A ampulheta quebrada, capítulo 4: A ampulheta fala

 

(Confiram os episódios anteriores na categoria novela: 24 de abril, 28 de junho, 18 de julho e 2 de agosto; este texto está saindo mais devagar que a novela "Neblina e a Ninja" por estar ainda em construção.)

 

CAPÍTULO 4

 

A AMPULHETA FALA

 

 

De volta à biblioteca, Lotar trocou algumas palavras com seus colegas investigadores:

— Vocês acham mesmo que essa irmandade pode nos causar problemas?

— Com certeza, eles são um poder paralelo — respondeu o Inspetor Ardósio, visivelmente de mau humor.

— Ele praticamente nos ameaçou — completou Elisberta.

Lotar deu de ombros.

— Estamos perdendo tempo. Temos simplesmente que desvendar esse mistério. Vocês têm alguma ideia?

— Ainda não completamos todos os interrogatórios e o relatório geral já tem 300 páginas. Você quer ler?

Lotar colocou a mão pensativamente em torno do queixo e da boca:

— Não, deixo isso à sua capacidade. Prefiro examinar a biblioteca, quem sabe acho a verdadeira espada escondida entre os livros...

Ardósio deu uma olhada panorâmica na imensidão da biblioteca:

— Um trabalho e tanto, detetive.

— Tenho duas pessoas para me ajudar...

— Está bem; fiquem à vontade, que eu vou agir. Hoje devo completar os interrogatórios, mas todos os presentes na festa afirmaram até agora que não viram nem ouviram nada.

— Se o senhor cruzar todos os depoimentos, onde estiveram, com quem falaram, com quem dançaram, onde estavam na hora aproximada do crime, se falaram com o morto, o que foi que ouviram dele... poderá chegar a conclusões interessantes.

— Sei fazer o meu serviço — Ardósio foi seco. — Agora, se me dão licença... vamos, Elisberta.

Depois que eles saíram Ariel chegou perto de Lotar e perguntou:

— Fala sério, Lotar? Nós vamos vasculhar milhões de livros?

— Eu tinha de dizer que iríamos fazer alguma coisa, não tinha?

— Mas então...

— Minha prezada, você evidentemente está subestimando o nosso amigo mágico. Você acha mesmo que ele quebrou a ampulheta para marcar a hora em que foi morto? Isso tem tanta importância assim? Não acha que o médico legista já vai nos dizer esse detalhe?

— Você pode ter razão, Lotar, mas então a ampulheta quebrou durante a luta?

— É claro que não. Orpanto, o que você acha?

— Eu me espanto que o vidro da ampulheta não fosse inquebrável.

— Capital! Capital! É exatamente por aí, Orpanto! Estou vendo que você não é tão tapado quanto parece!

— Então pelo jeito eu sou tapada... — observou Ariel, sorrindo. — Porque não estou entendendo nada.

— Para falar a verdade nem eu — acrescentou Orpanto. — Qual é a importância de a ampulheta não ser inquebrável, fora o fato óbvio de que ela quebrou?

— Ora, dêem uma olhada.

Foram até a mesa e Lotar apontou as letrinhas nas especificações do objeto, no friso dourado de sua base.

— O que diz aí?

— Diz: material inquebrável — admitiu Ariel, esticando as suas orelhonas de espanto.

— Estão vendo? O vidro era inquebrável, mas quebrou.

— E o que você deduz disso? — indagou Orpanto.

— É por isso que o detetive aqui sou eu — Lotar foi descaradamente imodesto. — Mesmo materiais inquebráveis em circunstâncias normais podem quebrar em circunstâncias anormais.

— Você quer dizer que usaram uma ferramenta especial... mas por que afinal...

— Não foi isso que eu quis dizer. Ártemis, antes de morrer, usou sua magia para quebrar o vidro da ampulheta e lançar um encanto qualquer na areia.

— E com que finalidade? — indagou Ariel, coçando sua enorme orelha esquerda (suas orelhas tinham quase um palmo de comprimento na horizontal).

— Eu só vejo uma: nos dizer quem foi que o matou.

— Você está de brincadeira...

— Eu estou sempre brincando, Ariel, menos quando eu falo sério, como nesse caso. Como é que eu vou brincar de resolver um enigma policial? Seria expulso da Associação de Detetives Particulares!

— Como é que a ampulheta vai nos dizer? — atalhou Orpanto.

— Se eu estou calculando bem, vai ser muito fácil.

E Lotar pôs-se a derramar um pouco da areia sobre a mesa, compondo habilmente a pergunta: “Quem matou Ártemis?”

Deixou a ampulheta em posição deitada, assim permitindo que o resto da areia saísse. E diante dos olhos incrédulos e arregalados de Orpanto, a areia saiu formando um fio e começou a elaborar letras sobre a mesa. Ariel, mais acostumada com poderes, estava admirada mas não tanto como Orpanto.

— Lotar, você não é um mágico. Como pode...

— Estou apenas fazendo uso do recurso que nosso falecido amigo deixou engatilhado, querida amiga. Mas não fale nada, quero vocês dois como testemunhas. Vamos observar o nome, prestem atenção!

Levou alguns minutos, mas o nome do assassino finalmente apareceu com toda a clareza. Um nome que surpreendeu Orpanto e Ariel, mas não Lotar, que nunca se espantava com nada.

 

 

(Imagem Pinterest)

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 06/09/2023
Código do texto: T7879265
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