ULYSSES AND THE SIRENS
ULYSSES AND THE SIRENS
SE VOCÊ ACREDITA mesmo que demônios não existem, é porque suas ações e intenções já se confundem com as deles. Você não pode vê-los com seus traumas, recalques e complexos, porque se tornou parte da intencionalidade deles. Mãezona tinha um repertório imenso de músicas de ninar. Ela gostava muito do encanto que surgia de sua voz maviosa ao cantá-las. Ela simplesmente encantava. A emoção vinha de um lugar de grande profundidade emocional. Quem a ouvia se encantava. Como se ela fosse uma sereia que conduzia seus ouvintes a seus abismos emocionais encantadores.
MÃEZONA CANTAVA e encantava. Talvez por isso quisesse parir tantos filhos e filhas. Parir despertava nela mesma uma intensa orgia de emoções que externava nas canções de ninar. A letra cantada do Acalanto de Brahms, era exemplar. Talvez ela tenha criado uma letra a partir de suas próprias e profundas percepções da emoção que a motivava acreditar que era uma divindade que estava a povoar o mundo, a criar o mundo. Ela talvez se acreditasse uma deusa mãe que queria, ao parir os filhos, direcionar cada um deles para a vivência de um mundo perdido que existia apenas nas ilusões perdidas dela.
A PROFUNDA idade da emoção que ela externava ao cantar as canções de ninar, exteriorizava uma manifesta lamentação por não poder direcionar suas criações filiais em direção a um mundo que não fosse o mundo cão que elas teriam de viver ao crescer. Alguma coisa interior naquela mulher estava radicalmente associada à uma outra dimensão do existir. Ao mesmo tempo presente e longínqua. Ela cantava e, por vezes, parecia estar tão distante quanto se concentrava em dá laçadas em cada nó num numa linha pertencente a um pedaço de pano onde parecia querer prender alguma coisa. Eu desconfio que cada alma, de cada filho. Ela estava a prender a alma de cada filho ou filha que estivesse a reagir às suas inconfessáveis intenções.
POR QUE prendê-las??? Aquela mulher vivia num ambiente interno de grande confusão e depressão. Sua solidão era contagiosa, tal qual a solidão que a paisagem pintada por Van Gogh no Campo de Trigo Com Corvos, transmitia. Uma solidão que comunicava toda a desolação que havia dentro da alma pessoal dela. Da alma social de seu mundo cão. Toda a perturbação mental dela estava camuflada na suave cantoria das canções de ninar. Na deliberada emoção de quando cantava “A Noite do Meu Bem”:
“HOJE EU quero a rosa mais linda que houver/E a primeira estrela que vier/Para enfeitar a noite do meu bem/Hoje eu quero paz de criança dormindo/E abandono de flores se abrindo/Para enfeitar a noite do meu bem/Quero a alegria de um barco voltando/Quero ternura de mãos se encontrando/Para enfeitar a noite do meu bem/Ah, eu quero o amor/O amor mais profundo/Eu quero toda a beleza do mundo/Para enfeitar a noite do meu bem/Ah, como esse bem demorou a chegar/Eu já nem sei se terei no olhar/Toda a ternura que eu quero lhe dar”.
EU A OBSERVAVA: ela estava completamente absorvida num astral de um universo paralelo. Ela, ao dá cada nó na linha que pertencia a um pedaço de pano maior, estava a prender a energia vital de alguém, eu talvez, por achar que eu devia ficar prisioneiro numa arapuca de tempo e espaço dela. Só dela. Que desse tempo e espaço não pudesse sair para divergir dela. De sua “educação” de suas intenções de criação, dos objetos familiares impregnados pelo poderoso eletromagnetismo anímico dela: Semelhante ao canto lendário e sedutor das sereias, na narrativa de Homero. Ulisses sabia que, uma vez atraído por elas, e seus cantos, isso o conduziria à morte. Seu canto, seus “nós”, eram uma metáfora da alma do mundo em busca da cessação de vida. Da vida que ela não havia vivido. Da vida que ela negava ao filho.
