A ampulheta quebrada , capítulo 3: A Irmandade da Sombra Persistente
CAPÍTULO 3
A IRMANDADE DA SOMBRA PERSISTENTE
22/6/23
Estavam as coisas nesse ponto quando um funcionário da casa apareceu na entrada do aposento e se dirigiu à detetive Elisberta, que se achava mais próxima da porta, e lhe sussurrou qualquer coisa. Lotar e Orpanto perceberam a distância que ela indagou: “Tem certeza que é mesmo...” e o sujeito respondeu: “Absoluta, ele tem o holograma flutuante”.
— Complicações — observou Lotar discretamente para seu colega. O detetive-inspetor Ardósio, informado do que se passava, saiu rapidamente da biblioteca.
— Vamos lá? – indagou Orpanto.
— Para que, meu amigo? Não precisamos nos mostrar sôfregos. Aguardemos aqui mesmo.
— Mas a visita...
— Certamente, um membro da Irmandade da Sombra Persistente, e boa coisa não veio fazer aqui. Mais uma razão para não nos precipitarmos. Com essa gente todo cuidado é pouco.
Ariel passou a mão em sua orelha esquerda e observou:
— Precisamos elucidar esse caso. Essa irmandade tem fama de ser vingativa. Eu aconselho a irmos atrás, eu pelo menos irei.
Lotar concordou relutantemente.
Os três personagens saíram para o corredor de lambris envernizados e azulejos nas paredes e apressaram o passo acompanhando Elisberta e Ardósio, até o grande salão de recepção, onde um personagem austero e majestoso, alto, magro e cavanhacudo, desprezando sofás e poltronas de luxo andava de um lado para o outro, as mãos nas costas. Ao ver chegarem duas pessoas e mais três, foi logo dizendo:
— Não precisava uma comitiva. Detetive-inspetor Ardósio, já nos conhecemos. Sou Lux Everanto, Grão Mestre da Venerável Irmandade da Sombra Persistente.
— Sim, Mestre Lux. Já nos conhecemos há tempos — e pelo modo como falou o policial não parecia sentir nenhum prazer em reconhecer a veracidade daquele conhecimento. Embaraçado, apresentou os demais.
— A elfa eu já conheço — e ao pronunciar o termo “elfa” o venerável grão mestre mal escondeu o tom de desprezo. De fato, muitos humanos ligados a sociedades mágicas detestavam os elfos.
— Sim — confirmou Ariel. — Já vi o senhor em companhia do Sr. Ártemis Olovino.
— Nosso Grão-Mestre decano, vocês sabem. Eu serei rápido. Já sabem quem perpetrou esse crime?
— A polícia está recolhendo todos os indícios existentes — respondeu o inspetor, pouco à vontade.
— Isso não é o bastante, inspetor. A Irmandade quer que uma solução seja apresentada o quanto antes. Quem fez esta barbaridade terá de pagar e caro.
— As leis aqui são severas quanto a assassinatos, mestre.
Lux fechou o punho esquerdo.
— Quero saber também o que está por trás disso. Por que o matariam? Não acredito que tenha sido uma pessoa só.
Disse isso e olhou para a elfa, como se a visse pela primeira vez.
— Você também se chama Lux, não é mesmo?
— É o meu sobrenome — Ariel, ao responder, estava ainda menos à vontade que o policial.
O sujeito olhou firme para Ariel, como se portar um nome igual ao dele fosse algo como um crime hediondo, ainda mais vindo de uma elfa. Mas Ariel sustentou o olhar e o homem acabou se voltando para o inspetor.
— O que vocês descobriram até agora?
— Bem, na verdade...
— Descobrimos que a espada de Ártemis Olivino foi toubada e puseram uma falsa em seu lugar — interveio Elisberta, e isso não agradou muito a seu superior.
Foi quando Lotar resolveu opinar:
— Se me permitem, isso praticamente explica o móvel do crime. O objetivo deve ter sido pegarem a arma mágica.
Luz fuzilou o olhar sobre o detetive aposentado, mas na verdade concordava com ele.
