MULHER COM CABELO EM COQUE PEQUENO — PICASSO (1904)
MULHER COM CABELO EM COQUE PEQUENO — PICASSO (1904)
A VERDADE não é o veneno, é a cura. Mas ele, o time de futebol de Mãezona, foi criado para fugir dela, como o diabo foge da cruz. A verdade para Mãezona estava, talvez, nas preleções que a doutora Rosen, ex enfermeira de Auschwich, agora sua vizinha, fazia às escondidas para ela. Elas se preparavam antecipadamente para esses encontros. Mãezona dispensava a proximidade de todos na casa, garantia que tinham saído, que Paizão estava, como sempre, prostrado em uma rede, no quarto ou na área de serviço da casa.
NO PEQUENO jardim da casa, falando aos cochichos, ou na parte interior do portão da mansão do doutor Franca, que diziam ser seu marido, elas conversavam, ou melhor, a doutora dizia coisas e ela, Mãezona, ouvia atentamente. Por vezes intervinha com monossílabos, como que perguntando algo e ouvindo a resposta. Digo isso porque ambas não gostavam que ninguém se aproximasse delas. Se pressentiam alguém se aproximando, afastavam-se. Debandavam uma para cada lado. Por vezes ficavam um tempo longo na calçada, desde que raramente havia pessoas na rua daquele subúrbio do bairro Ilhotas. Digo isso porque as via de longe.
A ÚNICA VEZ em que vi a enfermeira de perto, tive a impressão de que não era humana. Havia algo de peçonhento e ameaçador em sua aparência alongada. Havia algo nela de profundamente hostil, perigoso. Mãezona talvez estivesse aprendendo os rudimentos da doutrina ou cânon da ideologia nazista. Seu sobrenome alemão era, com certeza, a base dessa atração. Sua casa dividida não conseguia mais ficar de pé. Mas ela queria que fosse assim, não conhecia talvez outra forma de fazê-la desabar mais depressa. Seus traumas de infância e de infâmia e juventude, intensificavam sua postura familiar autoritária.
HAVIA DESTRUÍDO o marido exaurindo-o no trabalho do consultório, para alimentar e educar os filhos que paria todos os anos. Sua estratégia era clara, cristalina: eu não teria dela nenhum incentivo, exceto as exigências que, tardiamente, ela cumpria à força de minhas pertinazes solicitações, das quais não podia fugir pela proximidade das promessas de compensação. Eu não desistia de mim, por mais força que ela tivesse no sentido de me fazer um escravo subalterno, como fizera de Paizão Coisinha.
NÃO FOI FÁCIL, mas consegui que me mandassem para a casa daquele tio em Niterói, Rio de Janeiro. Quando de lá saí, dediquei-me a trabalhos de jornalismo e em agências de publicidade e propaganda, que tinham a ver com solicitações de minha razão, para garantir a sobrevivência mínima do tempo dedicado aos livros, filmes, teatro, museus. Minha cabeça processava com ansiedade o conhecimento e os ensinamentos que vinham deles. Eu não me garantia em termos de sobrevivência futura. Se fizesse isto, não teria tempo para mais nada: exceto bater cartão de ponto e repetir todo dia falas tipo “sim senhor, por favor, muito obrigado”.
EU NÃO QUERIA suicidar-me moralmente. Eu não queria adaptar-me às rotinas diárias do pessoal da sala de jantar e do salário em fins de mês. O autoconhecimento exige muito tempo de preparação. “O estar preparado é tudo”, afirmação daquele personagem shakespeariano. Ou eu venceria o mundo, ou me cristianizaria às avessas: seria mais outro prisioneiro das mentiras rituais que atraem as pessoas como se fossem ímãs, para suas redes de opressão sistemática, de pagamento de impostos. A principal delas, central de mentiras, até onde eu sabia, era a família. A família, usada e abusada pelos sistemas de empobrecimento mental, empobrecimento material da população. Pelos sistemas de dominação que combinam o conhecimento das várias disciplinas, para criar sociedades secretas da corrupção política, econômica, social.
EU TERIA SIM, se o time da Família Trapo houvesse investido em minha educação, seguido uma profissão tipo astrologia, medicina, informática, biologia ou outra. Mas nunca haviam me fornecido as condições de desenvolvimento intelectual ou educacional. Tinham me atado, como se eu fosse um cão, à intencionalidade que gostavam de exercitar sobre minha mente juvenil: Paizão certamente pertencia a grupos católicos de dominação mental e subordinação das novas gerações que lhe davam apoio à situação de insolvência e carência familiar. Mãezona paria os filhos. Os filhos que ele tinha de se matar para sustentar. Seu sistema nervoso estava um trapo. Quando se irritava começava a tremer incontrolavelmente dos pés à cabeça. Certamente por fraqueza mental e muscular.
