Neblina e a Ninja, epílogo: Consagração

 

EPÍLOGO

 

CONSAGRAÇÃO

 

 

 

A mesa era comprida e tinha uma porção de cadeiras ao redor. O Secretário de Segurança Adolfo presidia a reunião, mas o centro das atenções era Neblina. Presentes também o Inspetor Madeira, Isabela, Ruiz, Cordeiro, Fagundes, Empédocles, Letícia, Lustosa e Robson, além das surpreendentes presenças de Sonia e Darci. Este, desde que fôra compelido a renunciar, reassumira o seu cargo de delegado federal e insistia em prosseguir engajado no combate aos piratas. Podia ter seus defeitos, mas era um homem corajoso. Sonia era outro caso. Antes da reunião conseguira ficar uns cinco minutos com Neblina e insistira em participar.

— Eu quero me unir a você. Até o dia em que você me salvou eu não tinha clara idéia do que deveria fazer na vida. Agora eu sei. Quero combater o crime.

— Mas, Sonia, não está fazendo faculdade de Arquitetura?

— Sim, e daí? Você também não tem estudos?

— E que pretende você fazer?

— Não quero ser policial como meu pai. Quero ser uma vigilante, como você.

— Você teria de obter inscrição dentro das normas do Estatuto...

— Sei o que você quer dizer: que eu não sou superdotada. Bem, e se eu for? Nunca fiz testes de inteligência, mas acho que sou inteligente.

“Mas o suficiente?”, pensou Neblina.

— Olhe, Sonia, eu realmente tenho a ideia de formar um grupo de garotas... eu as chamaria de as Névoas... trabalhariam comigo, tanto mais que a guerra não acabou e eu preciso de ajudantes. Conversaremos depois!

— Deixe-me assistir à reunião!

— Você não pode... creio eu...

— Eu sou filha do Inspetor-chefe e sua amiga e futura auxiliar. Quem poderá me barrar?

— Oh, está bem. Por mim você pode. Até porque o Madeira lhe contaria tudo depois...

— Ótimo! Você é grande, Neblina! Você me treinará em luta corporal, não é mesmo? Também quero poder enfrentar ninjas!

 

 

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E ali estava Sonia, ao lado do pai. Só quem não estava era “Z”. Não gostava de se expor e havia muitos jornalistas por perto. E, claro, faltava também Barracuda, uma das últimas vítimas fatais da Ninja.

Neblina fizera a sua narrativa. Embora cansada e com rasgões e equimoses, não podia retardar a conferência.

O raide dos piratas concluíra-se num retumbante fiasco. Sem a Ninja, que, de posse da caixa de cristais, iria para um refúgio nas montanhas e, de lá, lançaria um ultimato de rendição ao governo de Brasília, eles não tiveram outra alternativa senão a de tentar furar o cerco. Nessa operação morreram vinte e seis bandidos, inclusive Nicolau e Camarinha, e doze estavam presos, quatro deles – três homens e uma adolescente de dezesseis anos – com ferimentos graves. Sabia-se que a quadrilha dos Bandidos Negros estava dizimada. Tomasino, secretamente, negociara a vinda de vinte comandos romenos, altamente treinados em luta com piratas, e juntara-os na hora H do confronto. Fizera o que Darci não quisera fazer por orgulho.

— Tive que retornar — disse Neblina. — Até porque o veículo dela tem mais autonomia de vôo que o meu. Calculo que ela foi se juntar ao resto da caterva e deve estar tentando fugir do país.

Robson ajuntou: — É claro. A derrota foi muito grande.

— Mas eu aconselho a que essa mulher seja caçada sem tréguas e que a caçada se estenda aos outros países. Se ela permanecer viva e livre, voltará para se vingar. Até porque a sua derrota, entre nós, foi pior que na Romênia.

— Graças a você, é claro — lembrou Sonia.

— Pediremos ajuda internacional... — observou Darci.

Agora todos engoliam Neblina. A aceitação da garota-detetive era geral, pois ela se tornara uma heroína da nação. Até Adolfo, a contragosto, já a tolerava.

— Ajuda internacional — disse ele — é com o governo e transcende o nosso gabarito. Só nos resta recomendar... contudo eu não acredito que ela volte.

Neblina discordou: — Eu acredito, secretário. Sybilla é uma mulher especial... no mau sentido. Ela não absorverá a derrota facilmente.

— Está bem. Estaremos preparados para ela.

— Sobretudo — interrompeu Madeira — é preciso acabar com essa palhaçada de proibir a polícia de usar veículos aéreos.

A alfinetada atingiu diretamente o Jujuba, que porém já não possuía autoridade sobre o inspetor-chefe e não poderia puni-lo pelo atrevimento. Além do mais as evidências estavam a favor de Madeira.

— Isso não é mais comigo — respondeu Darci. — Por favor, modere a sua linguagem.

Madeira não se dignou a responder e Neblina, levantando-se, finalizou:

— Bem, amigos. Já fiz o meu relatório, já contei tudo o que se passou e vocês já gravaram tudo. Agora eu vou embora. Estou muito cansada e machucada e preciso me recuperar.

Surpreendentemente foi Adolfo quem primeiro anuiu:

— Claro, claro. Não se pode exigir mais de você. Pode ir — e cuide-se.

