A Cruzada de Catarina, capítulo 8: Mascarada

 

CAPÍTULO 8

 

 

MASCARADA

 

(No capítulo 7 acompanhamos as investigações de Catarina sobre os relacionamentos do Barão Homer Nightgale, em busca de algum ponto fraco. Ela aborda um casal amigo de Homer e consegue descobrir que um quadro dele foi pintado justamente pelo feiticeiro Lúpus. 

No presente capítulo veremos como Catarina, Lena e Márcio penetram numa festa a fantasia na residência de uma "socialite" e onde Homer se fez presente. Porém a situação se complicará muito quando Homer descobre a presença do trio, sem falar na estranha aparição de uma mulher mascarada que causa profunda impressão em Cathy. Quem será esta pessoa?)

 

 

Márcio estava desempregado, mas vivia bem graças à mesada que os pais lhe davam. Gostava de morar sozinho. Isso porém tinha a ver com um tipo de vida que o levara ao ponto crítico e Catarina resolveu que era hora de encarar esse assunto. Observando pela janela a tarde paulista Cathy sentiu a zona de baixa pressão que se formava, sob os cumulonimbos que prenunciavam próxima tempestade.

Voltou-se para os dois que, por alguns instantes, haviam-se sentado no mesmo sofá, com as mãos dadas.

— Márcio, você deve sair daquele apartamento.

— Hein? Por que, Catarina?

— Volte para a casa dos seus pais. Você saiu de lá por razões frívolas.

— Mas eu já lhe expliquei...

— Oh, não! Não quero saber. Isso tudo foi antes de Lena, agora você é outro homem e terá de ser digno dela, que é minha amiga e eu não deixarei que a magoe. Você está desempregado e não é justo que onere os seus pais desse jeito, obrigando-os a bancar um apartamento caro e uma vida cara para você, com direito a carro, celular e Cosmonet.

— É isso mesmo, amor! – exclamou Lena. – Ela falou tudo o que eu queria falar. Entregue esse apartamento, volte para os seus pais.

— Eu gosto de ser independente...

— Então você não vai se casar comigo. Como vai manter a sua independência, casado?

Cathy aproximou-se de Márcio e encarou-o:

— Todo rapaz tem o direito de ser independente, mas não de ser irresponsável. Pode morar sozinho, mas não à custa dos pais. Eu investiguei: eles não estão assim tão bem de situação financeira. Você se uniu a nós para combater o mal; não pode agora você próprio fazer o mal. Tem de ser reto, honesto e continente. Se você quer casar com uma garota honesta e maravilhosa como a Lena, seja digno dela. Arranje logo um emprego e deixe esse apartamento consumista.

Márcio estava perplexo com a franqueza de Cathy, franqueza que poucas pessoas ousam. Por fim balbuciou:

— Minha consciência às vezes diz isso... vocês têm razão.

Cathy sorriu:

— Sei que está sendo sincero. Conto com você, Márcio. Você vai endireitar a sua vida de vez. Temos de estar bastante espiritualizados se quisermos combater Homer... e talvez o próprio Lúpus.

 

 

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Depois que eles se foram Cathy pôs-se diante do computador, buscando descobrir mais coisas sobre Lúpus. Tentava organizar o seu espírito para discernir se a existência do mago negro seria relevante naquele momento. O mal que Lúpus fizera já estava feito, e fôra Homer quem o procurara. Em princípio Cathy não queria desdobrar o seu combate. A voz interior lhe ordenara combater Homer, não Lúpus. E era pouco provável que Lúpus se importasse com a sorte de Homer. Assim, aquela última investigação, feita pessoalmente era mais um desencargo de consciência.

Dessa maneira ela ficou sabendo de um pouco das crenças dos Antiguistas. Eles eram adoradores de seres demoníacos que num passado remotíssimo possuíam muito poder sobre o universo. Ou, pelo menos, assim acreditavam. Perplexa, Cathy coligiu dados sobre os rituais macabros flagrados na selva da Flórida e em outros locais remotos do mundo, inclusive Amazônia. Parecia que a maldade do universo de algum modo se filtrava pelos subterrâneos da humanidade, em cultos secretos, horrendos e antiquissimos.

