A FACE OCULTA DA GALÁXIA prefácio e introdução: A volta do passado
Prefácio
Jorge Luiz Calife
Miguel Carqueija pertence a uma geração de escritores de fantasia e ficção científica que surgiu na década de 1980. Diferente da “geração GRD” dos anos 60, a geração 80 conseguiu vencer o bloqueio editorial contra a ficção científica nacional através dos fanzines que proliferavam de norte a sul do país, naquela época. Tínhamos o Antares em Porto Alegre, o Megalon e o Juvenatrix em São Paulo, e o Somnium do Clube dos Leitores de Ficção Científica, este juntando o pessoal do Rio e de São Paulo.
Estes fanzines deram abrigo a um grupo de escritores que cresceu em uma época em que as viagens espaciais não eram mais uma fantasia de história em quadrinhos e quando o mundo se transformava, através da revolução da informática e da biotecnologia, para criar este cenário do século 21 em que vivemos agora. Paralelamente a isso, a ficção científica passava por um período de grande popularidade no mundo, com filmes cheios de efeitos especiais, histórias em quadrinhos de grande beleza gráfica e a primeira geração dos jogos de computador. Um ambiente portanto muito estimulante para se sonhar com mundos possíveis e impossíveis.
Foi nesse período que conheci o Miguel, nas reuniões do CLFC do Rio de Janeiro e comecei a apreciar suas histórias, cheias de uma temática e um estilo bem pessoais, e cuja leitura tornava ainda mais agradável a chegada de um novo fanzine. Com nosso entusiasmo pelo papel das mulheres no futuro da humanidade várias vezes trocamos ideias e opiniões sobre novas histórias envolvendo fascinantes heroínas.
E aqui está o Miguel, em pleno uso de sua imaginação, com uma novela que envolve espionagem e ficção científica, e que nos leva para um passeio fantástico pela “Face oculta da Galáxia”. Os dois gêneros, o romance de espionagem e o romance de ficção científica se desenvolveram paralelamente no século passado, cada um contribuindo para o outro e as vezes se unindo num casamento delicioso. Pouca gente se lembra, mas o primeiro agente secreto interplanetário foi o “Buck Rogers” dos quadrinhos. Principalmente na fase desenhada por Gene Tuska, entre 1959 e 1963, quando o “primeiro herói espacial da HQ” virou um James Bond futurista, percorrendo planetas exóticos em missões para o Diretório Terrestre. Sempre equipado com engenhocas de altíssima tecnologia e acompanhado por duas belas damas: A loira Vilma e a morena Carol. Foi essa fase do Buck Rogers que influenciou o seriado de TV dos anos 70, com o Gil Gerard, o robozinho Twiki e um monte de beldades.
Mas que ninguém acuse o Buck de copiar James Bond. Os dois se desenvolveram paralelamente. Na mesma época surgiu também a espiã mais famosa dos quadrinhos, a inglesa Modesty Blaise, que influenciou a Lady Penelope dos Thunderbirds (magistralmente recriada em carne e osso, ano passado, pela Sofia Miles) e a Barbarella da dupla Roger Vadim e Jean Claude Forrest. Sim, porque a personagem da Jane Fonda no filme de 1967 é uma agente secreta em missão especial no sistema solar vizinho da estrela Tau Ceti.
A brasileira Joana Pimentel, codinome Vésper é quem nos serve de guia em “A face oculta da galáxia”. Ao contrário de suas antecessoras, a personagem do Miguel está aposentada das “missões de campo” aos 40 anos de idade, depois de perder o marido e parceiro em uma missão. Mas como toda agente secreta que se preza ela é chamada para “mais uma última missão” e resolve aceitar, forçada por uma situação econômica difícil, agravada por mais um daqueles planos econômicos do governo (parece que nem no futuro o Brasil escapa disso).
É o começo de uma aventura cheia de ação que nos leva aos cenários surrealistas do planeta Sombrio e a busca por um artefato que pode destruir o Universo. Com seu estilo cinematográfico Miguel cria uma aventura que ficaria perfeita num filme ou desenho animado daqueles bem coloridos. A trama é envolvente e arrastou-me pela madrugada a fora até o desfecho final.