 

 

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Neblina dobrou o corredor a passos lentos, pois sentia-se esgotada e moída a pancada. Em seu reduto faria até uma monitoração para detectar e tratar as lesões internas.

— Neblina!

Ela se voltou e viu Robson que se aproximava rapidamente.

— Preciso falar com você.

— Pois não, Robson.

— Você vai sumir de circulação ou manter contato comigo?

— Até segunda ordem ficarei em Brasília... temos que terminar de limpar a cidade...

— E depois?

— Irei para onde for necessário...

— Você é necessária aqui. Para mim, inclusive.

— Deveras?

— Neblina, eu amo você. Realmente. Nunca notou?

Ana sorriu.

— É muito bonito me dizer isso, Robson. Ainda que, depois da esfrega de hoje, eu não consiga ser romântica...

— Por favor, não seja irônica. O que eu quero saber é quem é você realmente. Qual é o seu nome. E se nós poderemos nos casar um dia. Você será toda a vida uma vigilante sem rosto?

— Isso às vezes me preocupa. É um triste sinal da nossa época que uma ninja criminosa já não precise esconder o rosto... e que eu precise. Mas me dê um tempo. Eu gosto de você e sou feminina. Mas não sei se posso pensar no amor, agora.

— Já beijou alguém nos lábios?

— Ainda não, Robson... mas posso fazê-lo.

Trocaram um beijo rápido e suave. Então, como quem não queria nada, a mão direita de Robson procurou a máscara de Neblina e segurou-a pela borda. Quase no mesmo instante os dedos da mão esquerda da garota se fecharam em torno do pulso do rapaz, numa atitude inequívoca.

— Robson, NÃO.

— Está bem, desculpe. Mas quando poderei saber o seu nome e ver o seu rosto?

— Algum dia... talvez mais cedo do que você pensa. Me deixe ir agora, querido, por favor.

Ela alisou o peito de Robson e, dando-lhe as costas, afastou-se agora a passo rápido. Robson ficou a olhá-la.

 

 

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Neblina girou a maçaneta da pesada porta de mogno escuro que dava para o átrio da chefatura. Toda a imprensa estava numa sala própria, aguardando o fim da reunião para uma entrevista coletiva. Ninguém sabia que a heroína nacional sairia antes. Ana contava se esquivar da imprensa, mas não esperava pelo que viu ao abrir a porta.

No sopé da pequena escadaria e em volta das grades do corrimão, um aglomerado de pessoas as mais variadas, com grande número de crianças, sob a luz já noturna.

Perplexa, Neblina viu-se diante de uma entusiasmada aclamação. Bandeirinhas e cartazes se ergueram, serpentinas coloridas foram jogadas. Os cartazes diziam: NEBLINA É NOSSA HEROÍNA; VIVA A SALVADORA DA PÁTRIA; O POVO BRASILEIRO AGRADECE À VIGILANTE NEBLINA. E assim por diante. Os aplausos vieram, ensurdecedores. Neblina sorriu, lisonjeada, e seu coração jovem e generoso bateu mais depressa. Esquecendo as dores, desceu os degraus e juntou-se à multidão.

Foi um não acabar de beijos, abraços, apertos de mão, congratulações, pedidos de autógrafos, poses para fotografias. Jovens mães, aliviadas porque seus filhos agora tinham segurança, rodeavam Neblina, crianças disputavam o privilégio de tocá-la e falar com ela.

— Neblina, você nunca nos abandonará, não é?

— Nós precisamos de você!

— Você é o nosso anjo da guarda!

Um garoto de doze anos chegou-se a ela e apontou para a máscara:

— Neblina, você não pode tirar essa máscara? Eu queria tanto ver o seu rosto!

Ana beijou seu jovem admirador e respondeu;

— Oh, oh. Isso não é possível, querido. Nem a Ninja conseguiu tirar a minha máscara.

Algumas crianças protestaram contra a pretensão do garoto, que teve de se contentar com o autógrafo. Uma menina sardenta, de uns nove anos, tocou o braço da mascarada;

— Você acha que ela volta, Neblina? Se ela voltar você a pega de novo, não é?

— É claro, meu bem. Não se preocupe mais com a Ninja.

E mais pessoas se acotovelavam. Sentindo-se leve, observando toda aquela gente de todas as cores e condições — aquela parte boa da humanidade, que ela amava sinceramente — Neblina, sorridente, beijava, cumprimentava e autografava.

 

 

 

 

FIM

 

NOTA: Esta história foi, até aonde eu sei, o primeiro romance brasileiro de ficção científica publicado em capítulos num fanzine, o MEGALON, editado em São Paulo por Marcello Simão Branco. Isto foi no início da década de 1990 e praticamente foi um reviver da antiga tradição dos romances que no século 19 saíam aos poucos em jornais, eram os chamados folhetins.

Na época eu pretendia escrever uma continuação, onde Neblina voltasse a enfrentar a Ninja, mas nunca cheguei a fazê-lo. Havia outras ideias reclamando a minha atenção e agora parece pouco provável que a história seja escrita. Entretanto em época recente dei início a uma prequela, mostrando aventuras de Neblina pelo Brasil, antes dela ir para Nova Brasília sob o patrocínio do misterioso "Z". Esta novela eu espero completar. Mas ainda tenho esperamça de produzir a continuação de "Neblina e a Ninja". (Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2023)

 

 

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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 19/09/2023
Código do texto: T7889656
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