A Cruzada de Catarina, capítulo 5: O resgate
No capítulo anterior vimos como Homer Nightgale, perturbado pela reaparição de Catarina em sua vida, e agora tendo a proteção de um anjo contra assédios sexuais, examinou o quadro que lhe garante juventude perpétua e resolveu procurar de novo o feiticeiro Lúpus, cujo paradeiro desconhecia. Agora veremos como Cathy, acompanhada por sua nova amiga Lena, prossegue em sua busca por vítimas de Homer e localiza um rapaz por ele ludibriado sexualmente.
Veja – disse Cathy. – Temos uma boa vista daqui.
— Eu sei. Eu gosto de São Paulo, mas eu sou do Paraná. Dizem que essa cidade foi super-poluída, antes que inaugurassem o Ox...
— Eu já vi documentários a respeito. Até gravei num deles.
— Você?
— Eu sou locutora da Cosmonet, Lena. Tenho que ganhar a vida de algum jeito, não é? E você, o que faz?
— Sou professora universitária. Oh, pareço muito jovem, não é? Mas estou no começo da minha carreira.
— Está bem. Vamos até a copa tomar qualquer coisa e vamos conversar, para não perder tempo. Fechei todos os meus acessos para não ser incomodada.
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— Afinal como você se envolveu com esse homem?
— Eu diria que foi olhando nos olhos dele. Ele é... como direi... quase hipnótico. É difícil para uma mulher dizer “não” a ele.
— Tolices. Eu nunca me deixei influenciar por ele. Nem mesmo quando tinha doze anos.
— Você é você. Para a maioria de nós, com o tipo de educação que a mulher recebe (ou seja, o objetivo da vida é encontrar um homem que lhe dê segurança material), há muita vulnerabilidade diante de um homem desses. Bonito, forte, rico, inteligente, culto, bem relacionado na sociedade...
— E você só lhe viu os pontos positivos, Lena?
— Olhe, nessas rodas que ele frequenta... nessas festas... às vezes nós escutamos alguma coisa a boca pequena. Ele tem um tipo meio afeminado, de Apolo, mas mesmo assim passa por ser um garanhão.
— E os suicídios?
— Que diz? Fala de algum suicídio de gente da roda...
— Por exemplo, Alfredo Tirol, de 23 anos...
— Eu cheguei a conhecê-lo.
— Há quanto tempo você conhece Homer?
— Há seis meses... entenda, meus pais gostam desse meio e me introduziram. Geralmente ele tem namorada, mas não dura muito com nenhuma. Ele ainda não tinha me “cantado”, como hoje.
— Já é ontem, Lena.
— Pois é. Eu sempre suspirei por ele, mas não estava preparada para o que ele queria... você entende? Antes de entregar meu corpo a um homem eu queria conhecê-lo melhor, passear, ir ao cinema, conversar, ir à praia ou à piscina com ele... ganhar confiança. Eu não sou virgem, e já me decepcionei com dois namorados. Queria ser mais cuidadosa... mas ele é fascinante, e ainda por cima me embriagou. Eu ia me entregar a ele, contra a minha vontade. Foi um milagre você ter aparecido.
— E o Alfredo, o que você sabe dele?
Ela passava requeijão numa torrada e parou um instante o gesto, pensativa.
— Era um rapaz muito feio, mas bonzinho... tinha uma carreira de engenheiro pela frente... era meio hipocondríaco, pálido, não se expunha ao sol... foi um espanto a sua morte. Ele cortou os pulsos na ausência dos pais, e deixou um bilhete.
— Você sabe o que dizia o bilhete?
— Ouvi falar. Dizia que estava por demais envergonhado para continuar vivendo. Pedia perdão à noiva e aos pais. Eu era amiga da Kátia, a garota que ia casar com ele. Disse-me que no bilhete havia uma coisa assim: “Fiz aquilo que, como homem, eu não devia ter feito. Não lhes dou o nome de meu corruptor porque vocês iriam querer se vingar. E ele é muito poderoso. Rezem pela minha alma”.
