A FACE OCULTA DA GALÁXIA capítulo 6: A peste espacial
CAPÍTULO 6
A PESTE ESPACIAL
(No episódio anterior vimos que a equipe da Cosmopol fugiu da nave Petúnia por causa das briga generalizada com dois grupos de espiões inimigos e escapando numa chalupa, são resgatados pela nave do Professor Gaspar Murdoch, aliás desafeto de Beng, chefe da missão. Na sequência conheceremos Gaspar e seus bizarros assistentes. E atenção: teremos aqui uma curva de argumento. Uma pessoa especial que surge neste capítulo irá mudar o rumo da trama. Vamos acompanhar.)
Horas depois eu me encontrava na Golem III. Era uma astronave assustadora, cujo casco possuía uma infinitude de granulações, sombras e ângulos sinistros. Era uma geometria de Lovecraft, tétrica e desesperante. Quando entramos na sala de recepção, contígua ao hangar, o Prof. Gaspar Murdoch, com sua bata branca, veio nos cumprimentar. Mas antes que ele falasse uma só palavra o Beng deu um pulo e gritou intempestivamente:
— Por todas as supernovas! O que faz essa criança aqui?
Referia-se a uma garota de uns dez anos, de cara atrevida, nariz arrebitado, vestida como um moleque. Gaspar estava também com quatro assistentes, dois de cada sexo. A menina, espicaçada pela exclamação de Beng, abraçou-se defensivamente ao cientista, que respondeu indignado:
— Ela é a minha neta Licia, Beng. Qual é o problema?
Beng perdeu as estribeiras e gritou tão alto que talvez o tenham escutado na galáxia de Andrômeda:
— Vá para o raio que o parta! Eu não perguntei quem é a garota! Perguntei o que faz ela aqui!
— Se quer mesmo saber, ela está comigo. E daí?
— E daí? E daí?
— Ela agora me acompanha, Beng. Eu volto a perguntar: qual é o problema?
Parecendo prestes a dar um ataque histérico, o chefe procurou o sofá mais próximo e sentou-se, tremendo. Licia encarou-o ferozmente:
— Vovô, eu não gosto desse homem. Posso chutar as canelas dele, posso?
— Alto aí! — disse Beng, já se preparando para defender as canelas.
— Não se rebaixe a tanto, Licia — disse Gaspar. — Ele não é digno de ser chutado por você.
Divertindo-me com a cena, observei uma vez mais aquele aloprado, a quem não via há mais de cinco anos. Ele e o Beng viviam brigando. O Gaspar era um tipo exótico, de cabeleira basta e desalinhada, um matagal que lhe emoldurava um crânio mesocéfalo e uma fisionomia enfezada, armada com um narigão pontudo. Usava óculos anacrônicos e suas mãos iam constantemente para o bolso do avental.
Beng voltou à carga:
— Para que trouxe uma criança a bordo? Nós não estamos numa excursão!
— E qual é o problema de trazer uma criança?
— Porque eu não gosto de criança! — perdendo a paciência, Beng se levantou. — Homem, você não percebe o que está fazendo? Nós estamos numa missão secreta, secretíssima, e você traz uma criança! Você vai ser punido por fazer isso numa nave da Cosmopol...
— Agora sou eu quem diz alto aí! Essa nave é minha!
Dessa vez Beng se engasgou, e cuspiu as palavras seguintes:
— O que?
Foi a menina quem respondeu:
— Foi o que você ouviu, velho bobo. A nave é do vovô, e ninguém tasca.
— Eu comprei essa nave e ofereci os seus préstimos à Cosmopol — explicou o Murdoch. — Quer ver a documentação?
— Beng, acalme-se — falei, segurando o braço do meu chefe. — É melhor aceitar a situação. Estamos muito longe para recuar e não vamos poder jogar a menina no vácuo.
— Está vendo, Beng? – acrescentou Gaspar. – Até uma idiota como a Vésper aceitou a situação. Porque você não fica quieto?
— O que? — foi a minha vez de engasgar.
A garota veio para o meu lado.
