A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA — SALVADOR DALI (1931)

ACREDITO QUE PAIZÃO vivia e convivia com personagens de outra dimensão. Outra dimensão do tempo espaço. Ele não tinha uma percepção adequada e realista do dia de Hoje, Aqui, Agora. Era como se uma confraria secreta de espíritos de outra época tivessem se encontrado ou reencontrado na comunidade perversa da sociedade em Theresienstadt. Espíritos que tinham convivido, talvez na época dos Césares romanos e de governantes tipo os citados Herodes e Pôncio Pilatos. Eles desejavam repetir as crueldades dos governantes romanos de há dois milênios. Eu era o Cristo deles e ao mesmo tempo o “Bode Expiatório”.

EU VIA COM NITIDEZ a ruína humana em que Paizão se transformara. Eu gostaria de saber e poder ajudá-lo a sair do fosso fundo e depressivo em que ele sempre estava. Eu ficava intensamente penalizado. Doía-me nos sentidos a comiseração por ele. Não apenas por ele. Por mim também. Se ele permanecesse nas garras dos demônios que o possuíam, das sensações contraditórias que tomavam conta dele, dos estados de espírito que flutuavam entre euforia, recalques, pânico, depressão, complexos, rancores, tristezas, frustrações, medos. Mãezona conseguira destruí-lo de maneira irreversível.

O CASAL DO QUAL nasci parecia mesmo estar imune aos chamados da razão. As energias do parentesco paupérrimo, tanto de um lado como de outro, não se harmonizavam senão no solo sombrio do magnetismo sobrecarregado de simbolismos e cargas emocionais que os instigava ser destemidos na obscuridade que os expunha à uma força bruta inconsciente. Força essa que neles transitava, e, por vezes, se manifestava no mundo externo ao domínio interior de suas abstrações.

EU VIVENCIAVA ofensivas à minha integridade física quando, por vezes, Mãezona buscava, via transmissão oculta de pensamentos, telepatia, me fazer submergir em uma sequência de comunicação sincrônica, nitidamente proveniente dela, que se aproximava de meu quarto de dormir com presença PSI abusiva, afrontosa. Eu suportava sentir-me mal, quando ela estacionava próximo à porta que separava a sala de jantar do interior de meu quarto. Que ofensivas eram essas??? Era como se mãos estivessem a apertar minha garganta. A sensação de sufoco.

MAIOR PARTE DAS vezes a asfixia quase que manifestava fisicamente. Estava presente em minha garganta, não apenas mãos que a apertavam, mas um corpo oculto e impalpável que, ao reagir ao sufoco, se dissimulava, afastando-se, talvez para a outra dimensão de onde, possivelmente, viera. Era sim, a manifestação de um súcubo. A manifestação dessa corrente fluídica que dava a impressão de querer se materializar. Eu conduzia minhas mãos ao pescoço ao buscar não sucumbir à tirania do estrangulamento.

NÃO RARAMENTE ficavam marcas ígneas, traços que ardiam na pele a sensação de queimação muito, muito incômoda. Eu sentia nitidamente que havia uma conexão entre essas ocorrências e a aproximação dela, Mãezona. É possível que ela intuísse que meus pensamentos não estavam em consonância com a vontade dela de me dirigir numa direção que eu não aceitava, porque não proveniente de minha vontade própria. A presença de uma manifestação mental austera, sobrenatural, agressiva e disposta a provocar-me medo, com sua crueldade manifesta.

EU NÃO SENTIA medo porque sabia que a manifestação dessa potestade ruim não tinha poder para se materializar. Exceto por meio de Mãezona. Mas essa, por motivos óbvios, não tentaria, ela mesma, em vista de estar sempre presente na proximidade de outras pessoas, familiares ou vizinhos. Certamente eu reagiria com veemência a qualquer tentativa de alguém me sufocar. Ficava também um sentimento de angústia, provocado pelo ataque que visava, ao que indicava, me matar.

MÃEZONA TINHA SIM, a propriedade de manipular energias maquiavélicas. Ela e o marido controlavam a estagnação do desenvolvimento do pensamento racional nos filhos. Era como se vivessem, ambos, para impedir a manifestação, na prole, da “razão instrumental” que, possivelmente, impõe a manifestação criativa da “razão crítica”. Esse controle da racionalidade enquanto sistema operante na sociedade, é também instrumentalizado por políticos que não desejam que as novas gerações possam ter acesso a um padrão de racionalização que as tire do fosso sombrio da ignorância.

A RAZÃO INSTRUMENTAL é uma ferramenta importante no domínio do tempo em favor do sujeito pensante do autoconhecimento. Permite às pessoas o controle da natureza da informação, da cognição, da aprendizagem, da educação e seus fundamentos. O domínio das ferramentas educacionais pelo sujeito do conhecer-se. Desde que as políticas educacionais municipais, estaduais e federais, não fornecem à sociedade uma educação de qualidade que lhes permita sair fora da obscuridade da Caverna de Platão.