Cathy refletiu um pouco e falou:
— É o que eu já desconfiava. Quase todos os suicídios que eu investiguei são de homens. Agora pense, Lena. O homossexualismo contraria a lei de Deus, que nos criou homem e mulher, mas na sociedade civil moderna é aceito como um direito do indivíduo. Bem, isso é um assunto entre o indivíduo e Deus, todos têm seus vícios e pecados e eu não posso condenar ninguém ou discriminar alguém socialmente. Mas suponha que um homem não seja, ele próprio, um homossexual. Suponha que ele seja um hetero, não um homo e nem um bi. Ora, pergunto eu, como irá se sentir um homem assim, se de repente ele se deixar seduzir por outro homem, por causa do fascínio especial desse outro? Em suma, se for levado a fazer um ato contra a sua natureza? Imagine a vergonha que esse homem irá sentir de si mesmo, no dia seguinte. Uma coisa dessas pode levar ao suicídio.
Lena procurou refletir.
— Então você acha que é isso que aconteceu?
— Eu quase não tenho dúvidas. Homer é um bissexual, que seduz homens e mulheres.
— Agora eu lembro... contaram-me também ter visto o Alfredo entrando no carro de Homer... Homer deu um tapinha em seu boné... e estava sem motorista.
— Você não ligou as coisas?
— Não, havia outras pessoas com quem o rapaz andava, afinal!
— Bem. Nós temos que fazer um serviço preventivo: impedir que isso aconteça com outras pessoas.
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Homer descobriu a pista de Lúpus – que há muito saíra de São Paulo – numa esquecida cidade fluminense conhecida por Pedra Torta. Naqueles dias Homer comportou-se quase como um asceta: não tinha coragem de tomar nenhuma de suas habituais iniciativas, enquanto não conseguisse conversar com o mago negro.
Mas uma noite, saindo do Rotchfield’s do Brás, foi visto por Lena, que não retornara as mensagens que o libertino lhe passara. Lena estava introduzindo Cathy nos ambientes sociais, apresentando-a como sua nova amiga. Naquela noite Cathy estava ocupada com gravações na Cosmonet, por isso a sua espiã só a contatou na manhã seguinte, um sábado.
— Você diz que ele saiu com um rapaz? Suspeitou de alguma coisa?
— É claro! Pois ele fez o mesmo gesto que fez com o Alfredo... o tapinha no boné...
— E por que você não os seguiu?
— Estou sem carro. Além disso ainda não tenho a sua coragem.
— Você sabe o endereço do Márcio?
— Eu posso descobrir.
— Então descubra e me espere. Eu já chego aí.
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Ao entrar Cathy foi saudada pelo cachorrinho beagle da casa, o Lord. Ela gostava de bichos e fez muita festa. Então Lena apresentou Cathy à sua mãe, a D.Laudicéia. Esta já conhecia uma versão minorada do incidente: não convinha falar certas coisas, mas também não se podia deixar os pais de Lena desalertados sobre o barão.
— Eu já gosto muito de você – disse Laud – pelo que fez por minha filha. Ninguém diz que esse canalha é o que é... mas eu nunca gostei de gente inútil, que não faz nada na vida.
— Eu não podia deixar de alertar a Lena, por causa do que ele fez comigo e com mamãe.
— A Lena me contou. Mas que coisa asquerosa! Pensar que ele pagou o aluguel de vocês para aliciá-las...
Cathy sorriu.
— Talvez um dia ele se arrependa de tudo que fez.
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Lena acomodou-se no Tubolino de Cathy, que pegou na direção.
— Não gosto de mentir em casa, mas mamãe não pode saber que eu estou me metendo em encrencas – observou a escudeira.
— Vamos nos entregar nas mãos de Deus, e da Virgem – respondeu Cathy, muito séria.
Ligou o direcionador aéreo, buscando uma linha de luz disponível. Naquele dia o tráfego estava fácil e elas subiram sem problemas.
Márcio morava numa ruazinha antiquada, cujo calçamento nem sequer era de plástico, e num edifício de apenas 26 andares. Mas quando elas chegaram, tiveram logo problemas com o porteiro.
