IMPOSSÍVEL — MARIA MARTINS
IMPOSSÍVEL — MARIA MARTINS
AS PROVAÇÕES E obstáculos logo-logo e de há muito se apresentavam. A cultura política selvagem, sem educação formal ou informal pertinente à avaliação da realidade dos menos favorecidos, limitada pelos muros erguidos na mente pessoal, familiar e social pela ignorância intelectual deliberada, pelos privilégios do capitalismo suburbano dos caipiras armados das sociedades secretas que dominam os destinos da cidade, que se querem detentores únicos das capitais do país e de seus governantes insensíveis a qualquer “estranho” que não seja um indivíduo disposto a jogar o jogo sujo deles... Somados todos essas correlações, a resultante é a sociedade mefistofélica em que todos vivemos. Ou sobrevivemos. Sociedade hipócrita, sem nenhum interesse em cultura literária, e em educação formal ou informal, de modo geral.
ESCOLAS E UNIVERSIDADES não têm como ensinar o autoconhecimento direcionado para a superação das limitações impostas a seus membros. Minha memória familiar não é fácil de lembrar. As manifestações familiares de rejeição, confirmadas todos os dias, as projeções silenciosas de suas neuroses e traumas dirigidas à minha mente, doíam. Para fugir desse hospício que era o Inconsciente Coletivo Familiar, eu escrevia, versificava historinhas, narrativas que logo eram esnobadas por Mãezona. Sempre me dissuadindo a não as escrever. Quando deveria incentivar-me.
EU ESTAVA NUM “beco da fome sem saída”. A rejeição familiar possui um efeito mais devastador que o ruído ameaçador de meteoros caindo sobre a Terra. Ou de grandes ondas de um tsunami a devastar as construções próximas às praias. Inútil todo meu esforço para me estabelecer com minha Agência de Publicidade. A inadaptação às conveniências das exigências burocráticas. A não aceitação de minha formação pessoal, de meu intelecto, de minha visão de mundo, de minha cultura abrangente nas artes da leitura literária, da dramaturgia, dos movimentos artísticos da virada do século, XIX/XX:
NADA DISSO aquela sociedade dedicada unicamente a trabalhar a sobrevivência e a valorização do salário e do dinheiro ganho em atividades associadas ao crime organizado..., que tinha eu a dividir com eles, seus membros??? Que tinham eles a dividir comigo??? Se eu aderisse às suas solicitações, quaisquer que fossem, eu estaria a cometer suicídio moral. A imensa rede da aranha negra, a invisível teia secreta de suas afetividades e demais interesses de rotina, não me interessavam. Exceto ganhar minha sobrevivência.
SOBRE VIVER: mas, os membros dessa sociedade querem sobreviver em meio às exigências familiares do capital de consumo, do supermercado, das diversões do sofá, em meio a uma realidade familiar e social direcionadas exclusivamente à satisfação da gula, da luxúria, da ira, do entretenimento que alimenta a cultura da banalidade.
TODOS OS MEMBROS dessa enorme confraria se julgam mais realistas do que o Rei dos Reis. Aquele, que ensinou o caminho do gólgota enquanto rito de passagem para o aprendizado do saber-se e do saber exercitar a compaixão pelas realidades divergentes dos outros membros da família, dita humana. Eles querem seguir o caminho da lei do menor esforço. Pulam na jaula do zoológico em que nasceram e cresceram prisioneiros. E continuam a pular de um lado para outro, de um emprego para outro, de uma relação íntima para outra, de uma conta bancária para outra, de um celular para outro. Dentro da jaula existencial a conjuntura formal não muda, é sempre a mesma.
PARECEM NÃO saber que de um galho da mesma árvore para outro, não há mudança de expectativas. A paisagem interior, a paisagem emocional vai ser sempre a mesma. Parecem desconhecer a realidade primária de que a mente é como um paraquedas: só funciona quando aberta. E jamais poderão abrir a própria mente às demais janelas do conhecimento e do autoconhecer-se, se estão associados à realidade única da Idade das Cavernas: caçar emprego, obter salário, ir ao supermercado, cozinhar ou solicitar entrega delivery de refeições, plugar-se na telinha da Tv ou do celular. Fazer o que chamam de amor, divertir -se com a programação demencial na sala de jantar.
QUE PODE esperar uma sociedade de membros educados no colo do Paizão???? Sob o comando, comunicação e controle emocional próximo e à distância de Mãezona??? Certa vez me dirigi até a Companhia de Guarda do Palácio de Karnak. Lá estava meu irmão sentado, todo orgulhoso de sua farda e de seu salário.
A CONSTRUÇÃO DE um futuro numa sociedade de interesses comerciais, financeiros e econômicos, sempre em dinâmicos conflitos??? Ao dela participar, eu teria de me envolver com esses interesses que não eram os meus. Se eu fizesse o jogo rotineiro do relógio despertador e suas exigências de fazer do outro dia, outro dia sempre igual, com o café da manhã sempre pontual, com beijinhos sabor hortelã, e um “bom dia” não mais nem um pouco natural, sabendo-se que o mais que poderá conseguir é um engarrafamento de fim de semana no asfalto a caminho da praia de compra cabana???
“QUEM ESTÁ NA chuva é pra se molhar”. Eu não tinha como sair da precária situação de dependência emocional de uma mulher empoderada por uma natureza fanática, que se fortalecia a cada parto com outro filho usado para aumentar seu empoderamento, seu conhecimento de como se desenvolvia um ser, dito humano, em seu ventre, de como era gestado por nove meses, até que ela parisse outro que, possivelmente, ela saberia dominar completamente como se fosse um boneco ou uma boneca de feira familiar.
NINGUÉM NUNCA questionava os absurdos que eram impostos a todos por uma educação sem a intenção de educar, mas de adaptar a todos às suas deficiências: as dele, Paizão Coisinha, e as dela, Mãezona, fanática por dominação emocional totalitária dos filhos. Ela não admitia a menor crítica a seus absurdos. Ela, para ela mesma, era o ser perfeito, que havia parido descendentes para serem seus sonâmbulos dormentes. Até que adquirissem a idade adulta, em que ela não mais se responsabilizasse por nada do que lhes aconteceria. Até lá, a maioridade deles, ela teria se safado da responsabilidade de deseducá-los. Que então, eles vivenciassem o horror de sua deseducação.