O CLÃ — GOYA (1798)
O CLÃ — GOYA (1798)
A VONTADE de criar deficiências físicas, que poderiam ser crônicas, ficou evidente quando Paizão esfregava os dedos nas manchas de esperma do pijama ou da calça e, ato contínuo, forçava as crianças no colo a abrir a boca e introduzia os dedos embebidos de sêmen e os esfregava do lado direito e esquerdo da dentição delas. Para garantir a absorção da porra na gengiva, Paizão friccionava os dedos por tempo suficiente para que a absorção estivesse garantida.
SÍFILIS ERA uma infecção bacteriana transmitida por contato sexual. Paizão era sifilítico e transmitia a sífilis molhando os dedos na secreção produzida pelos espermatozoides nas manchas do pijama onde seu pinto, após roçar no bumbum dos filhos, expelia o sêmen nos orgasmos. A esfregação gengival dos dedos permitia a absorção das bactérias através dos dedos untados no líquido seminal, após a ejaculação.
ELE USOU dessa prática comigo uma vez em que, após o horário de atendimento dos clientes, me chamou para verificar a condição de meus dentes:
— Venha, sente-se na cadeira que vou examinar seus dentes, fazer uma profilaxia. Ele, pouco antes, havia estado com uma irmãzinha sentada em seu colo na poltrona interna da sala principal do consultório. As manchas de esperma se faziam visíveis, o odor de sêmen flutuava no ar próximo subindo de sua calça que ele não havia trocado. Eu tinha idade suficiente para saber que não podia confiar nele. Mas, uma criança é uma criança. A força de convencimento de um adulto se faz preponderante.
APÓS A inserção de uma ampola de analgésico na seringa, introduziu a agulha na gengiva, segundo ele para tratar de um dente infeccionado, melou os dedos numa mancha de esperma, manuseou com a mão direita o próprio pênis, após ter se virado em direção à estante na qual manuseava pó, tufos de algodão, mercúrio odontológico e demais joças medicamentosas da profissão.
O ODOR de porra subiu nítido em minhas narinas quando ele aproximou a mão e inseriu os dedos fedidos em minha boca e começou a friccionar as gengivas ao redor da dentição superior e na inferior, até o tecido epitelial vascularizado da gengiva, a mucosa bucal ao redor dos dentes, ter absorvido a impureza de sua micção malcheirosa, fedorenta.
QUE PODIA fazer eu, senão chorar??? Lágrimas de revolta desceram nas faces. O ritual sádico continuou até ele me liberar da dita "profilaxia". Tanto ele como a mulher tinham esses surtos de sadismo cotidiano. Certamente obtinham prazer em fazer sofrer a filiação sob a influência de sua tendência à desordem mental e à insânia medonha, obscurantista.
O ATO DE soprar sobre meu rosto uma excessiva quantidade de “pó do zumbi”, bafejado pela ventosidade bucal saída das entranhas da bocarra de Mãezona, vi que ela praticou o mesmo ato abominável com outros de meus irmãos e irmãs. Não sei onde ela conseguiu comprar o “pó do zumbi”. Acredito que encomendou com pessoas chegadas a rituais de magia negra que frequentavam o “mercado velho” e vendiam iguarias as mais diversas em suas bancas de ervas, verduras, legumes, grãos e porções chegadas à pajelanças e catimbós.
EM VERDADE Mãezona não queria que eu saísse de sua influência nefasta. Se ela havia me parido, não estava disposta a me ceder para ninguém, dizia:
— “Eu não vou parir meus pintos pra dá cria pra ninguém”. Ou então: “quem carregou cada um de vocês na barriga por nove meses, tem direito de saber o que é bom e o que não é pra cada um de vocês”.
ELA NÃO via a maternidade enquanto sendo um dom sugerido pela natureza de um ser criador dos seres dito humanos. Não. Ela via a maternidade como se a maternidade fosse um dom da natureza dela. Como se ela fosse uma deusa com poderes sobrenaturais sobre mim e a família. Ela odiava minha não submissão às suas ingerências sobre minha vontade de viver segundo minhas percepções.
— Tu és besta, moleque, vai ser o que eu quiser que você seja. Desde quando criança tem vontade própria??? Eu não te criei para deixar você ganhar mundo. Ela tinha uma coleção de ditos, sempre na ponta da língua para afirmar sua preponderante vontade de me imobilizar próximo a ela.
— “Quem os pariu que os crie, quem cria tem todo direito”.
— “Eu não vou criar galinha pra dá pinto pra ninguém”.
— “Papagaio que acompanha João-de-barro vira ajudante de pedreiro”.
— “Escreveu não leu, pau comeu”.
— “Pra baixo todo santo ajuda”.
— “Mãe é como bruxa, mágica poderosa do universo”.
— “Quem com suas boas marias faz em sua casa está em paz”.
EU VIA O quanto seria difícil convencê-la a me permitir sair do rabo de sua saia. Eu sabia que minha vida futura seria muito, muito difícil. Ela sempre dava um jeitinho de gastar minhas economias com a comercialização vitoriosa de minhas HQs e álbuns de figurinhas. Toda vez que eu consegui juntar uma grana visando economizar e bancar meus estudos, ela dava um jeitinho de puxar o tapete debaixo dos meus pés. Vencer aquela criatura e suas convicções infaustas, caiporas, não seria fácil. Ela gostaria de fazer comigo o que a mãe dela, minha avó fez com o tio Fred: Idiotizou e acorrentou-o no pé de sua cama até que morreu. O tio Fred sobreviveu, uma espécie de criação teratológica dela.
ACREDITO QUE essa tenha sido uma prática herdada da mãe dela, que herdou da mãe dela e da avó, e da bisavó, e recebeu de herança trisavó: a prática da idiotização da hereditariedade para que o medo de ficar sozinhas na pobreza, sem ninguém para socorrê-las, fosse mais forte do que investir na educação, na cultura, no intelecto dos filhos. Eu dizia de mim para comigo: “santo de casa não faz milagre”. Eu preciso sair de perto dela ou vou virar outro tio Fred.
A MISÉRIA moral, a miséria de filosofia, a miséria material, a miséria de cultura, a falta de formação educacional, escolar e familiar, estavam impregnadas na alma daquelas pessoas para sempre. Na alma coletiva daquela sociedade. Para sempre enquanto vida tiverem, elas serão uma espécie de clã conivente com seus carrascos. Verdugos e tiranos, por detrás dos panos, manipulam as pessoas de seus confortáveis nichos secretos.