— Convocarei os membros da Irmandade. Saberemos reconhecer essa espada e o ladrão e assassino, assim o creio, logo será identificado. Mesmo que seja alguém que estivesse na festa — disse escandindo as palavras e olhando para a elfa. — A Irmandade, quando ofendida, é implacável! Bem, avisarei a família e os membros... Inspetor Ardósio, comunique ao nosso escritório qualquer novidade importante no caso!
— Com certeza, senhor...
— E quanto ao senhor, Lotar, não é mesmo? Conheço a sua fama. Todavia, não atrapalhe as investigações com intervenções vaidosas. Todavia, ficaremos gratos se a sua participação no caso se revelar útil. Passem bem, senhores.
Retirou-se pisando duramente. Lotar, Ariel e Orpanto se entreolharam e o último murmurou:
— Energúmeno...
Só então se deram conta de mais uma presença, que se acercara sorrateiramente.
— Ouviram o que ele disse, não ouviram?
Todos os presentes fitaram o recém-chegado, o homem de cavanhaque e fraque, majérrimo e com sapatos de veludo que não faziam barulho.
Ardósio ficou meio embaraçado mas recuperou logo o auto-domínio:
— Não sabia que o senhor estava aqui, Conde Odivaldo Ariosto.
— É o proprietário do castelo — sussurrou Orpanto a Lotar.
— E só contaram a você? — respondeu Lotar com ironia.
O Conde Odivaldo ignorou a observação do inspetor e dirigiu-se a todos:
— Precisamos preservar a boa imagem do Castelo Iguatemi. Portanto é absolutamente necessário que o assassino seja preso e justiçado, seja quem for. Não podemos poupar esforços, entenderam bem todos os presentes? Não posso admitir que o bom nome do Castelo Iguatemi seja arranhado, e portanto quero que a polícia e os investigadores particulares apresentem resultados o quanto antes, sobretudo para que a Irmandade não crie problemas para o castelo!
Pela maneira como ele falava, parecia que o bom nome do Castelo Iguatemi era muito mais importante que a vida do ilustre mágico Ártemis Olovino.
Ariel, com a ingenuidade franca própria de elfas, observou:
— Senhor Conde, que tipo de problemas a Irmandade poderia causar ao Castelo Iguatemi?
Odivaldo olhou-a com irritação evidente:
— Todo o tipo de problemas, se é isso que deseja saber. Inclusive a interdição deste local, ou pleitear uma indenização monstruosa.
Lotar interveio de forma a causar espanto:
— Senhor Conde, não devemos perder de vista a natureza da investigação. Agradar a essa irmandade ou evitar constrangimentos e prejuízos ao castelo são objetivos secundários.
— Eu concordo — apoiou o Inspetr Ardósio. — O que realmente importa é identificar e prender o assassino ou assasssinos de Ártemis.
— Não, Inspetor Ardósio. Por incrível que pareça, ainda existe algo mais importante.
Ardósio voltou-se para Lotar, incomodado por ter sido contestado.
— Como assim, Lotar? O que pode ser mais importante que a punição dos culpados?
— O mais importante, inspetor, é pegar a espada de Ártemis de volta e descobrir porque a roubaram, com que finalidade. Só Deus sabe o que uma arma dessas poderá fazer em mãos erradas.
O conde bateu com a bengala no chão, impaciente.
— Senhores, esta não é hora de filosofar; não me importa a motivação dos senhores, desde que resolvam logo esse caso como é do seu dever, e que hajam com discrição. Não há razão alguma para irritar a Irmandade da Sombra Persistente. Ela inclusive é das mais importantes acionistas da sociedade anônima que controla o castelo, e da qual eu sou presidente. Portanto, falei o que tinha de falar. Com licença. E mantenham-me informado de qualquer dado novo.
Depois que ele se foi, Ariel cutucou Orpanto:
— A quem mesmo você tinha chamado de energúmeno?
— São dois — admitiu ele.
— Não importa — disse Lotar. — Sempre encontro energúmenos no meu caminho, mas eles nunca destruíram as minhas investigações!
(imagem pinterest)