O DERROTADO - Capítulo 2: o tempo é irreversível
Vitória era a imagem de mulher quando alguém pensava no conceito que a palavra evocava. E como a maioria das mulheres, vivia cindida entre o que a sociedade lhe impunha e o que o seu coração desejava. Nesses casos de equilibrismo existencial, entre o ser e o parecer, Vitória não escaparia da queda caso descobrissem o seu segredo: estava apaixonada por uma aluna.
No início, sentiu um carinho diferente quando passou a dar mais atenção à adolescente depois das aulas, que desejava reforçar algumas dificuldades com o fim de ser admitida em alguma faculdade. O tempo que passaram juntas gerou admiração mútua; a professora por causa do esforço juvenil, e a aluna em ser um centro de atenção. Foi num dia em Vitória entregava a aluna na casa dela que a adolescente beijou sua boca, e disse: - O meu mundo se tornou você.
Enquanto dirigia para a casa, Vitória não se continha de felicidade; cantava, dançava durante o engarrafamento, sentindo em seu peito um impulso de viver que tinha esquecido existir depois de alguns anos casada com Almeida. Mas ao olhar o brilho da aliança em sua mão esquerda no volante, lembrou-se da sua idade, e de que era esposa.
Depois desse acontecimento Vitória passou a evitar a aluna, ao custo de o seu peito rasgar em sofrimento. As aulas de reforços eram adiadas. Certo dia, porém, em que não podia negar o reforço, ouviu a adolescente chorar. Vitória levantou-se da mesa e foi até carteira da aluna: - Melissa, eu amo você, mas...
- Não! Não me importo com nada. Só quero ser feliz, e com você!
- Você não sabe o que está dizendo.
- Como não? Da mesma forma que sinto dor quando eu caio, eu sei que viver do seu lado me fará feliz.
Nesse momento Vitória segurou algumas lágrimas, abaixou-se e, tomando o rosto de Melissa nas mãos, beijou-lhe a testa.
- Me desculpa por causar esse sentimento. Vá até minha casa hoje, iremos nos encontrar no prédio ao lado, às vinte horas.
***
Duas horas antes de Pacheco encontrar o cadáver de Vitória, ele estava em sua sala na delegacia redigindo um relatório.
Eram vinte e duas horas.
A cadeira do delegado ficava entre a janela e a mesa entulhada de papel e cinza de cigarro; do lado direito havia um arquivo de metal, seguido por uma prateira de livros; na frente da mesa ficavam duas cadeiras, de madeira e sebosas; no lado esquerdo, encostado na parede, um sofá marrom estourado no braço; atrás da porta pendurava o casaco e o chapéu. As paredes eram brancas, com manchas de bolor em alguns lugares; sobre o sofá havia um mapa da cidade; e uma luz mortiça iluminava mal o lugar.
Toca o telefone. - Alô? – atende a voz grossa de Pacheco.
- Doutor, Almeida na linha.
- Diga que estou ocupado.
- Ele insiste, senhor.
- Do que se trata?
- Não adiantou, mas insinuou ser de seu interesse particular...
“Espero que não seja um favor”. - Transfira.
Pacheco atendeu o telefone. Enquanto falava, sua voz pouco se alterou, e uma ou duas vezes a sobrancelha se levantou. Assim que colocou o telefone no gancho, foi chamado no rádio sobre um corpo de mulher loira num vestido branco.
A noite prometia ser longa.