PRECE

Senhor, amparai-me nesta clausura

amparai-me nesta terrível solidão a duas

amparai-me nesta impossibilidade de chorar sem testemunha

amparai-me neste tempo

a olhar o mundo pela janela.

Amparai-me nesta incapacidade de suprir sozinha

a solidão interior da minha mãe.

Amparai-me nesta impossibilidade

de estar aqui, um momento que seja,

apenas e tão somente

em minha própria companhia.

Amparai-me neste meu tantas vezes restar-me a morrer

diante dos olhos dela, minha mãe,

sem poder furtar-me ao seu olhar inquiridor

de amorosa inquisição

de terrível inquisição.

Amparai-me diante do meu pobre amor

impotente para retirar um grama

um grama que seja

do suplício interior do homem amado.

Amparai-me diante do esquecimento de mim

dentro do homem amado.

Amparai-me diante da impotência

diante do meu próprio destino.

Amparai-me diante da Dor sem Nome

de não conseguir crer o suficiente

mesmo diante do rosto desta Prece.

Amparai-me neste Deserto de Mim.

Senhor, socorrei minha mãe diante de suas próprias ausências

e da ausência de seu outro filho, esse ser imerso inteiro no seu próprio mundo.

Alertai a consciência desse irmão, essa consciência que o meu testemunho não tem tido o poder para alertar.

Senhor, socorrei o meu homem amado, restaurai-lhe o rosto no espelho.

Restaurai-lhe a vida interior, no seu espelho de dentro.

Restaurai-lhe os caminhos de dentro

para que ele possa prosseguir

inteiro, pleno de si mesmo,

em suas tarefas no mundo.

Se nos for permitido

que se clareiem os sentidos

da nossa vinda à vida um do outro.

Senhor, socorrei cada um dos meus tantos entes queridos

imerso cada qual em sua Necessidade e em sua Dor.

Senhor, socorrei os necessitados

de todas as formas de Pão.

Senhor, que o Sol a brilhar lá fora

brilhe também em nossos corações.

Que a Paz se faça

em nossas clausuras.

Que se alcance a Liberdade.

Para além das amarras do corpo

para além da espessura dos muros

para além da distância do mar

que se alcance

algum novo modo de amar.

Que Assim Seja, Agora e Para Sempre, Senhor de Todos Nós.

16 de novembro de 2008.