SATURNO DEVORANDO SEUS FILHOS
SATURNO DEVORANDO SEUS FILHOS
A NATURALIDADE da vida sabe como se defender. Mas, por vezes, não possui os recursos para tanto. Que poderia eu fazer para me defender dessas inumeráveis condições desfavoráveis dispostas contra mim??? Paizão, Mãezona, irmãos e irmãs, uma parte da sociedade que sabia parcialmente o que estava a acontecer no interior do circuito familiar. Em frente ao portão de entrada da casa onde morávamos na rua senador Teodoro Pacheco, habitavam parentes de uma família de políticos importantes, parte de grupos de poder que controlam o Piauí, há pelo menos quatro décadas.
OS PORTELAS, lá estavam elas e eles reunidos, sentados em cadeiras na calçada. Entre bate-papos, e conversas jogada fora, observavam a família de Paizão e Mãezona que, por vezes, também ficavam sentados na calçada em frente. A situação de penúria familiar da família em frente chamava, de algum modo, a atenção deles.
PAIZÃO E MÃEZONA iam articulando, com seus conhecimentos, a colocação profissional e social de seus filhos e filhas em arranjos de empregos, de modo a se livrarem d presença deles, mas os mantendo na coleira emocional da dependência maior, condicionada às sessões de pedofilia. Eu, buscava cobrar a saída das familiaridades deles. Nem eles me queriam por perto e eu, menos ainda queria estar perto deles. A quantidade de rejeição que vinha deles era simplesmente uma enormidade. Nenhum familiar nunca me via no contexto enquanto partícipe de seu conjunto de interesses.
CONSIDEREI A possibilidade de ela escrever uma carta para a irmã de Paizão que morava em Niterói, sugerindo que eu ficasse hóspede deles enquanto fazia o 3° ano do curso de contabilidade. O filho mais velho dessa minha tia, irmão de Paizão, era um playboyzinho viciado em drogas, com um complexo de inferioridade que o fazia compensar-se em estar sempre se gabando de feitos, maioria dos quais criação de sua mente incrementada pela coca, barbitúricos e marijuana. Em frente à casa deles morava um médico cujos filhos eram amigos desse filho mais velho deles.
O MARIDO da irmã de Paizão era um funcionário do Banco do Brasil que já havia sido um próspero comerciante de leite em Campos dos Goytacazes, município do estado do Rio. Proporcionava às três filhas e dois irmãos uma boa qualidade de vida. Eu tentava me adaptar ao novo ambiente sem criar conflitos. Concentrei-me nos estudos. Formei-me com facilidade e, como não criei afinidades com os demais membros da família, fui solicitado a sair fora do convívio familiar deles.
O TIO ME chamou para uma conversa. Eu estava a notar a demora na definição de minha situação de estranhamento em sua casa. Não havia afinidades a considerar:
— Meu sobrinho, sua tia chamou minha atenção para dizer que não temos nenhum compromisso contigo. Chegou o momento de você buscar seu rumo noutro lugar. Ela aceitou sua vinda para nossa casa porque o Fulano (primogênito deles) tinha problemas com drogas. Você poderia influenciá-lo a gostar dos estudos. Mas isso não aconteceu. Você viveu sua vida, ele não viu em você uma influência para mudar de vida. Eu queria poder ajudá-lo e pagar um curso pré-vestibular para você. Mas ela me disse que você não é nosso filho, e por isso ela não achava certo investir num cursinho para você. Eu não concordei com ela, mas ela é quem é sua parenta, irmã de seu pai. Não eu. Você pode ficar aqui o tempo que for preciso para achar um outro lugar para ficar. Uma semana, duas, um mês ou mais se preciso.
— Claro, tio. Você está certo. Eu estou mesmo deslocado, não soube como me inserir melhor na intimidade de vocês.
— Por mim, você ficaria morando aqui o tempo que quisesse, mas seu parentesco é com ela, sua tia. E ela acha que já te ajudamos o suficiente.
— Tudo certo, tio. Estou de acordo e agradeço a estadia aqui. Ela contribuiu para minha formação no curso de contabilidade. A tia está certa. Eu preciso achar meu rumo.
