A FACE OCULTA DA GALÁXIA capítulo 16: A batalha contra a Mão Negra

 

 

CAPÍTULO 16

 

 

A BATALHA CONTRA A MÃO NEGRA

 

(No capítulo anterior Rufina, da Intercrimes - a mulher que havia sido mestre de cerimônias no circo improvisado que disfarçava o grupo - se rende a Vésper, enquanto Valentina escala o penhasco para recuperar o Artefato. Irá ser Valentina a grande heroína da história?)

 

 

Percebi que Valentina, arrostando o perigo, escalava os pinos pregados na rocha como rústica escada até a sacada da chapa cósmica. Mas eu não podia fazer o mesmo tão rapidamente; não com uma agonizante aos meus pés. Assaltou-me o remorso: se eu não a houvesse manietado, ela talvez tivesse agilidade suficiente para escapar. Desatei-a como um último favor e, sentada na areia cristalina, descansei sua cabeça sobre minhas pernas. Aquele assomo de ternura por uma inimiga que me mataria a sangue frio se tivesse oportunidade, parecia incoerente. Injetei-lhe alguns complexos vitais, pelo menos para aliviar seu sofrimento, e deixei-a falar:

— Você deve estar estranhando, Vésper... mas eu sou sensível á morte. Sempre fui; esse é o meu segredo, que eu jamais contei a ninguém. Por isso... a cada ano que passou... eu me enojei mais do meu trabalho e da minha pessoa. Porque eu matei, e muito. Fui hipócrita, é claro. Ganhava o meu dinheiro, tinha os meus homens. Não me incomodava que meus inimigos morressem: eram inimigos da causa, da Intercrimes, do ideal da pirataria. Mas se eram meus companheiros, gente da minha equipe, eu sentia, e a cada ano sentia mais forte. Até que Trig também morreu e foi a gota d’água, mas eu já estava envolvida até a medula óssea nessa aventura e não me era mais dado recuar.

Arquejou. Falar era um esforço cada vez maior. Ela apertou a minha mão.

— Vou morrer, Vésper. Obrigada por ter sido boa comigo. Reze por mim. Oh, meu Deus!

— Descanse, minha amiga. É uma pena que não nos tenhamos conhecido fora da espionagem... desse mundo oculto e sujo.

— Você disse tudo. Adeus, Vésper. Deus... meu Deus!

Rolaram-me algumas lágrimas, diante da pungente morte da Rufina. Pensei: quem morre chamando por Deus... poderá ter um mau destino?

Pousei sua cabeça na areia e fechei seus olhos. Eu estava abaladíssima. A história que ela me contou... era a minha história, com poucas diferenças. Ela não me falara em filhos ou em pai e mãe. Seria melhor se não existissem, é claro.

Quando recordo aquela cena, admira-me o risco que corri, ali imóvel, enquanto os acontecimentos se precipitavam ao meu redor. Não ficara completamente descuidada, é claro: enquanto ouvia Rufina circunvagava o olhar pelo céu, onde passavam nuvens do tipo estrato-cúmulo, e escutava o rumor da batalha que se travava no chapadão. O barco do Prof. Gaspar levantou vôo e passou rasante pela escarpa; Valentina conseguiu abrir a porta do esconderijo e entrou. A valquíria era a primeira a chegar ao artefato! Um sentimento de inveja sufocou-me, mas o meu grilo falante me sussurrou: é mais importante confortar a moribunda. Dessa vez, Vésper, você agiu certa.

Eu estava abandonada lá embaixo e calculava que teríamos poucos minutos para resolver tudo, enquanto o Alto Comando de Sombrio não decidisse retomar o controle da situação. De uma hora para outra eu me transformei na mais veloz alpinista da galáxia. É verdade que as ventosas eletrônicas de Spitz facilitam tudo. Não fui ao encontro de Valentina; era mais urgente penetrar na batalha.

O platô era coberto de gramíneas altíssimas, bambuzais (o planeta tinha excesso de bambuzais), árvores parecidas com o abricó-de-macaco terrestre e grandes blocos de rochas escuríssimas. Cheguei a tempo de presenciar a tragédia espantosa: atingido por disparos mortíferos, o barco do Prof. Gaspar perdeu a estabilidade e caiu bamboleando-se como um ser vivo; em manobra proposital, e acertou um barco voador da Mão Negra, de onde partira o disparo; o veículo foi esmigalhado. Percebi que os dirigíveis também haviam sido derrubados. A situação estava preta. Então várias pessoas saltaram do barco e buscaram proteção nas pedras. De onde estava avistei uma sombra atrás de uma rocha oval de uns seis metros de altura. A sombra de um homem com bengala, a terceira ponta de um triangulo isósceles em relação a mim e ao barco.

— Cuidado! Cuidado!

A bengala vomitou fogo.

Eu disparei, mas ele estava bem protegido. Vi um vulto caindo e corri. Os outros conseguiram puxá-lo para trás de uma pedra em forma de esquife.

