A CRUZADA DE CATARINA capítulo 3: Catarina dá início à cruzada

 

CAPÍTULO 3

 

CATARINA DÁ INÍCIO À CRUZADA

 

(No capítulo anterior Catarina, então com 15 anos, conta ao carismático Frei Jiri a tragédia ocorrida dois anos atrás, quando sua mãe Jéssica foi seduzida, engravidada e abandonada pelo Barão Homer Nightgale, e quando tentou reclamar foi jogada de uma escadaria e perdeu o bebê. Frei Jiri então faz Catarina ver o próprio anjo da guarda, que será seu protetor na luta futura. Agora veremos como os destinos de Catarina e Homer voltam a convergir.)

 

 

Passaram-se mais cinco anos.

Cathy agora era uma garota atraente, alta e magra, de sobrancelhas negras e finas e um olhar vivo, que parecia em geral dirigido para cima, dando-lhe um ar sonhador, um ar de devaneio. Seus cabelos continuavam compridos, com mais ondulações para fora que antigamente; as linhas do nariz, lábios e faces ostentavam grande pureza, quase um rosto de criança.

Completara os estudos básicos e encontrara a fórmula econômica que tirara a ela e Jéssica das dificuldades. Sua voz, que era privilegiada – ao mesmo tempo doce e firme – e que era requisitada, inclusive via Cosmonet, para gravações de discos infantis, filmes, narrações de documentários científicos. Também sabia executar belas ilustrações via Cosmonet, e as suas aplicações bancárias iam muito bem.

Retornara porém a São Paulo, deixando Jéssica em Teresópolis. Sabia que o perigo era muito grande e pedira aos amigos que zelassem pela mãe. Não espalhara, é claro, as suas intenções. Sua viagem era compreensível, à luz das melhores oportunidades da metrópole.

Sabia onde Homer morava e conhecia em linhas gerais muitas de suas amizades. Assim, num sábado à noite viu-se finalmente próxima a uma mesa, num restaurante de luxo, ocupada por Homer e uma garota de uns 24 anos, a quem ele servia vinho e que o observava fascinada.

Cathy estava bem disfarçada e nem esperava que o seu inimigo a reconhecesse depois de sete anos. Ele não mudara nada! Continuava um misto de Apolo e Hércules: belo, fascinante, atlético, extremamente jovem. Tremendamente aliciante para as mulheres, principalmente as mais carentes ou mais materialistas, sem grandes defesas contra aquele tipo de coisa.

Com o aparelho auditivo que usava, Cathy conseguiu captar o que estava sendo tratado. Homer queria simplesmente que a outra, chamada Lena, o acompanhasse até uma residência no Trianon. “Onde poderemos passar bons momentos”, acrescentara ele sedutoramente.

— Eu adoraria... mas não sei se devo... os meus pais vão ficar preocupados. Devo avisá-los...

— Não faça isso. Você é adulta, não é? Para que ficar dando satisfações de sua vida aos velhos? Diga que estava se divertindo, isto basta.

“Bem – pensou Catarina – já estou alcançando o que ele pretende. E alguma coisa dos seus métodos...”

Cathy, espertamente, evitou pedir comidas ou bebidas que a retivessem; consumiu pouco e foi pagando, pedindo o cafezinho de cortesia para enrolar um pouco. Assim, quando o par se ergueu, a jovem estava libérrima para segui-los.

Quando o grande Abelhão azul-prateado de Homer levantou vôo do estacionamento, Catarina entrou em seu pequeno Tubolino e fez o mesmo, não sem antes acionar o rastreador para não perder de vista a sua presa. Na feérica noite paulista milhões de aerocarros circulavam pelas vias de luz em todas as direções, de modo que uma perseguição dificilmente seria notada. Afinal o barão pousou numa rua estreita junto a uma casa de bom aspecto com uma pequena área na frente. O casal penetrou ali rapidamente.

Cathy deparou com uma porta metálica dotada de fechadura de segurança, desse modelo ITB403 tão comum nos últimos trinta anos.

Ela tinha, porém, um recurso, que já fôra usado por São Pedro para escapar da prisão; um recurso que também podia ser utilizado em sentido inverso, isto é, para penetrar num local fechado.

 

 

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Ao se ver naquela casa bem mobiliada e vazia, Lena, sentindo dissipar-se o torpor alcoólico, começou também a se dar conta da efetiva situação em que se havia colocado.