NA REAL, eu havia sido aceito não apenas para que tentassem solucionar o problema do filho primogênito deles, o Fulano doidão. Doidão e não era só de batida de limão. A própria tia já havia me dito que a razão de eu estar na casa dela, era porque eles achavam que eu poderia ser uma boa influência para o filho mais velho, filho deles. Mas o problema de meus primos não era apenas as drogas. Meu outro primo, certa vez me disse:
— Você não curte parceria com gente do mesmo sexo. Mas isso é só porque a sociedade acha que é errado. Quem não gostaria de sentir um pau duro dentro do cu, não fosse a censura alheia???
— Eu não gostaria, pode ter certeza, respondi. Essa nunca vai ser a minha praia. — O problema do safismo estava muito bem delineado pela fala do segundo filho dele comigo. A tia, quem sabe ao certo, estaria querendo uma companhia para seu segundo filho.
NESSA ÉPOCA eu frequentava um curso de extensão aberto para pessoas que desejavam preparo para fazer teatro. O curso, num anexo da Universidade Federal Fluminense em Niterói, incluía autoconhecimento, desenvolvimento da comunicação pessoal, interatividade, aprendizado de Yoga, técnica de respiração, expressão corporal, leitura de peças, comentário sobre autores e personagens...
ERA MINISTRADO por um mentor chamado Silésio Nascimento. O curso incluía incursões de final de semana em praias nos arredores da cidade, nas quais incluíam exercícios físicos. Essa interação me aproximou de Anne Marie, uma jovem mulher que habitava próxima à residência do tio e que também frequentava o curso. Descendente de alemães ela tinha cabelos louros, design nórdico, apesar de também não ter graduação, frequentava o ambiente da UFF. Aprendi muitas coisas luxuriosas com essa amizade. Apesar de até então, meu relacionamento sexual se limitara às garotas do baixo meretrício da cidade natal, onde proliferavam os lupanares dos mais diversos modelos. E acompanhantes oferecidas, cheias das mais variadas doenças venéreas.
EU NÃO ESTAVA mais próximo a Paizão Coisinha e à sua mulher troglodita Mandona. Mas eu podia sentir nitidamente as enormes privações de oportunidades de que me dotaram ambos. Eu não tinha nenhum recurso financeiro e econômico. Minha formação educacional era precária. Nenhum incentivo à minha afeição literária por parte deles. Meu avô paterno que habitava o ap. na rua Dr. Satamini no bairro Tijuca, havia conseguido que eu falasse com seu amigo Efrem Wellington de Barros Amora, diretor do jornal O Fluminense, em Niterói. O objetivo: conseguir um emprego.
AGRADEÇO MEU avô pelo contato que me abriu as portas do jornal O Fluminense. Trabalhei de repórter e crítico de cinema neste prestigiado jornal fluminense que revelou nomes de expressão nacional na literatura brasileira: Irineu Marinho, Rubem Braga, Olavo Bilac, Oliveira Vianna, Euclides da Cunha... Trabalhei também no Departamento de Circulação do jornal.
EU ESTAVA sobrecarregado do entulho da adversidade do que vi e vivi entre aqueles meus familiares na infância. Minha revolta se somava à revolta da juventude represada pela repressão política e policial que as ditaduras dos países americanos promoviam, nos corações e mentes de toda uma geração congestionada de influências conflitantes: de um lado a descoberta do país da ditadura, da propaganda massiva do “american way of life” que dizia às pessoas, via jornais, revistas e tv visão, que elas poderiam ter uma boa vida com carro do ano, apartamento, casa na praia e muitas bundinhas de mocinhas que apareciam de minissaias nas fantasias, nos filmes e comerciais de sedução em massa.
DO OUTRO LADO da cena social, política e econômica, estavam os livros de Karl Marx, Engels, e demais teóricos em favor da extinta União Soviética que prometia o mundo socialista da distopia do capital, e a afirmação da liberdade, igualdade e fraternidade para todos, numa Terra onde o leite e o mel jorrariam. Se você estivesse na América, bastaria estender o braço, e lá estaria um atendente do McDonald a socializar hambúrgueres, cheeseburguers e Coca-Cola. A corrida espacial havia começado. Os comunas estavam chegando primeiro, a abrindo caminho em direção ao espaço sideral. Enquanto o “Cavaleiro Negro”, satélite Et, há milênios circulava em volta da Terra.