Notas de um homem supérfluo - Parte II
Diferentemente do momento no qual escrevi as primeiras palavras destas minhas notas que, muito provavelmente, não serão lidas por ninguém, esta continuação do relato de minha vida errante em uma prosa errática acontece não após uma noite sem pregar os olhos, porém, antes, visto que são cerca de 10 horas da noite de uma sexta-feira como todos os dias da semana, sem graça e inútil.
Um pouco mais cedo, suicidando-me lentamente, fumando um cigarro atrás do outro e sorvendo alguns goles de vinho seco de má qualidade, surgiu-me alguns devaneios que, porventura, achei que poderiam ser anotados em uma dessas folhas já amareladas nas quais me propus, quando me convier, a rabiscá-las. O primeiro deles foi: será que sou, realmente, um homem supérfluo? Talvez. O que sei é que sou um ser conduzido e mergulhado ao mesmo tempo na sensação de que o vazio em tudo e em todas as ações humanas nos conduzem ao objetivo único da existência da vida em si – o Nada.
Não inventemos remédios nem teorias para interromper ou entender o ciclo natural das coisas, encontrando respostas às perguntas feitas por nós mesmos, como se fôssemos crianças que escondem um brinquedo para, logo em seguida, sair a sua procura. Se é para sermos ingênuos, como quando crianças, não sejamos, ao menos, estúpidos, como os adultos, que são felizes e radiantes porque, simplesmente, existem e cumprem suas obrigações cívicas e cotidianas.
Existo, logo adormeço! Este é o verdadeiro axioma do indivíduo moderno que busca a verdade como um sonâmbulo sucumbido à vaidade do animal homem que criou deus à sua imagem e semelhança, no mais alto grau de sua arrogância. Acredita-se senhor de si e da natureza, porém, não passa de um pedaço de carne e tripas que pensa que pensa. E eu, como eleito para pertencer a essa espécie deplorável de uma raça que reside num canto qualquer do universo, tenho as mesma características e os mesmos elementos que nos fazem naturezas vis, amedrontadas e mesquinhas.
Meus caros amigos que sonham alto, que perspectivam o futuro como a um ideal a ser conquistado e exaltado, dignos da perseverança instintiva da seleção natural, não sabem que agimos da forma mais antinatural possível. Construímos castelos ilusórios que não serão nada mais que ruínas; buscamos as alturas de árvores gigantes e acabamos perdidos em uma floresta fechada e úmida.
Adoremos, sim, a imperfeição inerente das nossas vontades mundanas. Procuremos apenas a solução dos problemas que não existem. Pra lá com toda a metafísica impalpável e insincera. Na sombra de um destino incerto e repugnante, descanso à espera de um sono contemplativo e irreal, como toda a realidade que me cerca, que é tudo, menos verdadeira.