— Eu sempre quis conhecer uma idiota de verdade. Me diga, Vésper: a sua amiga aí também é idiota?
— Minha filha — falou Valentina — se não quiser que eu faça uma idiotice com você, modere os seus modos.
Quando eu pude ficar a sós com o Rotterdam, pedi-lhe explicações.
— Aconteceram coisas demais, Evel. Preciso que me explique algumas coisas.
— Mas o que, Vésper? Você está a par de tudo...
— Não estou, não senhor. Ninguém me disse que o Gaspar estava acompanhando a gente.
— Uma reserva de segurança, Joana. Pense em como isso nos foi útil.
— Mas eu não sabia que um cientista como o Gaspar podia se apresentar para a missão em sua própria nave...
— Não é típico, eu sei, mas esse homem tem certas facilidades na Cosmopol. Você viu que ele trouxe os seus assistentes...
— E nós vamos imergir no hiperespaço?
— Em trinta minutos. Antes que as patrulhas solarianas nos descubram.
— Evel, isso é ridículo! Para que vamos fugir, se somos agentes do governo?
— É melhor que a tripulação da Petúnia nos tome a todos por piratas. Não podemos chamar atenção, percebe?
— Está bem. Vou tentar descansar, e me preparar para o que virá.
Mas não foi fácil descansar. Quando fui ao W.C., ao lavar as mãos vi que tinha companhia. Valentina entrara. Ao olhá-la vi que estava com fogo.
— Oi, querida. Ninguém lhe disse, mas você foi corajosa hoje.
— Obrigada — respondi secamente.
— Eu gosto de mulheres atrevidas, sabe?
Vi que ela passava, sem necessidade, o trinco na porta externa. Voltei-me — e ela procurou me abraçar.
No momento seguinte a viking batia com as costas na parede. Quando se refez do empurrão e da batida eu já pusera as mãos, fechadas em punhos, à minha frente, pulsos cruzados no ar, em posição de caratê.
— Não me toque. Fique longe de mim.
Ela riu sardonicamente.
— Você não seria páreo para mim. Já esqueceu o que eu fiz com o porco?
— Aqui você não tem espaço para dar pulos de ninja — respondi, com uma calma mortal.
— Tudo bem. Mas você também não tem espaço para fugir.
— Saia.
A sirene tocou. Sinal de entrada no hiperespaço... em cinco minutos.
Ela deu de ombros.
— É. Não vamos ter tempo. Fica para outra vez..
— Por que não me deixa em paz, Valentina? Não tenho nada com o seu modo de vida, mas essa não é a minha praia. Não tem o direito de me incomodar.
— Talvez você tenha razão. É pena que você seja tão antiquada. Mas não fale nada a Beng e aos outros; ninguém gosta de delatores, lembre-se.
Não respondi. Ela abriu a porta e saiu, e eu respirei fundo, aliviada. Nesse momento ouvi o seu grito: “AAAI!!”
Espantada, eu fui olhar. E lá estava a espoleta da Licia com uma mangueira ligada a um tanque flutuante de uns 50 litros. Valentina recebera um jato fortíssimo na cara e estava encharcada.
— Mas que é isso? — perguntei, espantada.
Licia estava firmíssima ao responder:
— Eu ouvi tudo com o meu bisbilhotômetro encostado na parede. E como ninguém em geral acredita no que eu falo, resolvi agir sozinha. Você deixa a Vésper em paz, ouviu?
Valentina ia avançar na garota, quando a segunda sirene avisou que já era hora de nos deitarmos em nossos alojamentos. Só restava correr!
Eu começava a simpatizar com aquela pestinha...
(A entrada marcante de Licia Murdoch, neta do Professor Gaspar, começa a mudar o rumo da história. No próximo episódio de "A face oculta da Galáxia" a nave vai se aproximando de Sombrio, planeta do sistema solar de Cintilante. Onde a equipe vai vivenciar situações perigosíssimas e reencontrar o terrível homem da bengala.
A seguir, em breve nesta escrivaninha:
CAPÍTULO 7
RUMO A SOMBRIO)
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