus,

Perdão.

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 06/05/2011
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