O DERROTADO - Capítulo 3: linhas cruzadas

Diferente do que o vulgo imagina, o sucesso de um advogado não é medido em relação ao seu conhecimento jurídico, muito menos ao número de causas ganhas (é o relógio que ele usa a prova inexorável). Quanto mais caro e vistoso, maior a competência.

Pelo menos era isso o que Nogueira, homem afiado pela vida, dizia a seus associados quando discordavam de suas ordens.

- Se eu quisesse aplicar a lei, tinha perdido a minha vida enquanto embolorava num quarto estudando para ser delegado igual ao Pacheco – e acrescentava ao acender o charuto: - Não interessa a minha opinião sobre justiça ou bem comum; sou pago para empurrar a vontade do cliente. Se não é ilícito, pouco importa qual seja; se é antiético, então os honorários serão triplicados para anestesiar as mordidas da consciência. Nunca se esqueça disso: se o advogado particular faz justiça, nunca ficará de barriga cheia.

Nogueira não era criminoso. Quase não violava a ética profissional. Amoral é o melhor adjetivo que o qualificava. Iniciado na velha escola da advocacia, que era a escola da sobrevivência humana em sociedade, focou mais em entender as relações e sentimentos humanos do que a fria lógica jurídica. O advogado sabia que o processo é a capa vermelha do toureiro, o que importava estava escondido.

- A Justiça usa fio-dental preto e plugue no ouvido. Seus olhos não estão vendados e sempre olha quem está sentando em sua balança.

***

Pacheco depois que se identificou na portaria do prédio, furiosamente tentava acender o seu cigarro molhado. O porteiro, homem velho e envergado feito bambu seco, assim que colocou o interfone no gancho disse: - Doutor, o patrão mandou esperar e subir junto com o advogado que está pra chegar.

O delegado assentiu com a cabeça. Agora tentava mais ainda acender o cigarro. “Porcaria de isqueiro. Só isso mesmo posso esperar do preço que paguei”.

***

Mas o discurso de Nogueira tinha sido interrompido pelo toque do telefone.

- Aonde você está, Almeida? No apartamento? Mas por que chamou o Pacheco aí?

Enquanto teve o ouvido alugado por uma longa história, o advogado baforava poderosas bolas de fumaça no ar, quase que se escondendo nelas.

- Puta que pariu, Almeida, justo o Pacheco? Já prepara o bolso que não vai sair barato. Não, eu mesmo vou aí.