PODEROSA, capítulo 7: Excursão

 

(No capítulo anterior, Ava deu sua opinião a respeito dos poderes de Elaine, que devem significar uma missão em sua vida. Agora veremos como as duas, numa excursão ao Parque de Guarapari (parte do Parque Nacional de Teresópolis) descobrem que a estranha mulher que falou com Elaine no sebo da Praça Saens Pena, está por lá. E as coisas começam a acontecer.)

 

CAPÍTULO 7

 

EXCURSÃO

 

    “Brevemente as aulas recomeçarão”, eu pensava, feliz diante da expectativa de reencontrar colegas a quem amava. Muitos estavam viajando, mas na minha casa nem se falava nisso. Foi preciso Ava chegar para convencer os meus pais que a deixassem me levar numa excursão ao Parque Nacional de Teresópolis, através da subsede de Guapimirim.

    — Eu nunca viajo! Pensem bem, vocês nunca me levam a parte alguma — implorei. — Deixem que eu vá.

    Era só para passar os dias de carnaval. A mãe de Ava, Estela, estava disposta a me levar. Era uma pessoa de recursos, ao contrário dos adultos da minha família, prontos e endividados de forma permanente. O fato de jamais viajarem tornava-os pouco propensos a imaginar sequer que os filhos viajassem. Foi o vovô Ambrósio afinal quem resolveu a situação, intercedendo pela neta:

    — Deixem que a menina vá, ora bolas! Vocês já conhecem a Dona Estela, ela é gente fina. A garota precisa sair um pouco desses ares poluídos do Rio...

    Vovôs às vezes ainda possuem grande ascendência sobre as famílias. Papai e mamãe cederam. Os “queridos maninhos” não cederam, odiaram a idéia, mas não detinham voz ativa. A irmã ficou indiferente, na aparência. E assim eu fui, eufórica e entusiasmada.

    No ônibus, embora sentadas lado a lado, não podíamos trocar confidências comprometedoras. Havia muita gente perto, inclusive Estela, em frente a Ava. Esta ia me contando as maravilhas do parque e eu prestava grande atenção às suas palavras:

    — Você deve aprender como se ergue uma barraca, entre outras coisas. E como tem um mínimo de conforto... lá perto tem uma vendinha, a gente pode comprar ovos e fritá-los...

    “Você pode andar descalça, mas não no mato: há cascavéis. Aliás é bom evitar atravessar o mato. E quando tomar banho no tanque, fique atenta... se o tempo muda os guardas avisam para as pessoas se colocarem em segurança. É o risco da cabeça d’água.

    — Cabeça d’água? Que coisa é essa?

    — É uma avalanche de água, que vem da montanha e pode arrastar as pessoas, matar. Ela acontece no rio tranquilo: é um fenômeno meio repentino, como o tsunami que pode atingir praias em geral tranquilas. 

    – É o poder da natureza, Ava... de Deus, enfim.

    — Pois é. Mas Deus há de nos livrar da cabeça d’água. Não precisa se assustar, tem uma boa vigilância disso.

    — Vamos tirar muitas fotos, não é?

    — Nem fale. Vamos nos esbaldar.

 

................................................................................................................

 

    Para mim a mudança de ares era maravilhosa. No parque respirava-se melhor e não havia poluição sonora. Viam-se muitos casais, crianças. O verde e cores exóticas, como a açafrão, predominavam. Havia passarinhos em linda liberdade, esquilos, terra e mato, flores e árvores... sair daquela selva de pedra do Rio de Janeiro era uma bênção. Eu me lembrava, penalizada, de uma pobre garça branca que costumava ser avistada na poluição do Rio Maracanã. Há tempo eu não a via. “A pobrezinha deve ter morrido intoxicada. Por que ela não se mudou para cá?”, pensei então.

    Naquela tarde eu e Ava demos um passeio por aqueles caminhos, conversando animadamente.

    — Quem sabe — disse de repente Ava, mudando completamente o assunto de que tratávamos — você descobre mais algum poder com a mudança de ambiente?

    — O que? Ah, eu até já havia esquecido os meus poderes...

    — Mas não se preocupe muito com isso, relaxe.

    Por alguma razão a conversa esfriou. Eu subia o caminho agora silenciosa, cabisbaixa, olhando os dedos dos próprios pés. E por alguma outra razão, porém, ergui o olhar, bem a tempo de avistar a mulher que vinha em sentido contrário, a mulher vestida de preto, que já havia encontrado antes.

    Nós nos cruzamos e trocamos olhares rápidos. A mim pareceu que a outra queria me falar; mas a presença de Ava provavelmente a inibira.

    Ava percebeu qualquer coisa.

    – O que foi, Elaine?

    — Essa mulher... eu já a vi antes.

    — Deveras? De que maneira?

    Narrei-lhe o estranho encontro de semanas atrás.     

    — Devemos tomar cuidado — observou Ava judiciosamente.

    — Mas o que você acha que pode haver?

