TRÊS BRUXAS À ESPREITA — MICHAEL THOMAS (2013)
TRÊS BRUXAS À ESPREITA — MICHAEL THOMAS (2013)
O ESPERMA “MEDALHA DE OURO” conseguiu vencer as barreiras biológicas de sexualidade Mãezona. Chegou em primeiro lugar e fertilizou Ednah. Ela queria parir uma filha mulher. Ter uma companheira do lado para tagarelar. Não um filho homem para questioná-la. Na realidade ela ainda não odiava o marido com quem se casara. Eu crescia pressionado por sua figura estranha, expressionista. Passava-me a impressão de que estava sentada na poltrona de madeira da sala, há milhares de anos. Era sua zona de conforto. Sua realidade confortável. Como se criar aquele bando cada ano maior de crianças, que ela acreditava que jamais iriam crescer.
O MARIDO ERA UM ODONTÓLOGO que exercia a profissão de dentista numa capital do interior do país. Para ele não havia mais salvação. Havia se casado com Ednah porque não se achava capaz de dar conta de uma mulher com predicados femininos. Uma mulher que fosse minimamente inteligente não lhe interessava. Seus complexos de inferioridade estavam todos à flor da pele. Um espírito simplório que não se via digno de saber tornar seu corpo e mente fortalecidos por ações de um ser humano homem, moralmente digno, do gênero masculino. A realidade do mundo em redor não lhes interessava. Nem jornal Paizão comprava para a sala de espera dos clientes.
O DOUTOR TONHO POTTER era conhecido na cidade, clinicava para o Inps. Cuidava de dentições estragadas, abcessos de gente pobre, humilde. Mas também clinicava para clientes outros que pagavam o tratamento. Costumava dá uns tapas em cigarros de maconha no consultório pegado ao quarto de dormir do casal. Despreparado para a vida conjugal, não sabia como exercer a força admirável que uma paternidade responsável poderia conceder. Os atalhos para ser um homem o fizeram fraco. Muito frágil. Atalhos por veredas vicinais de magia e drogas.
TONHO POTTER, PAIZÃO Coisinha, cheirava pó com base em cocaína, xilocaína, para adormecer a gengiva de clientes nas intervenções de tratamento de canal e extrações. Usava, ao terminar o expediente, para cheirar. Dopava-se, quando chegava a noite, sentado na escrivaninha frente à uma grande caveira que, segundo ele, pertencera a um negro de uma tribo africana. A caveira tinha todos os dentes à mostra em sadio estado de conservação. Esquelética.
EDNAH TALVEZ PUDESSE TER sido uma mulher de beleza feminil, mesmo que fosse para ela difícil mudar a aparência de madona obsessiva, o corpo ganhando corpulência, uma atitude mandona e autoritária com relação ao marido e aos filhos, que foram se amontoando todos os anos. Ela, nos finalmente de muitas barrigadas, engravidou 25 vezes. Quinze das quais abortou. As outras dez geraram seis filhos e quatro filhas. Tinha encontrado uma serventia para ela mesma: engravidar todo tempo possível. Que mais poderia ela fazer para chamar a atenção sobre si???
AQUELA UNIÃO NÃO PODERIA ter dado certo. Ele, o marido, um sujeito fracote: mente e físico. Ela, encorpando e perdendo cada vez mais feminilidade que, em realidade inexistia nela. Virou uma empregada doméstica fanática de seus deveres de café da manhã, almoço e janta. Viviam uma vida domesticada pela intolerância mútua. Os dez sobreviventes dos óvulos fecundados viviam num ambiente de progressiva instabilidade emocional. Presenciando diariamente as desavenças do casal.
NENHUM DELES TINHA A MÍNIMA noção de como seriam educados os filhos. Eles, que tiveram uma educação de grande rejeição e carências de todos os tipos, conviviam num ambiente de gradativas hostilidades, insinuações, cantorias de modinhas românticas para casais adolescentes e adultos emocionalmente sem noção. O lar doce lar era uma espécie de lupanar entre os dois aluados. Costumavam sair à noite para ir a comemorações de aniversários de pessoas conhecidas. Possivelmente traziam para dentro do quarto, na cama de casal, as personagens erotizadas dos filmes de Hollywood que assistiam nos dois cinemas frente à Praça Pedro II, principal da cidade.
AMBOS CONVIVIAM COM O MEDO que lhes crescia nas entranhas e ficava cada dia mais difícil de esconder. Medo de que a filiação crescesse e questionasse aquela educação de família das cavernas. Eram dois alguéns que descobriram, tardiamente, ser incompatíveis no convívio dentro de um mesmo espaço onde passaram a se conhecer e às suas muitas e horríveis deficiências de educação moral, de respeito próprio e mútuo. Os filhos iam empatizando toda a horrenda orgia de dissimulações que não mais se dissimulavam. Agressões que se repetiam viraram o dia a dia à moda da casa.
À SOMBRA DE UMA CONVENIÊNCIA emocional desonesta, eles iam empurrando com as barrigas as responsabilidades para com suas crias, de modo a fazê-las aceitar, a força das necessidades crescentes, o ambiente nauseabundo que criavam para os filhos, como se fosse a educação mais natural do mundo. Não era. Nem para eles.
EU, O FILHO PRIMEIRO, DANTE, nome de batismo literário neste documento em homenagem ao personagem xará. Eu, Dante, fazia por onde minha alma não fosse contaminada pelo imprudente aviltamento de minhas possibilidades de crescimento moral, físico, mental. Meu intelecto estava sendo diariamente bombardeado, fustigado pela insanidade cada vez mais descarada do casal a quem eu deveria considerar meus pais. Seus outros filhos seguiam a mesma estratégia familiar: para mim, as sobras.
FUSTIGADO PELA MODÉSTIA E pobreza espiritual do casal do qual havia sido vomitado de suas entranhas, buscava eu uma condição de adaptação, na criação de miragens que me afugentassem das bestas que me criavam para a reprodução de suas frustrações e ressentimentos. A alienação de ambos luzia em meus olhos, e nada tinha de suave ou gentil. Aquelas almas não tinham nada de cortesia. Eram ambas soberanas em covarde e perversa dominação. Como se eu fosse alguém que merecesse suas invectivas, castigos e espancamentos. Não apenas o casal: a parentela próxima e distante, de ambos os lados do larbirinto, da qual “Dulce It, A Coisa”, sua amante, Terezona Sapatão, eram apenas 1/9% do Iceberg familiar.
DESENVOLVI UM SENTIMENTO DE defecção existencial que cresceu comigo. Eu criara um mundo apenas meu, porque não podia tolerar a realidade de um mundo externo onde a soberania de uma maligna crueldade, se potencializara contra meus direitos de criança, de adolescente, de ser humano acossado por uma rejeição de pais e irmãos que não me queriam por perto, simplesmente porque qualquer investimento em mim, significava tirar o pão da boca de cada um deles. Eu tinha que vencer a intenção malévola deles em me subjugar, fosse como fosse. Eles eram os bravos covardes que existiam para liderar a família por eles gerada. Os filhos teriam nascido unicamente para servi-los. Eu não estava de acordo com isso. Eu os via em um universo paralelo que devia ser vencido.