O PODER DO SUBCONSCIENTE
O PODER DO SUBCONSCIENTE
“SE ESSA RUA, se essa rua fosse minha/Eu mandava, eu mandava ladrilhar/Com pedrinhas, pedrinhas de brilhantes/Para o meu, para o meu amor passar/Nessa rua, nessa rua tem um bosque/Que se chama, que se chama solidão/Dentro dele, dentro dele mora um anjo Que roubou, que roubou meu coração/Se eu roubei, se eu roubei teu coração/Tu também, tu também roubaste o meu/Se eu roubei, se eu roubei teu coração/É porque, é porque te quero bem”.
O REGISTRO emocional desta canção em si mesmo conduz à uma afinidade de intensa identidade de sentimentos. Na voz melodiosa de Mãezona, para mim ganhava tons de reconhecimento de suas mais profundas necessidades dramáticas e comoventes. Ela transmitia para mim sentimentos os quais reivindicava para ela a compreensão e o reconhecimento de uma afetividade que lhe havia sido negada. Ela se ressentia profundamente, raivosamente, por não ter tido o afeto que emitia nessa modinha popular.
ELA HAVIA perdido a vida nessa miserável condição de dona de casa e mãe. O marido havia-lhe tirado tudo de uma vez, como ela mesma dizia, e jogado no lixo das necessidades o que havia sobrado dela. Ela, por sua vez, não o havia socorrido quando ele pedia para ela não parir um filho por ano, aumentando assim as necessidades dele e dos filhos que haviam sobrevivido aos abortos, no total de 25. Ela ainda costumava dizer que, se fosse por ela todos estariam vivos.
O GRANDE teatro de misérias da família divertia-a sobremaneira. Ela se sentia muito bem vendo as personagens da reles dramatização familiar que promovia, como se fosse uma deusa da criação daqueles pequenos seres necessitados de recursos básicos para a educação formal e a formação intelectual. Ela os criava para serem, de várias formas, semelhantes a ela.
ELA, O MARIDO e os próprios filhos tinham certeza de que eu, um dia, haveria de canalizar minha revolta para vir a ser um sujeito com amigos adamados, com amplas relações sociais que resultariam, por sua vez, em desdobramentos tipo conexões com viciados em drogas pesadas e amizades com traficantes. O que certamente me conduziria à uma situação social que, naturalmente, se desdobraria em me tornar um ”mito” no submundo do tráfico de entorpecentes.
O CENÁRIO para que isso acontecesse estava armado. As amplas relações sociais com os desajustados e as marias festeiras do mundo da alta sociedade local. Ao me tornar um dos principais traficantes de coca do lugar, com amplo apoio das polícias e forças armadas, eu estaria prestando um grande serviço aos milionários do amplo mercado de transações comerciais e contrabando de drogas. Teria, na sequência dos eventos, acesso aos grandes nomes da “high-Society” latino-americana, americana e europeia.
GANHARIA presentes caros de sheiks das arábias, uniria as personalidades das organizações internacionais dos negócios ilícitos, fraudes e contrabando aéreo, marítimo e rodoviário de uma grande variedade de narcóticos, estimulantes e fármacos. Seria um dos queridinhos da nova geração de Mariazinhas ávidas por aventuras sexuais. A imprensa nacional e internacional não me deixaria sair do noticiário por um bom tempo.
A FAMÍLIA de irmãos e irmãzinhas estaria de olho em partes de minhas muitas propriedades urbanas e rurais. Meus filhos e filhas reivindicariam, através de suas muitas mães solteiras, uma parte dos fartos latifúndios. E minha morte, após perseguições policiais que movimentariam o noticiário das redes televisivas e do jornalismo impresso e radiofônico, estaria nos comentários do dia na boca dos frequentadores de bares e redes nacionais de botecos e restaurantes. Os políticos qualiras de Brasília comentariam, à boca pequena, enquanto estariam saboreando uma taça de Château Lafite-Rothschild.
AS MUITAS viuvinhas estriam a lamentar a falta de cachês nos lupanares. Um e outro intelectual da redação diária de jornal, escreveria crônicas e artigos sobre as façanhas cruéis e viperinas desse cruel representante da comercialização internacional de drogas. Os atacadistas e atravessadores nas esquinas do Leblon, Ipanema e Copacabana teriam escasseados seus estoques. Os balneários e praias do imenso litoral de São Paulo, estariam comercializando coca de quinta categoria.
CONSIDEREMOS que houvesse acontecido algo de realidade semelhante à narração acima. Então, Paizão Coisinha, Mãezona e família teriam conseguido seu intento de me fazer um arrimo milionário da família, através de suas ingentes tentativas de me tornar um perigoso traficante de interesses que não eram os meus, mas favoreceriam o espectro ameaçador familiar e social em que eu teria me tornado.
VAMOS AGORA montar o “puzzle” sugerido pela união das partes desse quebra-cabeças familiar e literário: Paizão tinha em sua escrivaninha a cabeça descarnada (caveira) de um africano, possivelmente de Zimbábue, Mãezona, não poucas vezes costumava chamá-lo carinhosamente de “Zimba”. Paizão, em algumas dessas ocasiões a reprimia dizendo: “não, não me chame pelo nome”, mas, sorrindo afetado, parecia sentir-se orgulhoso dele.
EU DESCONFIAVA das maquinações que existiam entre eles. Pareciam sempre estar a esconder de mim e dos irmãos menores, ainda muito pequenos, realidades que admitiam apenas entre eles mesmos. Com quatro ou cinco anos, eu já buscava a preservação de minha memória. Talvez até mesmo, não sei ao certo, por iniciativa dela ou dele. Ou de ambos. Ou talvez de nenhum deles. Havia uma realidade sombria a perpassar de um para outro: dele para ela, dela para ele.
SÓ MUITO recentemente, em minhas sessões de meditação e regressão, lembrei deste termo e, pesquisando sua origem, li no Google: “os textos europeus do século XVII em geral conferem aos jagas papel determinante como elemento desagregador das populações centro-africanas, qualificando-os de selvagens, canibais e adeptos de práticas de idolatria. O objetivo do presente artigo é apresentar tais pontos de vista a partir do estudo dos rituais atribuídos aos jagas no tratado intitulado Istorica descrizione de tre regni, Congo, Matamba et Angola, de autoria do missionário capuchinho Giovanni Cavazzi de Montecúccolo. Tais rituais serão confrontados com as descrições a respeito do papel que os jagas desempenharam nas guerras do sertão africano durante o processo de conquista do Ndongo”.
MEU ESTRANHAMENTO a propósito das relações ocultas entre Mãezona e Paizão, só se intensificava. Ao passar dos anos, foi aumentando gradativamente. Apesar de criança, eu vivenciava a plena certeza de que seus atos falhos e a hostilidade crescente, visavam me anular completamente enquanto pessoa, durante o tempo em que convivi com eles. Eles afirmavam a certeza de que não me viam enquanto uma realidade física, humana, exterior às vontades e expectativas deles. Não me aceitava a existência, de jeito nenhum.
“ZIMBA”, TAL QUAL ela costumava chama-lo, eram ferozes canibais aos quais chamavam “zimbas” em comunidade africanas próximas ao Zimbábue. A volumosa caveira por sobre a escrivaninha no consultório de Paizão, com todos os dentes visivelmente em bom estado, poderia ser um mascote, um fetiche através do qual canalizava um poder sobrenatural que ele não via que, ao usá-lo, se expunha a forças desconhecidas e destrutivas???