— O acesso dele está aberto, mas ele não responde.
— E você não sabe se ele está em casa? Precisamos muito falar com ele – disse Lena.
— Bem, eu lamento, mas se ele não responder eu não posso mandar subir...
— Mas ele está em casa?
— Eu o vi subir e não o vi voltar. Mas vou tentar de novo.
A nova tentativa fracassou igualmente; percebendo que Lena desanimava, Cathy adiantou-se:
— Nós precisamos subir. Ele não anda bem e nós estamos preocupadas.
— Ele não está bem?
— Não está bem de saúde. Você não reparou em nada quando o viu hoje?
— É, ele parecia meio transtornado...
Cathy sentiu aumentar sua preocupação, que era real:
— Então deixe a gente subir. Afinal, eu sou a prima dele!
— A prima?
— Sim, a Catarina. Por Deus, homem. Ele precisa da minha ajuda.
— Mas se ele estiver passando mal não vai poder nem abrir a porta, né? Se ele não pôde nem atender o interfone...
— Esquece! Eu tenho a chave! – e ela mostrou um chaveiro, que girou nos dedos. – Não falei que sou prima dele?
— Está bem, podem subir. Mas se ele estiver com problemas de drogas sejam discretas, OK?
— Tá, muito obrigada.
Elas pegaram o elevador, que estava vazio. Mesmo assim Lena apenas sussurrou:
— Prima, Cathy! Você foi grande, mas por que não disse que era irmã?
— Questão de sobrenomes. Ele podia pedir documentos, saber se o rapaz tinha irmãs, sei lá.
Logo estavam no 904 mas por mais que tocassem a campainha ninguém aparecia.
E agora, Cathy? Vamos bancar o Torpedo Humano e arrombar essa porta?
— Abra, por favor – disse Cathy.
— Hein?
— Calma. Não é com você que eu estou falando.
— Mas...
A porta se abriu, com leve ruído. Cathy empurrou Lena para dentro e fechou a porta atrás de si; a amiga abraçou-se a ela.
— Cathy! Foi ele, não foi? Eu fico toda arrepiada...
— Tenha calma, por favor. Vamos procurar pelo Márcio.
Foram de cômodo em cômodo até escutarem uma voz enfraquecida:
— Quem... quem entrou aí?
Entraram no quarto, e a cena era chocante.
Ele estava deitado na cama, seminu, e com o braço esquerdo numa bacia de alumínio, vertendo sangue. Uma tesoura sangrenta estava caída no chão.
— Márcio! – gritou Lena, sem acreditar no que via. Você ficou louco! Por que você fez isso?
— Que faz você aqui? Eu mal a conheço... e quem é ela?
Ele se ergueu um pouco, recostado no travesseiro:
— É melhor irem embora! Não façam nada! Eu quero morrer!
— Seu doido! – exclamou Cathy, indignada. – Não pode fazer isso! É contra a lei divina!
— Não quero saber! Não quero mais viver! Não compreendem? – e aqui ele começou a chorar – Eu não tenho mais razão para viver...
LENA – Por causa de um canalha como Homer?
— Como é que vocês sabem? Por favor, me deixem em paz. Eu não quero viver!
CATHY – Me dê esse braço, seu idiota. Nós vamos estancar essa hemorragia e vamos conversar com você. Por favor, nos ouça, não faça uma besteira dessas!
— Isso é que não! Ninguém vai me fazer curativos! Não, não me toquem!
Ele pulou da cama, empurrou Lena e tentou correr para fora do quarto, talvez para se trancar no banheiro, mas Cathy se embolou com ele e fê-lo cair sentado numa cadeira. Márcio já perdera muito sangue e estava enfraquecido, mas debateu-se com fúria, enquanto a garota quebrava lanças para segura-lo. Lena, de pé, estava como que paralisada pelo insólito da cena.
— Lena, não fique aí parada! Me ajude! Arranje uma corda ou outra coisa qualquer e vamos amarrar esse rapaz!
— O que? Ficou doida, Cathy? Nós não podemos fazer uma coisa dessas!
