O DERROTADO - Capítulo 1: uma ligação
Era noite e chovia.
As luzes das viaturas policiais, estacionadas em ângulo oblíquo na rua, fatiavam a água que caía de um céu denso. Ventava. Os postes pareciam cabeças de fósforo acesas por detrás de um vidro opaco. Um rastro de sangue diluído vinha de uma mulher loira estirada na calçada e desaparecia no bueiro, como duma lata que escorre tinta depois de cair no chão. Os prédios em envolta dormiam.
O delegado Pacheco, de chapéu fedora e cigarro apagado na boca, atravessou o cordão de isolamento e parou próximo ao corpo. Dois tiros no coração sob um vestido branco. “Pra quê sonhos se não há vida pra vivê-los?”. Próximo à cabeça estava um legista usando uma capa de chuva amarela. Dois policiais protegiam a cena.
- Vitória, professora, trinta e cinco anos, cerca de um metro e sessenta – disse o legista a Pacheco sem levantar a cabeça. – Provável hora da morte: vinte e duas horas.
- Sinal de roubo ou luta?
- Não. Carteira encontrada com a vítima. Mas tem algo na mão esquerda fechada.
- Qual o calibre do disparo?
- Ponto quarenta.
- Sem testemunhas?
- Até agora, nada. A patrulha comunicou a ocorrência.
Pacheco olhou os prédios procurando uma câmera. Disse ao legista: - Área residencial. Por causa da proteção à privacidade, não há filmadoras de vigilância.
- E com essa chuva quem conseguisse realizar o retrato falado da autoria mereceria um prêmio.
- Temos algum suspeito?
- O marido. Está no prédio ao lado.
“Isso seria coincidência?” - Por quê?
- A delegacia registrou uma ligação dele... E há uma arma registrada em seu nome com o mesmo calibre.
- Obrigado.
Pacheco contornou o cadáver e andou até a entrada do prédio ao lado.