Notas de um homem supérfluo - Parte I

Escrevo essas palavras frias e cortantes, apenas para mim mesmo, após mais uma noite sem conseguir dormir. São exatamente 4:44 da madrugada. Foi dito em algum filme que a noite é sempre mais sombria pouco antes do amanhecer e, pelo visto, o roteirista estava certo. Não bastasse o mundo completamente distorcido no interior da minha alma cor de chumbo, pela janela aberta na qual me encontro de fronte e que parece um portal pelo qual vejo uma escuridão igualmente sinistra, o mundo também se mostra de certa forma distorcido. Tudo aquilo que consideramos vida, não parece existir neste momento. Dentro do meu ser, uma apatia letárgica que me impede de ao menos adormecer uns poucos instantes que poderiam servir de descanso ou fuga; lá fora, o silêncio sepulcral, sem sequer um zumbido ou farfalhar de algum inseto, também dá uma impressão fúnebre que entre ambos os lados desse fenômeno existencial e psíquico me encontro no limiar, decifrando e também distorcendo toda realidade que absorvo e falsifico.

Os segundos passam cada vez mais devagar, como se o tempo estivesse quase parando. A pouca alegria que me restou se esvai pouco a pouco, de gota a gota, escorrendo pelo ralo encardido de angústia que desaguará em um esgoto negro e podre de um córrego qualquer a céu aberto. Já pensei que o nome disso fosse apenas tédio o que se instalou em mim como um parasita infectuoso, mas é muito mais que isso. Mergulhado em meus próprios pensamentos, vagando por um labirinto mental sem fim, busco respostas que se esquivam a cada passo. A solidão, antes companheira indesejada, agora se torna confidente fiel, testemunha muda do meu desassossego que, mais um pouco, tornar-se-á desespero.

Ah, como eu gostaria que esse desabafo fosse apenas um relato de um personagem dramático de algum conto ou novela, mas esse sou eu, pensamentos e sentimentos corrosivos de um homem de carne e osso, real e falso ao mesmo tempo, contando mentiras sinceras que não sei se, para minha sobrevivência, devo acreditar.

Os primeiros raios de luz já começam a aparecer no horizonte. A claridade que entra aos poucos no meu quarto, em vez de trazer uma sensação inversa do que estou sentindo, só aumentam a aflição do meu estado de espírito. As paredes do quarto se fecham sobre mim, sufocando-me a cada respiração.

Quando criança, ao dormir, tinha belos sonhos, viajava por universos fantásticos e coloridos. Hoje, os pesadelos mais aterrorizantes me encontram sob o estado de vigília, sou perseguido por sombras que se materializam de meus próprios medos. Lamentar-se através da escrita é o meio que achei para continuar suportando essa vida cada vez mais opaca que se me apresenta.

Por ora, termina por aqui meu primeiro relato. Caso eu ainda esteja aqui, quem sabe volto a escrever estas notas de um homem supérfluo. Por ironia do destino, neste exato momento, pousa no galho da árvore do meu quintal um lindo e encantador passarinho, contrastando a tudo isso que foi ilustrado pelas minhas palavras sem forma e sem vida. Acho que é um sinal para se ter esperança.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 11/12/2024
Reeditado em 16/12/2024
Código do texto: T8216972
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