Final que deixa um bom gancho para uma continuação, prometendo, quem sabe um dia, um confronto final entre Vésper e a assassina profissional Valentina. Afinal, agente secreto que se preza não se aposenta nunca.
(Jorge Luiz Calife é jornalista e conhecido escritor de ficção científica “hard”, sendo autor da trilogia de Angela Duncan: “Padrões de contato”, “Horizonte de eventos” e “Linha terminal”).
INTRODUÇÃO
A VOLTA DO PASSADO
Oi! Eu sou Joana Pimentel, mas podem me chamar de Vésper. É meu nome de guerra e eu o prefiro, mas pouca gente me conhece assim. Nos últimos anos, aliás, poucas vezes me chamaram de Vésper - desde que, aos 35 anos, perdi meu marido, Alfie, agente mercenário como eu, em combate. Eu o vi morrer em meus braços, durante uma de nossas missões. Desde então, desgostosa, me afastei do Serviço Secreto, apesar dos insistentes pedidos para que voltasse a trabalhar para a Federação. Preferi voltar para a residência da minha família no Círculo Mineiro, onde quase não precisava sair de casa, trabalhando pela Cosmonet e varrendo da cabeça as tortuosidades das missões intersiderais pela segurança planetária e solar. Aos 40 anos eu era uma tranquila dona de casa e profissional autônoma, ainda jovem, bonita e atraente para os padrões masculinos, e meus filhos estavam encaminhados na universidade. Eu me julgava relativamente feliz, embora ainda sofresse as saudades do Alfie.
Foi quando Beng, o chefe da seção brasileira da Cosmopol, veio me procurar. Ele havia sido meu chefe informal, já que eu não possuía contrato, vínculo trabalhista. Teoricamente eu poderia atribuir-lhe responsabilidades pela morte de meu esposo, mas quando íamos para essas missões sabíamos que podíamos não voltar.
Agora, aparentemente, o Estado precisava novamente de mim, e queria que eu saísse de meu voluntário retiro.
— Sabemos o quanto foi traumatizante o que aconteceu com Alfie — foi dizendo ele — Mas já se passaram cinco anos e você não vai querer, é claro, passar o resto da vida entre robôs domésticos e trabalhando com monografias. Mas não é só isso. Nós precisamos de você, de suas habilidades. Há um grande perigo no ar, e você não pode ficar de fora. É até uma questão de patriotismo.
Vontade eu tive de lhe dizer onde deveria enfiar o seu patriotismo. Afinal as minhas atuais dificuldades econômicas — e eu as tinha!— relacionavam-se com a política estúpida do Primeiro-Ministro Henrique, pois os salários estavam congelados, os preços subiam, ninguém tinha dinheiro para pagar por serviços e os nossos maiores recursos eram canalizados para o pagamento de juros de dívidas.
Mas havia um fator que me limitava. Eu estudei em colégio de freiras e adquiri uma inibição insuperável para falar palavrões. Outras coisas eu faço, é claro. Posso lutar, utilizar armas pesadas, matar. Mas palavrões eu não digo. Fazer o que?
Como quer que seja, ainda procurei me esquivar:
— Faz cinco anos que eu não saio em missões. Já estou muito enferrujada.
Ele serviu-se dos bolinhos de bacalhau oferecidos pelos robôs-bandeja e sorriu:
— Rainha é sempre rainha, Joana. Tenho certeza de que você não perdeu suas velhas habilidades.
— Se for assim, para início de conversa pare de me chamar de Joana. Se eu realmente aceitar a missão, a força do hábito poderá me perder.
— Ah! Ah! Ah! Está vendo? Já se pôs na defensiva! Este bem, Vésper. Vejo que você vai aceitar.
— Mais devagar. Não sei ainda que diabo você quer comigo e da última vez eu perdi o meu marido e convenhamos, não precisava mais do que isso para me afastar de vocês.
— Por que não se casou de novo?
— Tenho os meus filhos para me ocupar...
— Que agora estão na faculdade, moram lá em Fernando de Noronha e não te dão nenhum trabalho...
— Qual é o problema, Beng? Não gosto de perder o meu tempo.
— OK. Você conhece Sombrio?
