ORAÇÃO
Senhor,
Conceda-me um descontrole fundamental
Daqueles que silenciam todas as células nervosas do meu corpo.
Dai-me uma bravura pontual
Dessas que encurtam o caminho das doenças
Conceda-me ao menos uma TPM tranqüila
Onde sangrar e acalmar não sejam apenas rimas
Dai-me a justa paciência para entender essa lerdeza universal
Dessas que dispensam rezas, banhos e rituais
Conceda-me um pequeno beliscão pra acordar de sonhos impossíveis
Desses doloridos, que te mergulham a cara na realidade
Mas conceda-me a infinita possibilidade de sonhar, sempre.
Dai-me a certeza da capacidade hormonal de perdão e luta,
Dessas que justifiquem ser filha da minha mãe, não da outra.
Conceda-me a ausência de humanos prepotentes e embalsamados
Com os quais seja impossível qualquer migalha de afeto.
Dai-me jogo de cintura diante da inveja,
Onde não me sinta esmorecer e nem veja meus cabelos caírem.
Conceda-me a possibilidade de respirar e assistir justiças,
Seja na política, família, trabalho, na minha pátria e no mundo.
Daí-me a medida certa e necessária da mudança física,
Mas não deixe mudar uma única vírgula, a minha inteligência.
Conceda-me verbalizar muitos e muitos "nãos",
Para que possa consagrar um incrível "sim".
Dai-me palavras certas nas horas tortas,
Mesmo quando tudo levar a crer que é em vão.
Conceda-me as delícias das grandes ou pequenas histórias,
Dessas que redescubram todas as mulheres em mim.
Dai-me fortes e felizes pernas,
E se um dia a celulite chegar...que seja pelos pulsos.
Conceda-me a possibilidade de muitas vezes errar,
Onde todos um dia acertaram.
Dai-me a alegria, de vez ou outra, olhar o mar,
Dividir com Iemanjá a sua linda moradia.
Conceda-me colocar pra fora os apertos no meu peito,
Onde as lágrimas façam os percursos da cura.
Daí-me a visão da felicidade do meu filho,
Mesmo quando meus olhos não estiverem mais nesta vida.
Conceda-me a reparação e permissão para voltar atrás.
Onde o arrependimento mostre seus olhinhos infantis.
Dai-me a sabedoria para amar essa mulher simples que sou,
E na solidão de mim, alcançar sua companhia.
Conceda-me não perder a comédia, não desaprender a rir,
Mesmo que o alimento seja a tragédia.
Dai-me o tempo para aprender o que de fato vim fazer aqui,
E se não conseguir, permita que faça hora extra.
Conceda-me boca fechada, onde houver muito mosquito,
E se caso um deles entrar, que eu tenha boa cuspida.
Dai-me pouca justificativa para alinhavar,
Pois não sou boa de costura, nem viés.
Conceda-me a magnitude do agradecimento,
Mesmo diante de toda contrariedade.
E por fim, Senhor,
Preciso dormir, se me dá licença.
Dai-me então, aquele bom sono,
Onde não caibam os pesadelos.
Conceda-me a liberdade de dispensar o sonífero,
E no lugar...dá aqui teu colo, vai?
Puxa, como isso é bom.
Posso deitar a cabeça assim?
Obrigada, Senhor!