Mas, que adiantava ficar esquadrinhando as crenças de Lúpus? O que ela queria, um meio de jugular Homer, não estava ali.

Resolveu acessar as colunas sociais e aí sim, encontrou uma pista importante: a Duquesa Ana Éden, tida como uma das amantes de Homer, daria um baile de máscara no dia 31 de março, um sábado.

“Um baile de máscara! Ótima oportunidade para me aproximar dele sem ser notada... tentar saber o que ele está planejando.”

Mesmo com disfarces, como infiltrar três penetras na festa? Cathy começou a bolar um plano.

 

 

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Mensagens de Homer a Márcio e a Lena haviam ficado sem resposta. Homer porém colocara um inescrupuloso investigador particular, Patrício Valadão, na pista deles, e o mesmo descobrira que ambos agora eram namorados e andavam em companhia de Catarina.

É claro que, diante disso, eles seriam vetados em qualquer festa ou cerimônia organizada por Homer ou onde ele dispusesse de suficiente influência. E isso incluía a Duquesa Ana, estudiosa das ruínas de Tihauanaco mas nem por isso menos frívola nas relações sociais.

Cathy examinara a geografia da Mansão Éden, na Avenida Orquídea Negra, próxima ao Viaduto do Chá. E chegara à conclusão de que havia uma entrada possível:

— Vejam a planta que eu fiz – mostrou ela. – Esse portão de ferro, ao sul, provavelmente fica fechado a cadeado quase todo o tempo, é mais ornamental. Se entrarmos por ele e circularmos logo pelas alamedas de mangueiras e aveleiras, temos grande chance de passarmos desapercebidos.

— E o que faremos na festa? – Lena estava temerosa.

— Pegaremos todos os indícios. Temos de localizar o barão, ver e ouvir tudo o que for possível dele.

— Você tem certeza de que poderemos entrar? – a dúvida era de Márcio.

— Já disse, o meu anjo abrirá o portão.

— Mas e os alarmas?

— Francamente, Márcio! Você acha que um anjo vai deixar furo?

— É que... isso é tão estranho...

— Estranho ou não, é o que vai acontecer. Vamos pensar em outro problema: nossa aparência. Eu irei de Arlequim. Márcio, você pode ser o Zorro. E você, Lena, que tal uma caveirinha?

 

 

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— Ai, Cathy! Que vontade de tirar os sapatos!

— Isso vai ter que esperar, Lena. Já estamos chegando.

— Essa sua idéia de andar a pé dois quilômetros...

— Também detestei – disse Márcio. – E nem está frio...

— Nossas roupas são de algodina, portanto não esquentam tanto...

Com medo de que o carro fosse seguido por capangas de Homer – não faltavam mensagens de ameaça na sua caixa postal – Catarina optara pela jornada a pé. Só o anjo não se cansaria, é claro. Ao chegarem, já protegidos pelas sombras da noite, Cathy pediu ao invisível que lhes mostrasse a melhor hora para passar. Conversavam os três junto a um poste, sem chamar atenção em demasia, pois só então colocaram os acessórios e as festas a fantasia da duquesa eram conhecidas.

A um sinal do anjo – silhueta de luz de feições humanas, que só ela enxergava (Frei Jiri dissera-lhe que era um “principado”) — Cathy afastou-se do meio-fio, tocou o portão e empurrou-o. Os três penetras introduziram-se no jardim e cerraram o portão atrás de si.

— Vamos permanecer juntos – sussurrou Cathy – e tentar localizar Homer. E não esqueçam de nossas falsas identidades... e de evitar a condessa e o seu mordomo!

Eles tinham a lista oficial de convidados.

