O FANTASMA DO APITO, capítulo 4: O som do apito
CAPÍTULO 4
O SOM DO APITO
No ato anterior vimos a atuação dinâmica de Irina Danowski, detetive da Polícia de Investigação, no estranho assassinato de Tiago, aluno do Colégio Modelo que brigara na véspera com Carol, Andréia e Fátima - a garota morena, a garota negra e a garota loura.
Irina porém parece saber mais do que aparenta em relação ao assunto. Entretanto, ela repeliu qualquer acusação contra as três jovens ali recém chegadas.
Irina dispensou as garotas, que se afastaram pensando nos dias que restavam para o início do ano letivo. Dias difíceis, pelo jeito, já que elas estavam marcadas e não teriam aulas para distrair.
O Detetive Alcides Rozemberg aproximou-se da chefe:
- O que elas têm de especial para você se ocupar tanto com elas?
- O que elas têm de especial?
- Fora a beleza, é claro, mas isso não deve te interessar – ironizou Roger Maldonado.
- Eu diria que elas têm um dom especial para se meterem em encrencas, mas não é culpa delas. Suponho que os exames de laboratório já estão em andamento, portanto vamos continuar com a investigação de campo.
- Há quantas horas você não dorme? – indagou Roger, bocejando.
- Ih, nem me lembro. Vamos na cantina tomar um café para despertar, se vocês quiserem comer alguma coisa, que eu já comi...
- E que faremos em seguida? – indagou Alcides.
- Vamos localizar Aristeu Virgolino, que a atitude dele me parece muito suspeita.
“Não posso, é claro, dizer a eles que clarividentes como eu resistem melhor ao sono. Por isso às vezes devo lhes parecer pouco humana, varando dias e noites em missões sem ficar caidaça como eles próprios ficam...”
Localizaram o seu Aristeu numa alfaiataria da faculdade, onde costumava ajudar o alfaiate quando não tinha outras coisas a fazer. Era num pequeno anexo do pavilhão masculino, e o interior estava cheio de roupas espalhadas por balcões e pelo chão.
Com um par de grossas lentes, Aristeu ocupava-se em pregar botões numa camisa social, e mal olhou para os recém-chegados.
- O senhor é Aristeu Virgolino?
- Sou eu sim, porque?
- Gostaria que me acompanhasse ao gabinete da adjunta, pois tenho umas perguntas a fazer. Sou Irina Danowsky, capitã-detetive da Polícia de Investigação.
Aristeu volveu o olhar para o alfaiate:
- Bruno, pode avisar ao gajo que a sua camisa está pronta.
- O SENHOR ME OUVIU? – disse Irina.
- Ouvi, mas peça a um colega seu para fazer o serviço. Eu não aceito ser interrogado por uma mulher.
- O QUE DISSE?
- A senhora me ouviu.
- Aristeu, é fria... – começou Bruno, mas não pôde prosseguir. Irina avançou e se pôs na frente do homem.
- Pois bem, se põe a questão dessa maneira... podem algemá-lo.
Roger e Alcides avançaram.
- Esperem! Não podem fazer isso comigo! Eu não fiz nada!
- Desacatou uma policial no exercício de sua função – respondeu Alcides. – Vai ser preso em flagrante! E não resista!
Irina fez um sinal para que esperassem.
- E aí? Vai aceitar que eu o interrogue?
- Bom... se não há outro jeito... eu não estou acostumado com isso...
- Como me interessa mais interrogá-lo do que prendê-lo, deixarei passar por esta vez. Mas aconselho-o a se atualizar e abandonar seus preconceitos. Não cheguei a capitã por incompetência e não permito que um mal-educado qualquer me esnobe. Fui clara?
Ele só fez que sim com a cabeça.
- Vamos! – comandou Irina com autoridade.
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Só que Eduarda não via com bons olhos a utilização da sua sala, onde trabalhavam várias funcionárias, como gabinete de interrogatório.
- Isso é uma injunção muito incômoda – queixou-se. – A senhora não tem outro local para exercer a sua função detetivesca?
“Eu queria saber – monologou Irina em pensamento – porque as pessoas daqui costumam ser tão grossas.”
- Quando você tiver algum lugar melhor para me oferecer, eu agradecerei.
“E vamos ao que interessa. Senhor Aristeu, eu quero saber de sua parte em que consistiu o incidente que envolveu o senhor e três jovenzinhas recém-chegadas a este estabelecimento...
