O SÁBADO DAS BRUXAS — GOYA (1821)

O SÁBADO DAS BRUXAS — GOYA (1821)

PAIZÃO HAVIA despertado para a falta de caráter de Coisinha Júnior. Este, cuidava de receber o salário de aposentado dele. Antes, essa responsabilidade estava em mãos de Dulce It, “A Coisa”, a irmã mais intensamente perturbada da família. Ela se mantinha como que um androide, uma marionete de olhos sempre arregalados e a atenção fixa num lugar ou objetivo em seu “eu” interior. Possivelmente guiada por uma fixação intensa. Sua libido deveria estar num estágio inicial e primitivo de desenvolvimento. Tinha intenso apego mórbido a pessoas perturbadas ou coisas, e um comportamento imaturo, neurótico. Ela e Coisinha Jr. se davam muito bem. Identificavam-se intensamente.

PAIZÃO COISINHA OS manipulava como se estivessem ligados a uma central de controle PSI da qual ele tinha o controle remoto. Existia entre eles uma identidade intensa e, ao mesmo tempo, uma contra identidade projetiva. Inconscientemente eles assumiam sentimentos e emoções uns dos outros. Socorriam-se na intensidade de suas morbidezes. Eles se assimilavam tanto que, poder-se-ia afirmar, tinham a propriedade uns dos outros. Todos os filhos desse casal desequilibrado, foram criados para assumirem esse tipo de identidade mútua. Intensa. Mãezona dizia:

— “Do que um pode ser capaz, os outros também serão”.

— “Um por todos, todos por um”, dizia ela, “como no filme”. Eu pensava de mim para comigo, ciente de sua intenção:

— Ela sabe que não somos mosquiteiros, para ela não passamos de mosquitos, que ela acredita ter o poder de esmagar com as palmas das mãos.

O TIPO DE ENERGIA mórbida advinda da proximidade entre seus filhos, em decorrência das sessões, quase que diárias de pedofilia, nos afetava a todos. Coisinha Júnior havia nascido por último. Era o mais novo da sequência de dez. E Paizão estava cercado de filhos que haviam crescido e estavam mais atentos e críticos com as coisas que ocorriam em derredor. Pegava mal ele fazer com Coisinha o que fizera com seus demais filhos e filhas.

PAIZÃO NÃO GOSTAVA da proximidade de nenhum dos filhos, em decorrência das culpas que estes, pela simples presença, o inflamavam. Mãezona e ele apenas os toleravam. Queriam, o mais urgente possível, livrar-se da cercania deles. Com a ajuda de vizinhos e conhecidos, foram sendo descartados, conforme as possibilidades aleatórias que se iam apresentando. Petrônio, político importante da família Portela, tinha irmãs, pai e mãe morando em frente da casa e consultório de Paizão na rua Senador Teodoro Pacheco. Ele foi efetivo no conseguir um emprego em Brasília para um deles. Outro, depois de estar num seminário, foi dirigido para um curso de formação de soldados e cabos da PM e seguiu a carreira militar nessa instituição, até a patente de coronel. As mulheres foram se arranjando em namoros e casamentos. Dulce It, A coisa” estava amigada com a prima sapatão e ao mesmo tempo convivia na intimidade com um “jornalista”, membro de uma das muitas facções das máfias do tráfico de coca.

O TEMPO PASSOU e o “Salta Moita” Paizão Coisinha, foi ficando cada vez mais exposto às suas próprias perfídias, traições, ultrajes e hipocrisias. Uma enorme farsa se formou em torno do Inconsciente Coletivo da Família. Os rapazes se tornaram, nominalmente, adultos. As moças, se aliciaram em seus nichos de mercado conforme a sujeição mais adequada. Dulce It, “A Coisa”, se amasiou dentro de um quarto da casa de Paizão com um sujeito de cor que tinha vínculos com o crime organizado. Paizão e a lésbica, prima e amante dela, se uniram e compraram um apartamento para “A Coisa”.