— Veja – disse ele, alisando-lhe os ombros por trás – como essa alcova é aconchegante. Esse sofá é de primeira; super-confortável. Eu mantenho aqui um bar bem munido...

— Mas... mas, Homer... quem mais mora aqui?

— Não se preocupe com isso, meu bem... essa casa é minha.

— Mas não é a sua casa. Eu conheço a sua casa.

— Eu tenho muitas casas. No Rio de Janeiro, em Lorena... tenho um apartamento em Lisboa...

Ela voltou-se para Homer, com um que de pânico no olhar:

— Então essa casa é vazia. Para que você a mantém?

— Para ocasiões muito especiais como essa, minha flor.

— Homer, eu acho que... não quero... não convém, agora...

— Não pode recuar agora. Do que se assusta? Não me venha dizer que é virgem...

Ela sentiu-se desfalecer e, como houvessem poucos móveis, recuou até a parede mais próxima.

— Não, Homer... não faça isso... eu não sei...

— É claro que sabe, minha gatinha. Você está é se fazendo de difícil.

Homer alcançou-a e a foi conduzindo, aterrada, até o sofá.

— Pare, Homer! Solte a moça!

Como se atingido por um choque elétrico, Homer se voltou e avistou a garota morena que acabara de entrar e o encarava.

— Quem é você? Como entrou aqui?

— Você já me conhece. Eu sou Catarina Freitas.

— Quem?

— Depois de tanto tempo voltamos a nos encontrar, Barão Homer Nightgale.

— Não sei quem é você.

— Já esqueceu Jéssica, a quem você engravidou e depois matou o seu bebê no ventre? Esqueceu que jogou a minha mãe escada abaixo, barão? E agora, lembra de mim?

Nightgale lembrara.

— Sim... sim...

— Que quer dizer, Homer? Você fez uma baixeza dessas? — questionou Lena, perplexa.

— Oh, cale-se, você não sabe de nada...

Cathy voltou-se para a jovem:

— Lena, vá embora.

— Mas...

— Nada de “mas”. Vá embora, vá para sua casa. Você não tem nada a fazer aqui.

— E você?

— Eu estarei bem, não se preocupe. Agora vá. Eu quero falar com ele a sós.

Atarantada, ela volveu o olhar para Homer, que a fitou gelidamente:

— Vá embora. Depois nós conversamos.

— Por onde eu saio?

— Vá por ali, saia pela copa, é só abrir o trinco. E bata a porta, que é automática.

— Está bem. Adeus.

— Adeus e boa sorte, Lena – desejou Cathy.

Lena se afastou. Depois que ela sumiu de vista ficaram escutando os seus saltos, depois o bater da porta dos fundos. Aí Homer se voltou para a pequena:

— O que você quer?

Havia em Catarina um ar de beatitude e também de auto-confiança, que desconcertavam. A regularidade das linhas de Cathy, a elegância dos seus movimentos, a pureza do seu olhar, denotavam um profundo equilíbrio interior. Homer não estava acostumado a lidar com pessoas assim, muito menos garotas imunes ao seu poder de sedução. O barão não queria crer que isto fosse possível, e atentou para a resposta dela:

— Impedir que você continue o que vem fazendo, Homer. Quero que deixe as pessoas em paz. Garotas, ou seja quem forem. Pare de irradiar o mal em torno de si, como um vírus pernicioso. O seu narcisismo o destruirá. Não sei o que você fez com sua alma, digo-lhe porém que pare, que não arraste mais mulheres à desgraça e amigos ao suicídio. Deus o punirá, mais cedo ou mais tarde.

Por um momento o barão pensou se não deveria tentar usar o seu poder de sedução, que tantas vezes se mostrara irresistível. Afinal Catarina crescera, desenvolvera-se, tornara-se uma mulher escultural e fascinante. Uma mulher, com a qual valia a pena transar.

— Eu penso... – disse ele, escolhendo cuidadosamente as palavras – que deveríamos enterrar o passado. A propósito... como está a sua mãe?

— Não toque em minha mãe – respondeu ela, ríspida.

— Olhe aqui, Cathy... vocês não devem ser orgulhosas. Se é pelo que aconteceu, eu posso indenizá-las. Já uma vez as ajudei...

— Não queremos mais o seu dinheiro. Homer, eu estou falando sério. Eu organizei um dossiê a seu respeito, não para fazer chantagem, mas para conhecer os seus métodos e as suas vítimas. Ainda não sei que espécie de pacto você fez, mas estou disposta a impedir que continue maltratando as pessoas.

