Neblina e a Ninja, capítulo 6: Armadilha para uma heroína

 

CAPÍTULO 6

 

 

ARMADILHA PARA UMA HEROÍNA

 

(No capítulo anterior acompanhamos uma reunião da polícia onde se discutiram providências a respeito da Ninja e sua quadrilha dos Bandidos Negros. Ficou evidenciado que Neblina já tinha inimigos no departamento de polícia, sobretudo o Inspetor Lustosa, que não escondeu sua hostilidade à vigilante mascarada. Como agravante da situação, parece que o crime organizado de Brasília não seria obstáculo às pretensões da Ninja. Neblina, porém, dispondo de tecnologias especiais, conseguiu rastrear o possível esconderijo da gang.)

 

 

Orquídeas gigantes. Brinco-de-princesa. Margaridas. Hera, hera e mais hera. Gameleiras gigantes.

Neblina, saindo da muralha de pedra, abriu caminho pelo matagal fechado e cheio de coleópteros. Guiada pela bússola, pretendia colocar-se a distância suficiente da Vila de Gnaisse, para fotografar o movimento.

Entretanto sabia-se da existência de habitantes errantes nas terras-de-ninguém, ciganos, vagabundos, marginais. Era possível que os Bandidos Negros não estivessem lá, onde Ana os supunha.

Por alguns minutos Ana desceu, acreditando estar a uns trezentos metros a oeste da vila. Sabia porém que o terreno devia logo começar a subir, e que de um outeiro próximo seria possível avistar as construções. Ou então havia o recurso de subir em alguma árvore.

Afastando alguns cipós, Neblina, sentindo-se suar, fitou a encosta marrom-tijolo, íngreme, da colina, e dela se aproximou.

Súbito uma aparição negra surgiu do mato e, na clareira ao pé da encosta, fitou Neblina. Logo outra aparição pulou sobre uma grande pedra e rosnou. Neblina olhou em volta: de um grupo de palmeirinhas uma terceira figura se materializou.

Três panteras negras.

Ana encontrava-se em terreno descoberto. Para subir num jacarandá próximo teria de passar por uma das panteras, e todas a olhavam fixamente. Neblina rodou o olhar, cautelosamente. As feras usavam coleiras.

Elas tinham, ao que parecia, um objetivo bem determinado. Aproximaram-se vagarosamente, rosnando, fechando o cerco. Neblina posicionou-se bem no centro do espaço e, com as mãos na cintura, encarou os felinos, um a um.

Os felinos retribuíram o olhar.

Neblina continuava a olhar. Os leopardos cessaram de avançar. Súbito Neblina avançou, batendo o pé no chão:

— Passa! Vai embora!

A pantera mais próxima recuou, espantada, sentou-se e miou. Neblina voltou-se para as outras duas, que hesitavam:

— Fora daqui! Vão-se embora! Já!

Avançou para elas e apontou para a distância:

— Eu disse vão embora! Fora! Passa!

Elas foram recuando. Neblina voltou-se e repetiu ordens semelhantes para a restante, que, resmungando, passou a um metro da mascarada e juntou-se às companheiras.

As três panteras apressaram-se em penetrar no bosque e desaparecer de vista.

Neblina não sabia, mas estava sob observação. A quinhentos metros dedos grandes e vigorosos seguravam um binóculo.

— Mas é incrível!

— Sybilla, podemos alvejá-la!

— Não, Nicolau! Nunca! A distância é grande e ela está usando a tal capa! Não se lembra?

— Mas ela vai escapar!

— Mande uma patrulha atrás dela! Mas se a encontrarem, que a tragam viva!

Assim que as ordens foram transmitidas a Ninja chamou Nicolau e confidenciou-lhe:

— Sabe... já ouvi falar de pessoas assim... capazes de exercer domínio sobre o reino animal...

— E como se explica isso?

Sybilla ouvira dizer, no Tibet, que isso tinha algo a ver com a pureza interior das pessoas. O domínio sobre os próprios sentidos e desejos (a santidade, no conceito cristão) incluía o domínio sobre os seres da natureza. Mas não lhe agradava admitir coisas desse gênero.

— Não sei. Só sei que ela é mais perigosa do que eu julgava.

— Não será melhor matá-la de uma vez?

— Não e não, Nicolau. — aqui Sybilla soltou o binóculo, deixando-o pender do pescoço. — agora mais do que nunca eu a quero viva... para as minhas mãos.

O diálogo se passava num terraço da Vila de Gnaisse.

Neblina não esperou que outras coisas acontecessem. Percebendo que sua presença devia ser conhecida, concluiu que desta vez fôra longe demais e não era prudente continuar. Retirou-se numa diagonal que a afastava da vila mas a aproximava da muralha, num ponto diferente daquele do qual saíra.

Enquanto corria pela floresta, com agilidade que dificilmente alguém poderia igualar, não deixava de pensar no que ocorrera. Se ela fôra avistada existiam duas possibilidades: ou azar, ou um sistema eficiente de detecção. Mais uma prova de que as autoridades estivessem subestimando a quadrilha.

Helicópteros, pensou Neblina. Eles eram necessários. Só que, por medo de possíveis roubos das caixas de cristais energéticos, situados no alto das inacessíveis torres – e tais roubos tinham ocorrido em vários pontos do mundo – uma lei internacional proibia a existência de veículos aéreos. Só existiam uns poucos, pertencentes aos governos; esses mesmos dificilmente eram vistos ou usados. E assim, concluía Neblina, a lei se voltava contra si própria.

 

(imagem pinterest)

 

 

 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 24/07/2023
Código do texto: T7845170
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