DE NADA ADIANTAVA guardar os segredos de liquidificador. As sessões de Psicologia ajudam na superação de traumas, quando as vítimas admitem querer superar suas infames e dolorosas realidades infantis, quando o agressor é o próprio pai com mãe conivente dentro de casa. Esconder-se debaixo do tapete do lixão emocional da família, não livra a cara do adulto que precisa de coragem para não ser novamente envolvido no processo de vitimização. Não adianta querer se esconder sob a proteção do telhado de vidro. As consequências da violência na infância geram sintomas de ansiedade, depressão, isolamento social e comprometimento cognitivo.

NAMORAR, NOIVAR, casar, ter filhos não vai isolar a pessoa adulta dos constrangimentos da violência que na inocência pueril aconteceu. Quem vai educar o adulto que, supostamente, sabe tudo, mas está a viver a mentira, a vergonha, de que nada aconteceu com ele??? Como se esconder de si mesmo e de suas íntimas realidades??? Como costumava dizer Mãezona: “pancadas dadas e palavras ditas, nem Deus tira”. Ela manipulava muito bem essas perturbações e ferimentos emocionais. Ela e o marido sabiam aproveitar-se das aflições e ansiedades dos filhos abatidos pela morbidez do ambiente ameaçador, agressivo, familiar.

A TOLERÂNCIA INFINITA às demandas da corrupção política, tipo promoção de emendas parlamentares de relator ou orçamento secreto, são extensões da complacência da sociedade familiarizada com abusos de pais e tutores para com seus filhos e dependentes. A traumatologia, familiar e social, é ampla, total e irrestrita. As feridas causadas pela violência à sexualidade das crianças emocionalmente globalizadas pelo comportamento pedófilo de pais e familiares, gera uma sociedade de pessoas que são extensões de personas facilmente enganáveis por políticos sempre cheios de boas intenções e da malignidade própria da profissão: todos não cessam de acusar a todos de uma “herança maldita”. Quando todos eles são agentes dela e de suas consequências sociais, as mais degeneradas.

SÃO MILHÕES, as crianças vítimas de pedofilia. Elas tendem a agir e reagir de maneira escusa, evasiva, astuciosa. Quase todas as pessoas estão contaminadas pelo vírus da artimanha, da fraude. Dulce It, “A Coisa” roubava o dinheiro do salário da aposentadoria de Paizão. A própria Mãezona dizia que o marido havia substituído ela por Tonho Ratazana, o Coisinha Júnior. Este, continuou assaltando o velho pai que não tinha moral para reagir às incursões agressivas, camufladas de carinhosa e falsa argumentação:

— “Paizinho, estamos do seu lado”.

— “Papai, você não precisa de vinte reais” — dizia Tonho Ratazana quando o velho pedia a ele essa irrisória quantia de seu próprio salário. “Você tem tudo aqui, eu dei dinheiro para mãezinha fazer o supermercado. Você não precisa de mais nada...”. Eu nada podia fazer, porque o ódio de Paizão por mim me havia afastado dele. E da mulher cumpliciada.

COISINHA JÚNIOR havia chantageado emocionalmente a ambos, pai e mãe, com a desculpa de que estava propenso a cometer suicídio, porque não sabia o que fazer da própria vida desperdiçada, sem rumo. Ele contava uma história muito estranha e cheia de furos. Havia se apaixonado por uma mulher que ele denominava “Cubana”. Mais não dizia nada sobre ela que não fosse a acusação de que ela havia acabado com a vida dele, abandonando-o de repente e o conduzido a um estado emocional deplorável. Coisinha Júnior, um fraco, um fiasco, usava sua fraqueza para se fortalecer no complexo de culpa dos pais. E culpa era o que sobrava neles.