Foram caminhando pelas alamedas, cujas sombras davam medo àquela hora da noite. Até cactos gigantescos ali existiam, bem como diversas árvores volumosas, inclusive figueiras. Papoulas marcianas e pequenos pinheiros se alternavam com canteiros de margaridas e diversas cercas vivas, num labirinto vegetal e, aos poucos, o trio foi passando por outros convivas. Cruzaram com um que usava cabeça de chacal: Anúbis, explicou Cathy: uma divindade egípcia.

Cathy chegou finalmente a um dos portões e, seguida pelo casal de braço dado, entrou num salão fartamente iluminado, cheio de aranhas luxuosíssimas.

— Afinal quem é esse Anúbis? – indagou Lena.

— Ele representa a morte... como você, aliás.

Um garçom aproximou-se do trio, com uns drinques e salgados. Eles pegaram apenas empadas de legumes (Cathy recomendara que não tomassem bebidas alcoólicas) e Catarina aproveitou a deixa:

— Diga-me: o Barão Homer Nightgale não está na festa?

— Está, sim senhora, vestido de Spirit.

— OK, muito obrigada.

Foram circulando, animados pela descoberta, e reparando nas exóticas fantasias da festa. Viram uma Batgirl, um Homem-Aranha, uma Sailor Vênus, um Tuxedo Kamen, um Bil Torpedo, além de uma variada fauna de máscaras completas (macaco, urso, pé-grande etc.). Passaram por um excessivamente gordo Paladino Galático.

— Herberto Macedo teria uma coisa se visse essa versão do seu personagem... ele ainda é vivo, não é? – falou Márcio.

— Está com mais de oitenta anos – esclareceu Lena.

Encontravam-se no grande salão de baile quando a orquestra começou a tocar “Assim falava Zaratustra”, de Richard Straus – naquela época, um dos temas favoritos para as danças. Márcio, que não esquecia estar com a namorada, sentia vontade de namorar mesmo naquela circunstância e convidou Lena. Esta olhou para Cathy, cuja cara, sem a máscara, diria: “Mas isso é hora de dançar?”

— Assim nós disfarçamos – sussurrou Márcio.

— Mas você... dançará com quem? – perguntou Lena.

— Não se preocupe comigo, vá dançar.

Tocaram no ombro de Cathy. Ela se voltou e deparou com Anúbis.

— Permite-me?

— É claro. Vamos.

Começaram a dançar em meio às feéricas luzes, Cathy sentindo crescer dentro de si a preocupação. Ainda não avistara o Spirit.

— Posso saber o seu nome? – indagou o mascarado. – Parece-me que é muito bonita por trás dessa máscara.

— Obrigada. Mas diga primeiro o seu nome, como um cavalheiro.

Ele pareceu pego de surpresa:

— Chamo-me Patrício – respondeu ele. – Agora diga-me o seu nome.

— Helena.

— É um bonito nome também. É uma amiga do Barão Homer, pois não?

— Sim... como é que soube?

— Conheço várias de suas amigas... você certamente é a modelo, não é?

Um sinal de alarma começou a soar no encéfalo de Catarina.

— Desculpe-me... acho que estou com um pouco de alergia. Tenho que tomar ar!

A afirmação não era totalmente mentirosa, tendo em vista o mau hálito de seu interlocutor. Cathy desembaraçou-se dele e pôs-se a caminhar pelo salão, procurando os seus amigos ou o Spirit, com uma alarmante sensação de fracasso iminente.

Conseguiu encontrar Márcio e Lena e interrompeu a sua dança:

— Vamos parar de dançar e procurar pelo Spirit. Desconfio que podemos ter chamado atenção.

LENA – Mas o que houve?

— Cuidado com o sujeito disfarçado de Anúbis. Qualquer coisa me diz que ele não merece confiança.

Voltou-se rapidamente – e esbarrou numa figura alta, firme como uma rocha, e já entrevista antes: a Batgirl.

— Por que não olha por onde anda? – o comentário foi seco.

