LE VIOLON D´INGRES — MAN RAY (1924)
LE VIOLON D´INGRES — MAN RAY (1924)
A AFIRMAÇÃO da liberdade pessoal precisa de motivação interior, emocional. Eu estava, quando na Estrada, sem a cobertura da simulada proteção familiar, ao mesmo tempo conhecendo meus limites e, simultaneamente, fazendo de minhas precariedades, força. Eu necessitava criar-me. Meu Inconsciente Pessoal estava se configurando fora do Inconsciente Coletivo Familiar Desfigurado. Eu vivia a convicção de que minha mente se ampliava. As experiências vivenciadas estabeleciam novas compreensões do mundo. Quânticas reconfigurações do espaço metafísico, das figuras geométricas das quais nascem o sentimento, a emoção: a consistência excêntrica, voluntariosa, nos corações e mentes até então desprovidas de vida própria.
EU NÃO queria continuar sendo o rapaz traumatizado por uma dupla de pessoas rudimentares, sem princípios, sem coração, sem empatia com as próprias necessidades e as dos filhos. Ignorantes da própria ignorância. Pior: orgulhosos dela. — Eu estava preparado para conhecer, na intimidade, como fazer sonorizar “Le Violon d´Ingres”, obra fotográfica que anunciou o surrealismo.
EU ESTAVA em estado de suspensão da consciência anterior à minha experiência fora do quadradinho viscoso, xarope gelatinoso, do Inconsciente Coletivo Familiar. Eu estava fora do larbirinto, finalmente. Todo o conteúdo anterior de meu psiquismo estava sendo questionado por minhas novas vivências. Vivências não apenas objetivas. Minha subjetividade estava a questionar o Templo da perversidade, que se fazia revelar a partir das verdades secretas familiares.
NO PERÍODO que habitei o apartamento próximo ao Arpoador, conheci Maria Helena. Sua moradia não era em Troia, mas na Barão da Torre, uma rua em Ipanema. Fui atraído até seu apartamento por um casal do qual me aproximei num papo de bar da esquina em Ipanema. O que aproximava as pessoas era uma certa energia PSI de afinidade entre seres que se conheciam e se aproximavam por atração de ideias, ou por estarem numa mesma condição de espontaneidade, havia uma intimidade súbita e sincera.
ADENTREI SEU festivo apartamento, conduzido pela simpatia do casal. Senti que o ambiente era propício à minha carência de um fuque-fuque que logo havia se tornado presente, devido à identificação súbita de nossas carências. Helena era só sorriso. E eu entregue às suas solicitações eróticas. O pessoal do sarau foi saindo ao passar do tempo. Ficamos sozinhos sobre sua cama. Eu, atingido pela seta de Eros.
A DELÍCIA de ter seu corpo amoroso. Eu fazendo de conta que podia resistir por mais tempo com o membro sem penetração. Ela logo me desafiou:
— “Mete logo essa porra aí, cara”. Eu não me fiz de rogado.
FIQUEI AO mesmo tempo ativando o vai e vem e usufruindo da nitidez enfática de sua pele e da flagrância suave e perfumada do incenso que perpassava o ar no quarto:
— Vai, caramba, tudo é teu, disse ela — é assim que funciona. Sem medo de ser feliz.
SUAS PALAVRAS não continham mais que um desafio de intensidade afetiva: uma fêmea com carência de mulher que sabe o que quer. Na ocasião me lembrou Jean Seberg no movie “Os Pássaros Vão Morrer No Peru”. A lembrança dela ativou o tesão que se fez isso mesmo: Helena pareceu-me a encarnação de uma cortesã da Corte egípcia de um Faraó que dedicou a ela um sarcófago. Um jazigo que conservou há milênios sua carne. E a trouxe até o século XX, renovada, a sensualidade e a concupiscência de seu espírito nela reencarnado. Ela, a estrutura básica da realidade.
EU GOSTARIA de que nossa amizade tivesse durado mais, muito mais. Mas a bizarra intervenção dos agentes do DOI-CODI no apartamento que ocupava sem pagar o aluguel, precipitou os finalmentes de nossa promissora relação. As formações subjetivas se multiplicavam no tempo real que estimulava a “padma”, ou lótus do simbolismo budista de um estado primevo de pureza do corpo e da mente: uma espécie de força estética e espiritual que atinge o âmago do ser e faz acontecer a suspensão das influências de atribuição emotiva anterior. A Guerra de Troia e as demais guerras, tiveram e têm, certamente, uma motivação de violino d´Ingres.
O DESEQUILÍBRIO que gera estresse e descontrole não estava presente nesses momentos. Pelo contrário. Tais mudanças constantes de humor criavam em mim uma aura de grande confiança em que essas experiências me distanciavam da morbidez emocional daquelas pessoas que me infligiam desesperança, pessimismo e a sensação de incômodo, por minha proximidade não lhes causar qualquer sensação de empatia e solidariedade. Mas, ao contrário, rejeição e desamor.
NO CORPO carnal e aveludado, instrumento musical de Maria Helena, eu, de repente, não mais que de repente, despertei o Paganini que em mim havia. Eu, ao certo, ainda não sabia. Minhas mãos se aproximaram das aberturas acústicas em efe em ambos os lados das 33 cordas de sua espinha dorsal. O arco penetrava contido e ao mesmo tempo ansioso, a sedução e desejos dela retesavam meu arco na cidadela curva de suas entranhas íntimas, formidáveis. Abissais.
EU AFINAVA seu instrumento na extremidade física da zona sul do corpo, com dedos de mestre sala adentrados em ações friccionais. Ouvi o timbre agudo, brilhante e estridente, a pulsação e a melodia sedosa, lisa, macia que saía ao mesmo tempo de seus gemidos e sussurros. Os ruídos do entrassai no arco vaginal se mixavam ao suave e sedoso movimento circular do polegar no círculo anal. A abertura raiada oferecida se fez abrigo à ânsia de integração da Serpente em seu genuíno e cavernoso vão de prazer.