Eu cheguei e vi. Diante de Beng e Ataliba, perplexos e silenciosos, ali estava, estendido no chão, vermelho de sangue, o corpo sem vida do Professor Gaspar. Completando a cena patética a garota Lícia, debruçada sobre aquele corpo, chorava desconsoladamente:

— Oh, vovô! Querido vovô! Você era maluco, mas eu o amava assim mesmo! Oh, como eu o amava!

 

 

 

Na minha profissão aprende-se a pensar rápido.

Quem quer que estivesse a bordo do discoide apanhado pelo colosso de bigodes, pertencia à equipe da Mão Negra. Mais gente da Mano Nera encontrava-se no aparelho destruído pelo barco-aríete de Gaspar. Lucy morrera; os membros da Intercrimes tombaram na praia. Talvez não restasse nenhum inimigo a não ser o Bengala. Quanto aos meus colegas, Maturina e o Caveira haviam sido atingidos, talvez mortalmente. Era uma carnificina.

Estiquei minha carabina-laser, ergui-me e falei:

— Este trabalho é meu. Não me sigam. Eu pego ele!

— Vou com você. — disse Beng.

— Fique, Beng. Valentina está subindo com o objeto e vocês têm que ajudá-la. Eu vou. Para isso eu sou mercenária, não é mesmo? Devo me arriscar!

Dei-lhes as costas e corri ao encontro de Torquato Valongo.

A tática de luta num cerrado pedregoso é complicada. Deve-se correr em campo aberto, abrigar-se atrás de cada pedra grande, cada árvore ou moita; olhar com olhos de lince, ou de águia; fazer disparos provocativos; atirar bombas em trajetórias parabólicas visando desalojar o oponente. É um jogo de gato-e-rato, ou de esconde-esconde; e eu colocara à maneira de relógio de pulso um sensor termo-biológico no braço esquerdo, para localizar o mafioso; mas a operação era difícil, pois eu e ele nos movíamos e havia outros seres vivos no campo de batalha, ou seja, fauna e flora locais, que interferiam nas medições do aparelho. Finalmente, ao rodear uma rocha enorme talhada quase como um paralelepípedo – aquele sítio até parecia uma Stonehenge, tal o aspecto artificial de suas rochas – um vulto emboscado surgiu à minha frente, bengala em riste, mas os meus reflexos treinadíssimos agiram a tempo. Acertei com minha arma na dele, impedindo-o de disparar. Para minha surpresa ele deu uma esgrimada de Zorro e a arma que eu portava voou longe. Agarrei a bengala, iniciando um corpo-a-corpo com o homem da Mão Negra. Foi uma luta feroz, ofegante, obstinada. Pelejamos durante minutos com os dentes rangendo; súbito senti a temperatura da bengala aumentar, num instante estava pelando! Larguei a bengala com um grito. Valongo, que usava luvas de couro e certamente apertara algum botão de comando de alteração térmica, sorriu triunfantemente e me bateu com a bengala no peito e na cabeça, fazendo-me cair sentada, atordoada; apontou-me então a bengala, que em sua ponta apresentava um fino orifício, e eu me vi frente a frente com a morte.

Uma pequena figura surgiu atrás do Bengala, gritando algo assim como “IAAHH!!!” e um bastão de beisebol acertou as pernas do mafioso, por trás. Torquato Valongo gemeu de dor e dobrou-se um pouco; aproveitando-se disso, Licia acertou-lhe a fronte com o bastão, com toda a força que os seus dez aninhos e a adrenalina podiam lhe permitir.

O Bengala tombou ao chão e eu soube, pelo afundamento do crânio, que não mais precisaria me preocupar com ele.

Licia abaixou-se, examinou a sua pulsação, constatou a morte e se ergueu. Por alguns instantes, sob meu angustiado olhar, pareceu presa de grande perplexidade; mas afinal deu um pulo de alegria, agitou o bastão e gritou:

— Ora vejam! Eu consegui matar! Iupiii!!! Eu tenho a força!!!

Tentei me levantar e tornei a cair, com a consciência começando a se toldar.

— Vésper! Vésper! O que foi que houve?

Ela se abaixou, abraçou-se a mim, beijou-me:

— Vésper, está passando mal? Por que chora?

Eu a enlacei, apertei-a contra mim:

— Licia... minha menina... eu não quero que você seja o que eu sou... uma assassina. Eu não quero!

E desfaleci nos braços de Licia.

 

(O surpreendente desfecho deste capítulo faz de Lícia uma verdadeira heroína infantil, a pessoa que derrotou um dos maiores criminosos da Galáxia. E, numa verdadeira curva de argumento, modifica todo o futuro de Vésper. Entretanto o caso ainda não está resolvido: o Artefato precisa ser retirado de Sombrio e devolvido à nuvem cósmica do qual havia sido roubado.

Mas, acabaram-se os problemas dentro da equipe? Uma equipe agora desfalcada de três elementos, inclusive o Professor Gaspar?

Veja em breve o capítulo 17:

VÉSPER ATACA)

 

imagem Freepik 

 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 21/02/2024
Código do texto: T8003486
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