memórias III
Estou muito confusa. Chego a duvidar de minha sanidade mental. As sessões de terapia pouco ajudam. O neurologista diz que estou em observação, sou o primeiro paciente submetido a um enxerto no cérebro. Meu caso é tema de artigos em revistas especializadas, conferências e simpósios. Felizmente a imprensa me ignora. Sinto-me cobaia de um experimento científico.
Reconheço minha casa, a decoração, o jardim e os vizinhos. Com a ajuda do celular, consegui identificar parentes, amigos e conhecidos. Na porta da geladeira estão os adesivos dos fornecedores - padaria, açougue, farmácia e hortifruti.
Meu cabelo está crescendo, passou por um corte drástico devido a cirurgia. Estão grisalhos.
Penso que eram de outra cor.
Estranho um pouco o sabor dos alimentos, bebi uma taça de vinho branco delicioso - uma novidade. Provei um bombom e não gostei.
Resolvi dar uma arrumada na estante de livros e encontrei uma agenda antiga, com várias anotações. Talvez me ajude a recompor fases do meu passado. Todavia, o passado do doador interfere na leitura, um constante o assédio.
Assustou-me a ideia de ter adquirido dupla personalidade.
continua
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