- Incidente? Não houve incidente nenhum!
- Na suposição de que não há certeza de que o senhor saiba o que é um incidente, eu quero recordá-lo de que ontem, por volta das sete e pouco da noite, em meio à tempestade que então ocorria, o senhor bateu boca com as três pessoas em questão, Carol Rowina, Andréia Ganzarolli e Fátima de Aquino Montese. Quero que o senhor me dê a versão do que realmente ocorreu.
Ele se agitava numa poltrona, os olhos revirando em várias direções, revelando muita motilidade da córnea.
- Eu me aborreci com elas, sem dúvidas... a senhora compreende, eu não estou acostumado com essas filhinhas de papai da cidade grande, atrevidas por natureza, que pensam que têm o rei na barriga só por causa da conta bancária de papai e mamãe...
- Por favor, seja objetivo. O que é que aconteceu, que provocou a sua ira?
- Eu estava no pátio, observando, como outras pessoas faziam, aquele temporal uivante todo, quando todos nós escutamos um som agudo e persistente, de um apito ao longe mas que vinha se aproximando. E só podia vir do bondinho, por isso fiquei indignado com o atrevimento das três molecas, que assim chegavam já fazendo mazorca...
- E aí o senhor as acusou de tocarem o apito?
- É claro! E o mais grave de tudo é que elas negaram ter apitado e ainda por cima me fizeram ameaças, e negaram-se a ser revistadas!
- O senhor tem autorização para revistar estudantes do sexo feminino ou de qualquer sexo?
- E aquela era hora de pensar em autorização? Eu não podia deixar ficar como estava! A disciplina...
- Senhor Aristeu, o senhor tem ou não tem autorização, da parte da diretoria, de revistar meninas?
A diretora-adjunta olhou feio para aquele homem, mas Alcides e Roger fizeram sinal para que não interferisse.
- Autorização propriamente eu não tenho, mas, puxa... precisava?
- Isso é demais! – exclamou enfim Eduarda, já não se contendo. – Aristeu, como pode dar uma gafe dessas? Porque não chamou uma das inspetoras para a revista?
- A senhora me desculpe...
Irina já estava agastada com tudo aquilo.
- Ora, vamos! Nem mesmo uma inspetora teria o direito de fazer isso! Além do mais isso tudo não faz sentido! Pelo que eu entendo, o senhor nem deu uma chance a elas de se defenderem. Eu já fiz a viagem no funicular e constatei que seria improvável que o som do apito partisse dele.
- Irina – interrompeu Roger – numa boa hermenêutica, é relevante investigar essa droga de apito? Que é que isso tem a ver com o crime?
- É o que nós iremos descobrir, se me deixarem – respondeu ela secamente.
- Bom, eu já posso ir? – disse o Aristeu, enervado.
- Não pode, não. O senhor vai comigo até o pátio e me mostra em que posição estava na hora em que ouviu o apito. Depois pode ir fazer as suas costuras.
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O local de chegada do bondinho descortinava uma esplêndida vista da esplanada e da mata que rodeava a faculdade e suas terras anexas. Com o cabelo sacudido pelo vento de chuva, Irina percebeu que aquela noite seria de mais tempestade.
- Eu tinha certeza – dizia Aristeu – que o som não vinha do pátio, de nenhuma pessoa perto de mim. De onde mais poderia vir, senão do trenzinho? É só usar a lógica! As três diabinhas ... uma delas tocava o apito!
Irina olhou penetrantemente para Aristeu, mas nada viu além da visão normal... nada intuiu. Era como se estivesse olhando para o vazio, para um zero à esquerda...
E nesse momento ouviu-se um som agudo vindo lá de baixo. Do espesso bosque.
- Então – disse ela triunfante, diante do funcionário que empalidecia – só poderia ter vindo do trenzinho? Ele passa dentro do bosque?
(No momento parece que a situação só complica. Quem pode estar tocando esse apito misterioso e com que finalidade? O que fará Irina agora? O caso vai se revelar mais perigoso do que já está! O que explica o cerco contra três colegiais no início da idade adulta que acabam de chegar no colégio?
Veremos agora como Irina tenta cercar a misteriosa pessoa que toca o apito.
Brevemente:
CAPÍTULO 5
O BOSQUE)
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