A REALIDADE que ela criava naquele universo paralelo em que se concentrava, coexistia com a realidade do mundo normativo no qual ela direcionava os destinos dos filhos, e controlava os desdobramentos de suas vidas, numa realidade paralela, separada da geografia do tempo e do espaço onde vicejavam suas almas. Na minha compreensão, ela estava tão absorta e concentrada na região anímica em que o Barco de Caronte navegava, a conduzir a alma alternativa daquele filho, ou filha, que ela desaprovava.
ELA TALVEZ achasse que tinha o poder de direcionar a força quântica da alma daqueles a quem pariu, em direção a universos paralelos nos quais existiu. Ou achava que, talvez, tenha neles vivido em outras encarnações de seu DNA. Era como se ela estivesse naquele universo paralelo a direcionar em cada nó que dava na linha do pedaço de pano, o algoritmo da sequência da vida e ações que não lhe interessava ver no desenvolvimento da vida do filho. Esse seu procedimento preciso, padronizava, de modo eficiente, a vida segundo ela queria que não existisse nesta dimensão.
AQUELA SUA atitude de concentração intensa e patética intencionalidade, lhe dava a sensação de um poder estranho, bizarro, extravagante. Um poder que ela realmente acreditava ter. A intenção de vida que não fosse deliberada por ela, não lhe interessava ver prosperar. Então ela mandava para outra dimensão no nó que apertava na linha do pano em que já havia vários outros. Em cada nó um destino de vida que ela despachava para a outra dimensão na qual, naquele momento, ela também se encontrava.
MÃEZONA SE achava empoderada de suas ações que reforçavam a força determinada de sua vontade de poder sobre aquelas criaturas que ela havia parido. Cada filho dela era dela. Dela e de ninguém mais. Ela havia gestado cada um deles por nove meses. Haviam saído de sua barriga, de seu ventre. Ela os havia alimentado desde o líquido amniótico.
NA VIDA DIÁRIA, lá estava ela colhendo informações de um e de outro. Informações que ela redirecionava conforme seus interesses de dominação. Ela identificava cada informação que devia ser entregue a um e a outro. Ela decidia como ranquear os resultados de um “feed” ou fluxo de dados de um para outro membro da família, criando novas formas de comunicação entre eles, conforme exigiam seus interesses de comando, comunicação e controle do Inconsciente Coletivo Familiar. Ela era a rainha da zona.
TALVEZ, QUEM sabe, Mãezona estivesse agindo conforme uma vontade externa, superior á vontade dela. Alguma entidade astral, criada e mantida dentro dela, a partir de suas expectativas radicais de comandar as vidas que dela saíram. E que dela dependiam. Não havia nenhuma conduta moral a observar. A vontade dos outros, suas programações de DNA não poderiam nunca, superar as dela. Moral era a última coisa com que ela poderia se importar. Ela era incontestável em suas deliberações de surdina.
NA FAMÍLIA só poderia haver uma vontade: a dela. Desconfio que Mãezona pertence à uma rede mundial de computadores orgânicos, biológicos, com “sites” emocionais especializados nos conteúdos que interessam a um matriarcado sobrenatural. Os portais desse matriarcado se afirmam através do nicho que nasce e se desenvolve no líquido amniótico de suas barrigas. As gerações se sucedem sem cessar para promover a continuidade de uma dominação que vem de longe, muito longe, criada por astronautas de outros sistemas solares. Sabe-se lá, de outras galáxias.
ASTRONAUTAS QUE aqui estiveram com suas ferramentas “high-tech” a atualizar os conteúdos específicos na cadeia de DNA de hominídeos que sucederam a hominídeos, através do espaço e do tempo nas épocas, períodos e estágios de desenvolvimento dito humano. Hominídeos que, por sua vez deram origem ao não tão ficcional Paraíso Perdido, Paraíso de onde surgiu o casal inicial Adão e Eva.
O CONTEÚDO específico dos compostos orgânicos humanos, formados por moléculas de carbono, que agora começam a existir via manipulação em laboratórios criadores de novas formas de vida. Veja-se o livro de Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”. O fim do Homo sapiens não apenas se inicia, mas já está em ávido processo de substituição de paradigmas antanho, pelo homem cibernético que está a substituir, célere, a estrutura psicofísica do primata Homo sapiens. Sapiens. Ele, parte integrante da Biota terrestre.