PAIZÃO COISINHA com certeza pertencia à Opus Dei, a Maçonaria da Igreja Católica. O controle mental Monarca das gerações nascidas no pós-guerra, era e é sistematicamente exercido a partir de pais e familiares adultos sobre seus filhos. As novas gerações estavam e estão em mãos de uma família leiga escrava dos poderosos (ignorante, insipiente, perversa, desinformada) e de um Estado laico igualmente interessado apenas em dominação dos habitantes que pagam impostos em seu território.
ORA, ORA, todos sabemos que o funcionalismo público, assim como todos os políticos, toda a força da sociedade militar e civil, toda a cultura social, vem da raiz familiar. Da raiz familiar ignorante, submissa, desinformada, natural e inconscientemente perversa, interessada apenas e exclusivamente em sobreviver melhor que outros, seus vizinhos, seus conhecidos, semelhantes mais próximos.
A FAMÍLIA está interessada em sobreviver aos conflitos, à corrupção sistêmica gerida pelos poderosos mentirosos, políticos corruptos, e ao conflito de gerações. As novas gerações estão em mãos de seus carrascos, com seus valores antigos, conservadores, que estimulam a interação emocional entre eles, a empatia entre os indivíduos e suas hostilidades conflituosas regressivas.
AS CRIANÇAS nas famílias, os adolescentes, estão atrelados a conflitos que eles mesmos desconhecem a origem. Têm dificuldades de expressar o que sentem por medo de magoar aqueles que não querem ouvir suas verdades. “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. A verdade vos libertará de quê??? De quem???
AS PESSOAS, as crianças, vivem sob a ameaça de castigos, sob a ameaça das tensões dos adultos que as cercam, de suas perturbações, fingimentos, angústias, tristezas, sofrimentos, aflições e ansiedades. Como podem seus filhos pensar com suas próprias cabeças, se a cabeça deles está sempre sob a influência do cativeiro, pesares e padecimentos dos adultos que lhes cercam???
O ESTADO de tensões provocado no interior do ambiente familiar, do ambiente de trabalho, do ambiente interno da psicologia das pessoas, das influências advindas do Inconsciente Coletivo Globalizado pelos mesmos jogos mentais, pelas mesmas e tradicionais fases do ciclo familiar, a começar pelo estágio infantil da aquisição de conhecimentos. Conhecimentos daqueles que não têm a compreensão consciente das mudanças pelas quais o mundo externo, que não para de os influenciar, passa??? Passou. A família não tem acesso às mudanças rápidas que se sucedem nos vários setores dessas influências, nos mais variados conceitos e técnicas que se renovam no saber e no ensino das disciplinas.
QUEM POSSUI conhecimento pertinente ao aprendizado??? Ao ensino das estratégias metodológicas, das ferramentas e recursos que poderiam auxiliar os adolescentes a compreenderem-se e à assimilação dos esquemas que poderiam salvar suas vidas da corrupção disseminada pelos sistemas de comando, comunicação e controle do mundo em que vivem a sobreviver.
QUANDO SE torna adulto, o jovem ou a jovem, começa a perceber que o mundo é uma imensa e oceânica farsa. Encontram algumas respostas. Uma delas pode ser a descoberta de que está num palco de sua família, de sua cidade, interpretando um papel escrito para ele, ou ela, sem saber quem realmente o escreveu. Ele, adulto foi e continuará sendo um ator. Mas, quem é o autor da peça que interpreta??? Mas, que jeitinho pode haver se ele quiser mudar sua atuação no drama escrito, ele, ou ela, não sabe por quem???
CATIVO DE sua interpretação na peça do Teatro Universal que o autor, ou Et misterioso, escreveu em seu DNA para que ele interpretasse, ele e ela, afinal, se descobrem na última e melhor idade. Com todas as deficiências que, talvez, a senectude lhes reservou para interpretar em seus últimos dias. Seus filhos e netos sequer sabem como mostrar alguma solidariedade àquele ser dito humano, que, também eles não sabem, porque está a interpretar o papel de avô ou avó. Talvez achem um pedaço da resposta nos livros do Erich von Daniken e seus Alienígenas do Passado.