A fruta de Afrânio Peixoto

 

A FRUTA DE AFRÂNIO PEIXOTO

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance “Fruta do mato”, de Afrânio Peixoto. W.M. Jackson Inc. Editores, Rio de Janeiro-São Paulo-Porto Alegre, 1944.

 

Romance volumoso, com mais de 350 páginas se contarmos as notas finais, passa-se em alguma região da Bahia no último ano do Império. Bem escrito e estruturado, narrado na primeira pessoa pelo advogado Vergílio de Aguiar, termina de forma patética depois de atravessar uma série de dramas amorosos, sociais e passionais, refletindo ainda bem forte as sequelas da escravidão recentemente abolida.

Apesar dos sofrimentos, conflitos e tragédias, tem o seu lado cômico. Por exemplo, num tempo em que não havia tv ou sequer rádio, mas só o telégrafo, o telegrafista Geraldo é preso como “doido furioso”, porque, republicano ferrenho, recebeu a notícia da proclamação da República. O Dr. Vergílio, ao saber da “loucura”, espantou-se: “Mas eu estive com ele, ainda esta manhã, de saúde perfeita!”, ao que o sentinela da cadeia respondeu: “Juízo é mesmo para se perder”. E o Zoroastro acrescentou mais detalhes: o Geraldo tinha procurado o Coronel Libânio para contar a novidade e “como o Libânio não pudesse crer em todas essas maluquices” (sic) ele se exaltou e acabou sendo preso.

Não são muitos os personagens, mas bem delineados. Vergílio, aparentemente um sujeito equilibrado, mas capaz de se perturbar com a sedução de uma mulher casada e menos culta, a quem ele mal conhece; Gracinha, a garota, filha da preocupada Dona Loló, que sendo requestada por três homens (Vergílio, Zoroastro e Espiridião) sem que ninguém se decida, acaba fugindo com o Pulquério, definido como um “joão-ninguém”; Américo, amigo de Vergílio e esposo de Joaninha, que aparece pouco, sendo a figura do marido traído; Joaninha, ambígua, que faz de tudo para seduzir Vergílio, que fica na corda bamba e é o tipo do sujeito indeciso. E Onofre, o zelador da fazenda Corre-Costa com sua fama de mal-assombrada — Onofre, mestiço que odiava brancos e negros e cobiçava Joaninha.

O romance entra em detalhes terríveis sobre o tratamento dado aos escravos até a abolição de 1888 e as sequelas que ficaram. Desvenda também um pouco da vida rude, precária e sem lei desses sertões brasileiros.

É um livro que consegue manter o interesse do leitor, não faltando algumas páginas com o típico desafio de repentistas, só que uma mulher (Salvina) e um homem (Sebastião), com desfecho trágico, em que Benedito, que vivia com Salvina, enciumado, luta a faca com Sebastião, que leva a melhor, derruba o outro com uma facada e foge com a Salvina.

A notar, porém, que o livro é escrito com sobriedade, sem o viés pornográfico de tantos romancistas sociais mais modernos.

 

Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2023.

 

Na foto um pouco da minha babel de livros e revistas. Mostrei a folha de rosto do livro resenhado, porque é uma edição encadernada, sem figura ou letras na capa dura. Pegaram lambuja na foto um número do mangá Akame ga kill e uma biografia infanto-juvenil do Padre Anchieta.