— Talvez você precise relaxar um pouco. Assim, com a cabeça quente, não raciocinará direito.

Catarina, de braços cruzados, não respondeu à torpe insinuação. O conquistador aproximou-se mais dela:

— Experimente. Quem sabe você gosta?

No momento em que Homer estava prestes a segurar a garota, um fenômeno espantoso teve lugar. O libertino foi subitamente empurrado a distância por uma força invisível. Estatelado no chão, aterrado, ele fixou a vista em Catarina que, com as feições tomadas por cólera santa, escandiu as palavras:

Não pode me tocar, demônio. Eu fiz um pacto com Deus e o meu anjo me protege. 

Erguendo-se a custo, Homer ficou a princípio sem saber o que dizer. Afinal ocorreu-lhe uma pergunta:

— O que você pretende?

— Já lhe disse. Vamos ver se eu me faço entender. Deve ser perda de tempo, mas sugiro que você procure um bom padre, se confesse, livre-se dos seus pecados que são imensos. Recue do caminho que está seguindo e que o levará à perdição. Caso contrário, se prosseguir nessa carreira infame, eu estarei sempre no seu caminho. Não o deixarei arrastar mais ninguém para o abismo. São Paulo será o nosso campo de batalha, Barão Homer, até que este conflito se resolva.

Aos poucos o magnata foi se recuperando do choque e, ao responder, sua voz denotava quase de todo a antiga arrogância:

— Está bem, Catarina. Você então acha que o bem pode mais que o mal. Continue com essa crença, e veremos se você tem razão. Hoje, porém, você saiu vencedora. Felicito-a. Vou-me embora; ao sair encoste a porta.

— Eu tenho meios de trancá-la – respondeu Cathy friamente.

— Já sei também como você a abriu. Está bem. Adeus. Tornaremos a nos ver.

Homer deu as costas à moça e dirigiu-se para a saída. Cathy seguiu-o, disposta a vê-lo ir-se embora. Da porta da rua ficou a observá-lo entrar no carro, levantar vôo e tomar por uma das estradas de luz.

Nesse momento Cathy assustou-se com passos leves atrás de si. Voltou-se e deparou com Lena, uma Lena de fisionomia assombrada, os pés descalços.

— O que houve? – perguntou Cathy, encostando a porta.

Lena abraçou-se a ela, chorando.

— Por que não foi embora, Lena?

— Eu não quis ir... não podia deixá-la a sós com ele... aí bati a porta, para fingir que estava indo embora, e tirei os sapatos para não ser ouvida. Aí voltei de mansinho e acompanhei tudo.

— Você viu TUDO? – Cathy se alarmou.

— Bem... tudo não... mas vi o clarão no momento em que Homer foi jogado longe... e ouvi tudo o que você falou a ele, Catarina. Meu Deus! Quem poderia dizer... como posso lhe agradecer...

— Espero ter sido útil – respondeu Cathy, afagando os cabelos da outra. – Mas não fale disso a ninguém.

— Não! Deus me livre! Mas você... você... que posso dizer? Você não é igual às outras pessoas... você é... você é... uma predestinada. Sim, acho que é isso.

— Não me tente a vaidade, por favor. Eu preferia que Homer não fosse o que é... que eu nunca o tivesse encontrado... mas Deus me deu esta missão e eu não posso e não quero voltar atrás. “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é digno de Mim”.

— Eu conheço... são palavras de Jesus.

— Não devemos ficar aqui, Lena. Eu não sei o que ele ainda pode armar e nós estamos num imóvel dele. Pegue os seus sapatos e vamos embora.

— Está bem... você vai aonde?

— Vou para o meu apartamento. Quero que você venha também.

— Eu?

— Precisamos conversar. Você está disposta a me contar tudo o que sabe sobre esse homem?

— É claro! A alguém como você... eu não posso negar.

— Bom. Você tem um celular, não tem?

— Eu tenho. Vou avisar os meus pais e acompanho você.

 

A guerra está declarada! Catarina mostrou seu poder a Homer Nightgale, vencendo o primeiro embate, mas Homer não é adversário que desista facilmente. A luta prosseguirá, pois, como disse Catarina, São Paulo será o campo de batalha. 

Com Lena em sua companhia, Cathy já não está solitária em sua missão. Mas e Homer? Terá ele aliados? 

Veja a seguir:

Capítulo 4:

A FACE DE JUDAS)

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imagem pixabay 

 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 22/06/2024
Reeditado em 23/06/2024
Código do texto: T8091193
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