— Me desculpe. Não a tinha visto.

— Eu devo ser muito pequena.

A rispidez da mascarada, com as mãos nos bolsos e os lábios apertados até para falar, de alguma forma passou despercebida por Catarina. Tudo o que ela percebia, numa paralisia de perplexidade, era uma espécie de sinal interior, um sentido oculto que a avisava de qualquer coisa que fugia à normalidade: há sete anos ela não experimentava nada parecido.

“Ela não é uma pessoa comum. Há alguma coisa incrível nela. Quem é ela?”

Lena puxou pelo braço da amiga:

— Vamos embora, Cathy. Deixe essa grosseira aí.

Mas, mesmo ao ser puxada, Cathy voltava repetidamente a olhar para a mascarada, que ficara a observá-la.

— O que há com você, Cathy? – perguntou Márcio, impaciente. – O que você viu nela?

— Eu quisera saber... Lena, por que me chamou de Cathy?

— Eu esqueci, desculpe. Vamos atrás do Homer.

Numa outra sala avistaram alguém que, à distância, poderia ser o procurado: paletó e mascara. Mas não era Homer: era magro e maduro. Então, por trás de um robô-garçom, surgiu uma figura conhecida que fez sinal a eles: o Anúbis.

— Sim? – Cathy esperava o pior.

— O Sr. Homer Nightgale deseja vê-la e aos seus dois amigos... neste aposento aqui ao lado.

Eles se entreolharam e foram. O que mais a fazer?

Penetraram numa saleta de reunião. Um palhaço se ergueu e retirou a máscara facial.

Os três, perplexos, fitaram Homer Nightgale.

— E aí estão os Três Patetas – disse ele, sardônico. — Catarina Freitas e seus dois pupilos. O que querem, afinal? Não possuem convites.

Cathy retirou a máscara e encarou o seu inimigo, que tinha quatro seguranças a ladeá-lo, sem falar em Patrício.

— Julguei que estivesse de Spirit.

— Mudei minha fantasia quando soube que procurava por mim, querida. Diga aos seus amigos para tirarem as máscaras!

— Não – gritou Márcio. – Não tem o direito!

— Estou de bom humor, mas não estou brincando. Eu posso não ser o dono da casa, mas a duquesa me deu carta branca ao saber que estou sendo perseguido por chantagistas. Vocês pensam que podem penetrar furtivamente nas residências sem serem percebidos... mas existem sistemas de observação, e eu já esperava que vocês tentassem alguma coisa... num baile de máscaras.

E ele riu.

— Tirem as máscaras, já disse!

— Façam o que ele mandou – disse Catarina.

LENA – Acho que caímos numa armadilha...

CATHY – Que pretende agora, Barão Homer Nightgale? As queixas que eu tenho contra o senhor são reais e objetivas. Se nos processar, teremos o que dizer.

— Não vou desperdiçar o meu tempo com vocês. Esse nosso encontro está sendo filmado para qualquer eventualidade. Agora vocês serão escoltados para fora daqui, depois que tirarem as suas fantasias, que nós confiscaremos.

— Nós pagamos por elas! – protestou Lena.

Cathy pegou a sua mão, para acalmá-la.

— Deixa, Lena. Isso é o menos.

Depois que eles saíram Homer observou a Patrício Valadão, o detetive:

— Vá só até em frente... quando os liberarem na rua, você volta.

— Prefere realmente assim, Barão Homer? Não seria preferível enredá-los nos tribunais?

— Neste caso, não. Eu iria me aborrecer... é mais limpo resolver isso sumariamente... quando se afastarem da mansão.

 

(Colocado em posição vantajosa Homer se aproveita e suas intenções em relação ao trio parecem ser as piores possíveis. Mas quem é a mulher de máscara, afinal?

Não perca em breve o próximo episódio:

CAPÍTULO 9

ANDRÔMEDA ENTRA EM CENA)

 

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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 20/07/2024
Código do texto: T8110670
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