    — Sei lá. Lembre-se de “Heroes”. Pode ser um Sylar ( *) da vida.

     - Você mesma me falou que eu não sou uma mutante, portanto não pode existir um Sylar atrás de mim.

    — Eu falei por falar. Mas se existem bruxas, tome cuidado com elas. Lembre-se de que esses cultos druídicos e outros da Europa antiga são puro paganismo.

    — Não me apavore, querida. Eu li uns contos de H.P. Lovecraft e fiquei pensando nessas histórias de maldição, de seres tenebrosos de dimensões ocultas...

    — Bom. Vamos ficar de olho, por enquanto.

    De repente eu estaquei. Passavam carros lentamente, mas não eram eles que chamavam a minha atenção de adolescente.

    Mas eu estava numa espécie de súbito transe. Os meus olhos estavam parados. Alarmada, Ava segurou-me o braço e depois sacudiu-me:

    — O que houve com você? Fale comigo, por favor!

    — Eu acho... que devemos entrar na mata.

    — Mas por que?

    — Tem alguém precisando de ajuda.

    — Você deve saber.

    — Mas as nossas pernas estão sem proteção...

    — Elaine, peça às cobras para não nos picarem. Não deu certo com os mosquitos?

    — Está bem, vamos.

    E lá fomos nós, sem ligar que umas poucas pessoas que passavam estranhassem aquela atitude. Não éramos mateiras inveteradas e entrar no mato daquele jeito éra-nos desagradável, todavia resolvi invocar meus poderes já com crescente confiança e pedi aos animais daninhos que não nos molestassem. 

    — Tem alguma idéia do que é que nós procuramos? — indagou Ava.

    — Nenhuma, só sei que vamos encontrar.

    Assim fui afastando galhos e ramos e por fim achamo-nos numa área mais aberta. Ava segurou meu braço direito:

    — Ouviu alguma coisa?

    — Um gemido.

    — É lá adiante, vamos!

    Numa nesga de terra, meio encostado a uma bananeira, achava-se um rapaz hirsuto, de bermudas e mochila de couro, com um corte na fronte e uns óculos de fundo de garrafa caídos no capim, a pouca distância. Ele se movia hesitantemente, como se começasse a despertar.

    — O que aconteceu com você? — perguntou Ava, abaixando-se.

    Em vez de responder, ele puxou para a frente sua bagagem já aberta e remexeu em papéis e objetos.

    — Ela levou... — murmurou, desanimado.

    — Quem levou o que? — indaguei.

    — Vocês quem são?

    — Estávamos só passando...

    — Por aqui?

    — Seu ferimento está feio. Você vai ter que levar pontos e depressa, antes que isso infeccione — lembrou Ava. — Vem, nós te ajudamos. Você consegue se levantar?

    — Eu acho que sim, me ajudem.

    Nós o seguramos pelas axilas e o pusemos de pé.

    — Quem foi que te feriu? — Ava estava intrigada.

    — É melhor vocês não procurarem saber, esse assunto é perigoso.

    Foi então que eu falei uma coisa que até a mim surpreendeu:

    — Eu estou pensando se você não foi agredido por uma mulher alta, magra, na verdade muito alta e muito magra, de olhos verdes, de cabelos muito pretos e compridos...

    O rapaz estremeceu.

    — Como é que você sabe disso?

    — Ela é uma bruxa, não é?

    — Mas como vocês conhecem a Frida?

    — Ah! — creio que fiz uma cara de esperta. — Então esse é o nome dela!

    — Como? Vocês não sabiam?

    — Sabemos que ela fez isso com você — disse Ava. — Como você se chama?

    — Alfredo — respondeu ele, a contragosto.

    — E para onde te levamos? Onde é o seu acampamento?

    — Eu não estou acampado, tenho um carro.

    — Mamãe já foi auxiliar de enfermagem. Vamos para o nosso acampamento, ela fará os curativos.

    — Mas caluda! – lembrei. — Não é bom envolvermos a sua mãe nisso. Afinal, parece que o nosso amigo não quer divulgar muito o que lhe aconteceu...

    — Não, pelo amor de Deus — protestou ele fracamente. — Isso não pode ser divulgado...

    Ava estacou.

    — Temos de anotar os seus telefones, endereço, internet, tudo.

    — Mas para que isso? Quem são vocês afinal?

    — Não discuta, tonto. Se não quer que os adultos saibam que a Frida te bateu e te roubou, vai ter que confiar na gente; e tenho dito.

 

* Sylar é um vilão do conhecido seriado "Heroe's", muito em voga na época desta história.

 

(O que teria Alfredo, e que a misteriosa Frida tomou dele? 

E Alfredo, quem será mesmo ele?

Na sequência Elaine torna a encontrar frente a frente a feiticeira dos olhos verdes. Que não parece estar muito satisfeita.

Em breve nesta escrivaninha:

CAPÍTULO 8

NA NOITE ESCURA)

 

imagem freepik 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 05/04/2025
Código do texto: T8302674
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.