Memórias póstumas de um homem morto por uma latrina em queda livre - Capítulos 8 e 9
Capítulo 8 - Meu assassino
Eu gosto da cronologia não-linear. É por isso vou contar, neste capítulo, não os eventos depois da revelação de que Eric pagou um bandido para tomar meu celular - e, com isso, romper com a suposta Lei da Serialidade -, mas o que aconteceu antes. Na manhã seguinte, depois de ter passado a noite sozinho, saí do meu apartamento e encontrei o corredor vazio. Isso confirmou a ideia de que a sequência de eventos repetidos foi, enfim, quebrada.
Desta vez, vi o entregador de folhetos na entrada do prédio. Ele estava entregando folhetos, é claro. Consegui me esquivar dele facilmente, mas ele disse algo para mim:
- Você não gosta de dinheiro!
Dei meia-volta e andei até ele.
- Não gosto de dinheiro? Por que diz isso?
- Estou te dando oportunidade para ganhar dinheiro. Te dei vários anúncios. E parece que não leu nenhum.
- Espera um pouco. Você se importa com isso? - perguntei.
Eu estava diante de um entregador que parecia genuinamente preocupado com seus folhetos. Foi uma surpresa para mim, pois sempre achei que entregadores não davam a mínima para seus folhetos. Eles apenas queriam entregar. O que a pessoa ia fazer com eles, não era da conta deles. Se a pessoa que pegou o folheto quisesse limpar a bunda com ele, os entregadores não se importavam. Aliás, se pudessem, eles jogariam tudo para cima no meio da rua. Porém, não fazem isso, porque não são eles que gastaram dinheiro com anúncios. Jogar fora implica em prejuízo, que por sua vez implica em demissão.
- Claro que me importo. É o meu negócio! - disse o entregador, com firmeza.
- Então, você é patrão de si mesmo? Você quem mandou criar esses anúncios?
- Sim! - ele afirmou.
Li o anúncio. “Renda Extra”. Era uma proposta de investimento. Você entregaria x e receberia muito mais. Claro que eu não acreditava nisso.
- Acho que hoje vou levar esse seu anúncio.
- Quem diria…
Ele me deu cinco.
- Não preciso de tudo isso.
- Dê a seus amigos, namorada, sei lá.
Depois disso, fui para o trabalho. Contei no capítulo 6 que esse rapaz é o meu assassino. Ele realmente é. Mas como ele passou de um entregador para alguém que joga privadas nos outros? Não sei. Isso é tese para sociólogos, psiquiatras, psicólogos… Entretanto, é intrigante como pode-se passar de um zé ninguém para um matador com métodos não convencionais. Também é intrigante como eu o conheci sem fazer a menor ideia de que ele me mataria. Só que não tinha como saber. Pelo menos, ainda.
Talvez o leitor esteja curioso em saber o nome desse rapaz e sua biografia. Ainda é um pouco cedo para isso. Todavia, o fato de ele supostamente se importar demais com seus anúncios impressos indica um traço de personalidade que ajudará a explicar seu ato fatal.
Capítulo 9 - O folheto avisou
No caminho ao trabalho, ainda estava reflexivo sobre o entregador que se importa com seus folhetos. Foi então que um folheto me disse para deixar disso.
- Ele não gosta da gente. - disse um folheto amassado. - Não gosta de nada. É um bandido! Não caia nessa de “renda extra”.
- Espera um pouco. Você é um folheto que está denunciando o seu próprio anúncio?
- Obrigaram-me a ter o termo “renda extra” tatuado no corpo. Mas você está avisado, rapaz. Não entra nisso. É cilada, armadilha, arapuca.
- Um folheto que gosta de sinônimos!
- Antes de ser reciclado, eu era página de um dicionário.