— Aquele planeta de Cintilante? Puxa, fica a uma distância estúpida...
— ... nos confins da galáxia conhecida. Alguma coisa muito importante para a Federação perdeu-se por lá ou para lá foi levada, e nós vamos ter que recuperá-la.
— Apenas isso?
— O Alto Comando programou também a morte do comandante Teplê K. Vichtis, classificado atualmente como inimigo n°1 da Terra pela alta periculosidade que esse homem representa para os nossos planos.
— Homem?
— Bem, a rigor ele é um batráquio chifrudo macho, mas isso é só um mero detalhe.
— Eu não gosto disso, Beng. Não gosto de matar. Se é para isso...
— Não tem que se preocupar. Foi por causa desses escrúpulos morais que o Alfie morreu. Se você e ele não tivessem poupado o inimigo quando tiveram a oportunidade de eliminá-lo...
— Não me recorde essas coisas. Você diz para que eu não me preocupe? Posso saber por que?
— É claro. Nós contactamos com uma conhecida assassina profissional e é ela quem fará o trabalho sujo.
— O que? Quem é ela?
— Você já deve ter ouvido falar: Valentina.
Claro que ouvira! Valentina, a matadora. Ou Valentina, a mortífera. Ninguém — provavelmente nem ela própria — sabia quanta gente Valentina já mandara para o outro mundo. A sua fama de violenta, fria e implacável, hábil com qualquer arma, perita lutadora, atravessara a Galáxia. Mas ninguém sabia quem era Valentina, um nome de guerra como Vésper. A ideia de trabalhar lado a lado com a carniceira me repugnava, por isso pensei mais uma vez em recusar. Beng, porém, pareceu ler meus pensamentos:
— A propósito, Vésper, como está a sua conta econômica?
Ele tocara no meu ponto fraco, e sabia disso.
— Se você quer saber, a indenização pela morte de meu marido já se acabou há muito tempo.
— E você tem despesas altas. Manter dois jovens na faculdade...
— Fora outras coisas, é claro.
— Bom. Você aceita, não aceita?
No fundo eu já sentia a comichão da aventura, mas faltava uma coisa:
— Quero saber mais. Não vou atravessar meia galáxia no escuro. Nós vamos atrás de que?
— Isso é segredo de estado, Vésper.
— E como você quer que eu vá numa missão arriscando minha vida, sem saber do que se trata?
— Você saberá o que for necessário à proporção que nós avançarmos... se você nem aceitou a missão, como é que eu posso lhe revelar o que é?
— Eu sei. É uma armadilha de vocês. Se eu aceitar saberei do que se trata e aí não poderei voltar atrás porque vocês já me revelaram, e sem estar na missão não poderia saber. Aí vocês me matam, não é?
— Vésper, não seja tão trágica...
— Não há nada que você possa me revelar extra-oficialmente? O que é que vocês perderam lá? Tenho quase certeza de que não foram as cuecas do primeiro-ministro. Afinal, as fêmeas de lá não são muito atraentes.
— Foi um objeto. Apenas isso.
Levantei-me e encarei-o.
— Que objeto pode ser tão importante a ponto de que vocês me contratem e a uma assassina conhecida? Não somos baratas e você sabe disso.
— Esse objeto... pelo que me foi revelado... é um cristal translúcido de tropismo dimensional em forma de chapa e relacionado com a estabilidade do Cosmo. Isso é o bastante?
— Se isso tudo significar alguma coisa, acredito que sim. Quando é que eu parto?
— Não quer saber quanto você vai receber?
— Não, porque eu já sei. Quem faz o preço sou eu, lembra-se? São quinhentos mil virtuais pagos adiantados, agora, e o resto a gente vê depois.
— Está bem. Está dentro de meus limites. Ainda bem que eu não tenho que pagá-la do meu bolso...
(Joana Pimentel, a lendária Vésper, agente secreta da Terra, começou a contar sua história, a história de seu regresso à ativa e de todos os acontecimentos dramáticos que estão reservados, numa missão importantíssima para a Humanidade. No próximo episódio Joana conhecerá uma personagem de suma importância no desenrolar da trama. Aguardem:
CAPÍTULO 1
VALENTINA)
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