As luzes de Alice, capítulo 1: Visão do Mal
CAPÍTULO 1
VISÃO DO MAL
(Vimos na introdução que um crime foi cometido no satélite artificial particular conhecido como o Mundo Negro, situado nas proximidades da órbita de Plutão. Uma jovem foi assassinada brutalmente e a sensitiva Alice Chantecler se apresenta ao administrador do satélite oferecendo-se para investigar o caso, que para ela se reveste de aspectos absolutamente extraordinários.
Esta novela se baseia nos "Mitos de Cthulhu" do autor norte-americano H.P. Lovecraft e especialmente em sua famosa história "Um sussurro nas trevas")
Buckley alisou os bigodes grisalhos e sacudiu um pouco de caspa em seu paletó verde-garrafa jogado no encosto da poltrona. Aí tornou a fitar a garota dos cabelos vermelhos e comentou com certa arrogância:
— Eu sei que você possui credenciais respeitáveis, mas nem por isso quero saber de enigmas. É bom me dizer o que tem em mente.
Pela primeira vez um lampejo de irritação perpassou pela expressão da visitante:
— Não tenho nada em mente, meu senhor. Não sei ainda o que foi que matou a garota. Estou apenas lhe mostrando o que a minha visão me mostrou.
Robinson, que sentara perto, interferiu:
— Do que se trata, Buckley?
— NecronomiCON. Você ouviu falar?
Alice interveio:
— Senhor Buckley, a palavra é proparoxítona, NecroNOmicon e não NecronomiCON. Isso é o nome de um livro. E tem tudo a ver com o caso.
— Como é que você sabe disso...
— Eu não sei. Clarividência é um dom de Deus, não se explica.
Robinson, homem ainda jovem e com uma cara de quem vive na expectativa, levantou-se e aparteou:
— Um momento! O que você quis dizer sobre "o que matou" a menina? Ela foi assassinada!
— Sem dúvida, delegado — Alice estava fria.
— Então, não há dúvida nesse fato: não é o que matou, mas quem matou.
— Resta saber, delegado Robinson, o que é esse quem a que o senhor se refere.
— Mas que embrulhada...
— Chega! — Buckley estava agastado.— Se não tem nada melhor a me dizer?
— Como, administrador? Pela Cosmonet o senhor pode descobrir informações sobre o Necronomicon, mas eu as adianto: é um livro escrito há dois mil anos por um árabe que tinha fama de louco. É um livro que fala sobre os mistérios que cercam o passado mais remoto da Terra e do Universo. É um livro que fala sobre os Grandes Antigos.
— Ah, sim, o mito dos Grandes Antigos. Já li a respeito.
Deu um pequeno tapa de impaciência na mesa.
— Você quer dizer que foram os Grandes Antigos que mataram a Miki? Acha que eu vou dar crédito a isso?
Pela segunda vez Buckley experimentou a obscura impressão de uma queda de temperatura. E de novo a impressão se esfumou, indefinida. Alice, muito séria, respondeu:
— Posso demonstrar as minhas aptidões. Me dê alguns segundos. Pense no número de sua identidade.
Alice recostou-se na poltrona e baixou os olhos, entrecerrando-os, em concentração:
— Zero... oito... quatro... quatro... cinco... um... sete... seis.
Buckley mal conteve um arrepio.
— É verdade.
— Então, administrador, sugiro que me leve a sério. Há alguma coisa má à solta neste satélite, e não se contentará com uma só morte. Qualquer um de nós poderá ser a próxima vítima.
Robinson abriu os braços em protesto:
— Isso é ridículo!
— Deixem-me ver o corpo.— pediu Alice.— Preciso vê-lo para descobrir alguma coisa.
Buckey observou:
— Não é uma visão agradável.
— Não me importa. Devo vê-lo, Sr. Buckley. Por favor.
— Pois muito bem. Vamos até a câmara frigorífica.
Alice ergueu-se e acompanhou os dois homens. Seguiram pela complicada rede de corredores e pegaram o elevador até três pisos abaixo. Chegando à ante-sala do necrotério, o robô de plantão acionou a abertura da câmara mortuária, sem fazer nenhuma objeção, visto conhecer Buckley e Robinson.
Buckley estremeceu de frio, e percebeu a mesma reação em Robinson. Embora menos vestida, Alice não demonstrou nenhuma sensibilidade ao frio do aposento. Aproximou-se da maca e afastou o lençol. O corpo da jovem Miki Kazuo apareceu, com as dilacerações pelo tronco. Alice tocou em seus braços e contemplou o rosto, que a morte surpreendera numa expressão de pavor. E murmurou:
— Pobre menina... eu me penalizo dela.
Enxugou algumas lágrimas e voltando-se para os dois homens, sentenciou:
— Sei muito bem que vocês encontrarão dificuldade em admitir o que vou lhes dizer, mas façam um esforço. Essa garota... essa moça... ela não foi morta por mãos humanas.
Buckley e Robinson se entreolharam, trocando olhares de ceticismo. Alice pôs-se então a caminhar pelo aposento, concentrada.
— Estou tentando pensar no que aconteceu... ela caminha, percebem? Caminha despreocupada, após se despedir do rapaz. Mas de repente ela tem um pressentimento, uma intuição. Ela começa a ter medo e apressa o passo. Aí de repente...
Alice faz uma vaga careta de desconforto. Aí se volta num relance — e fecha os braços em torno do peito, e recua como se alguém ou alguma coisa a atacasse.
— Ela grita — e é o fim. O que a atacou... era algo que ela não podia enfrentar.
— Um assassino psicopata. — disse Robinson.
— Talvez. Mas não era humano, delegado.
Robinson explodiu:
— E aí? Onde é que isso nos leva? Todas as raças inteligentes que conhecemos são nossas amigas. Ou você pretende que existe um animal selvagem a bordo...
— Delegado Robinson, o que eu posso lhe dizer... e que eu sinto... é que uma criatura maligna, pertencente a uma raça da sombra, se encontra no Mundo Negro.
(Como podem ver, há uma dificuldade no diálogo entre a vidente dos cabelos de fogo e os dois dirigentes do Mundo Negro. Acostumados a um raciocínio pragmático, eles têm dificuldade em aceitar o que Alice está sugerindo. Mas, terá ela razão no que afirma? E se tiver?
Não percam a seguir:
CAPÍTULO 2
SONDAGEM PSÍQUICA)
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