— É claro que podemos, sua tonta! O que não podemos é deixar que ele morra se esvaindo em sangue na nossa frente!
Lena afinal saiu de seu apatetamento e acabou por se decidir por um cordão de cortina, que arrancou de qualquer maneira. Por fim, depois de uma luta muito atrapalhada, elas conseguiram amarrar Márcio na cadeira e esta no espaldar da cama. O rapaz continuava furioso:
— Vamos, me soltem, suas doidas! Suas intrometidas!
Cathy explodiu:
— Cale a boca, senão eu te amordaço! Já perdi a minha paciência!
Ele parou de súbito, como se espantado pelo tom colérico da garota. Esta tirou um estojinho da mochila e, deste, uma seringa de magiplast e uma ampola com um líquido esverdeado. À indagação de Lena, respondeu:
— É o cicatrizante universal. Eu gosto de me prevenir com essas coisas.
Cathy injetou o líquido no corte de Márcio e aplicou soro, talco de estancar e o desinfetante universal; em seguida, sempre auxiliada por Lena, rodeou o pulso com esparadrapo medicinal. Aí vedou a janela com o que restara das cortinas, acendeu a luz e sentou em outra cadeira, em frente ao rapaz, no que foi secundada pela Lena.
Ele era um garoto até simpático, de rosto juvenil, aparentando uma idade entre as de Cathy e Lena. Cathy dirigiu-se a ele com simpatia:
— Desta vez você escapou, mas eu não vou poder segui-lo por toda a parte de agora em diante. Me escute, por favor.
— Márcio, você não pode se matar! Há pessoas que gostam de você! – e Lena tocou carinhosamente o seu ombro.
— Vocês não compreendem... é que foi demais para mim... – e as lágrimas escorriam dele.
— Meu amor – disse Cathy – você acredita em Deus?
— Eu... acredito...
— É um bom começo. Então me ouça. Deus fez o universo belo e maravilhoso e nos destinou à felicidade eterna. Ele nos deu a vida, só Ele pode tirá-la. Não se antecipe a Deus, por favor. Os seus pais estão vivos?
— Eu deixei um bilhete para eles.
— Você vai destruir esse bilhete e vai viver.
Lena abraçou-o, mesmo atado na cadeira, e apertou o rosto em sua cabeça.
— Nós te amamos, Márcio. Somos tuas irmãs. Não nos dê esse desgosto, e aos seus pais. Por favor! Se maltrataram você, haverá sempre quem queira o seu bem.
— Conte-nos porque você quer morrer.
Ele baixou a cabeça e semi-cerrou o olhar.
— Eu não posso... não posso contar isso.
— Não precisa nos contar os detalhes, querido. Sabemos que Homer Nightgale está por detrás disso, e que vários homens se suicidaram. Se você participou com ele de algo que agora o envergonha, vire essa página. Comece tudo de novo, como se iniciasse uma nova vida.
— Uma nova vida?
Cathy pôs as mãos em seus ombros e beijou suas faces:
— Considere a partir desta nossa conversa. Nós faremos tudo para reanimá-lo, Márcio. Somos suas amigas. Eu vou lhe contar o que Homer me fez, o que eu e minha mãe passamos, você vai compreender porque eu estou aqui. Tem comida em seu apartamento?
— Comida?
— Você precisa se alimentar, e aí convida a gente para almoçar, certo?
— OK, está bem – pela primeira vez ele sorriu – mas quem vai cozinhar?
— Eu cozinho – disse Lena, dando um tapinha em seu ombro. – Você vai gostar, eu cozinho bem!
— E você vai ligar para o porteiro para tranquilizá-lo, porque nós subimos aqui no estratagema – acrescentou Cathy.
E assim Catarina Freitas conseguiu trazer outra pessoa para a sua missão, o jovem Márcio, emergente de uma tentativa de suicídio.
Na sequência o Barão Homer localiza Lúpus e recebe dele uma orientação para agir contra Catarina. Esta também não perde tempo e se prepara para abordar outras pessoas do círculo de Homer Nightgale.
Em breve:
CAPÍTULO 6
PLANOS DO BEM E DO MAL
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