ANTES DISSO, havia recorrido a outro irmão que havia se estabelecido na capital federal e trabalhava de assessor legislativo de um senador da República. Morou com esse irmão e, de repente mudou para a casa dos pais onde eu estava de hóspede. Eu buscava não ter contato nenhum com ele, por saber que Coisinha Júnior tinha uma vida bastante esquisita, com amizades de um pessoal marginal do qual se dizia amigo, mas vivia a reclamar, escandalosamente, de um ou de outro evento em que fora, por algum deles, passado para trás em quantias emprestadas de pequenas montas do dinheiro que roubava de Paizão.

HAVIA UM VIZINHO, que morava no meio da quadra. Ele tinha problemas policiais: preso por furto, tráfico e porte de arma. Era amigo prezado por ele, Coisinha Júnior. A justificativa é que tinham sido colegas de infância e, portanto, na lógica de Coisinha Júnior, era uma amizade que ele não poderia evitar, desde que consagrada pelo tempo.

OUTRO CONVIZINHO, filho de uma costureira, reclamava das cenas de ciúmes que Coisinha Júnior fazia quando este mesmo amigo dele estava a conversar ou trocar ideias, ou falar ao telefone com outras pessoas. Coisinha Júnior me censurava por pagar ao vizinho a prestação de serviços quando havia falha no PC de meu uso. Ele dizia que eu sabia que ele estava brigado com o Fulano, e mesmo assim ignorava isso:

— “Você sabe que eu não me dou bem com Fulano, do qual havia se afastado, mas chama ele para ajustar problemas no PC. Isso é provocação”. Eu respondia:

— “Seus problemas são seus. Não tenho nada com eles. Não sei nem quero saber se Fulano é ou não seu amigo ou inimigo. Pago por serviços prestados porque preciso trabalhar no PC, se ele não estiver funcionando, como vou fazer”???

MÃEZONA SEMPRE alimentava as paranoias e histerismos comportamentais de Coisinha Júnior. Talvez com remorsos por ter feito discursos insultando-o e retaliando nele, ainda um feto na barriga dela, todo o ódio que vituperava contra o marido, quando esse começou a frequentar a casa da amante. Coisinha Júnior era apenas um embrião, mas Mãezona não o poupava de censurar sua existência na gravidez, freneticamente, mesmo antes de seu nascimento. Ele já nasceu com intenso complexo de rejeição. Um feto sabe sim, o que acontece quando a mãe se dirige a ele.

ELA SEMPRE seria uma criatura bronca relativamente à educação de si mesma e à educação filial. Quando eu, com a devida afabilidade buscava fazê-la compreender que estava dando força a quem precisava contrariar por agir de várias formas inaceitáveis e trapalhonas, em relação a várias pessoas, ela dizia:

— Seu irmão precisa de meu apoio, não de ser por mim contrariado.

— Você não vê que ele está muito doente??? Ele precisa de um psiquiatra, ou de um psicólogo. Eu conheço uma psicóloga muito competente. Irmã da Fulana, minha namorada que você conhece. Por que não o indicar para um tratamento???

— Ele jamais aceitaria. Ele se julga a pessoa mais normal do mundo, respondeu ela.

— Você sabe que ele não é. Por que não tenta convencê-lo???

— Eu não, não quero que ele se volte contra mim. Ela, ré, Mãezona, confessa de seus medos. Réu confessa de muitas culpas.

ERA ASSIM QUE Mãezona que se julgava uma reencarnação da valquíria Brunilda, encarava os problemas: fugindo imediatamente deles. Saindo da possibilidade de uma solução. Dialogar não era com ela. E Coisinha Júnior deitava e rolava sobre a fragilidade emocional, mental e a poltronaria dela com relação à criação, não apenas dele, mas, em minha avaliação, de qualquer outro de seus filhos. Quase todos os dias eram dias de sabá. Não apenas o sábado, no relacionamento familiar. Dia das Bruxas era todo dia.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 25/02/2023
Código do texto: T7727345
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.