O SÁBADO DAS BRUXAS — GOYA

O SÁBADO DAS BRUXAS

PAIZÃO HAVIA despertado para a falta de caráter de Coisinha Júnior. Este, cuidava de receber e distribuir o salário de aposentado dele. Antes, essa responsabilidade estava em mãos de Dulce It, “A Coisa”, a irmã mais intensamente perturbada da família. Ela se mantinha como que um androide, uma marionete de olhos sempre arregalados e a atenção fixa num lugar ou objetivo em seu “eu” interior. Possivelmente guiada por uma fixação intensa. Sua libido deveria num estágio inicial e primitivo de desenvolvimento. Tinha intenso apego mórbido a pessoas ou coisas, e um comportamento imaturo, neurótico. Ela e Coisinha Jr. Se davam muito bem. Identificavam-se intensamente.

PAIZÃO COISINHA OS manipulava como se estivessem ligados a uma central de controle PSI da qual tinha o controle remoto. O problema é que a recíproca era insuspeita, evidente, inconteste. Existia entre eles uma identidade intensa e, ao mesmo tempo, uma contra identidade projetiva. Inconscientemente eles assumiam sentimentos e emoções uns dos outros. Eles se assimilavam tanto que poder-se-ia afirmar que tinham a propriedade uns dos outros. E que eram o modelo ideal para eles mesmos. Todos os filhos desse casal desequilibrado, foram criados para assumirem esse tipo de identidade mútua. Intensa.

O TIPO DE ENERGIA mórbida advinda da proximidade entre eles, em decorrência das sessões, quase que diárias de pedofilia, não teria afetado Coisinha Júnior tanto quanto os demais membros da prole. Isto porque Júnior havia nascido por último. Era o mais novo da sequência de dez. E Paizão estava cercado de filhos que haviam crescido e estavam mais atentos e críticos com as coisas que ocorria em derredor. Pegava mal ele fazer com Coisinha o que fazia com os demais.

PAIZÃO NÃO GOSTAVA da proximidade de nenhum dos filhos. Mãezona e ele apenas os toleravam. Queriam, o mais urgente possível, livrar-se da cercania deles. Um por um, com a ajuda de vizinhos e conhecidos, foram sendo descartados, conforme as possibilidades aleatórias que se iam apresentando. Petrônio, político importante da família Portela, que tinha irmãs, pai e mãe morando em frente da casa e consultório de Paizão na rua Senador Teodoro Pacheco, foi efetivo para conseguir um emprego em Brasília para um deles. Outro, depois de estar num seminário, foi dirigido para um curso de formação de soldados e cabos da PM e seguiu a carreira militar nessa instituição até a patente de coronel. As mulheres foram se arranjando em namoros e casamentos.

O TEMPO PASSOU e o “Salta Moita” Paizão Coisinha, foi ficando cada vez mais exposto às suas próprias perfídias, traições, ultrajes e hipocrisias. Uma enorme farsa se formou em torno do Inconsciente Coletivo da Família. Os rapazes se tornaram nominalmente adultos. As moças, se aliciaram em seus nichos de mercado conforme a sujeição mais adequada. Dulce It, “A Coisa” se amasiou dentro de um quarto da casa de Paizão com um sujeito de cor que tinha vínculos com o crime organizado, após ser por muito tempo amante da prima Macheza Crispina, uma Maria Sapatão que dividiu com Paizão as despesas de compra de um apartamento para ela. Depois das sessões de pedofilia, parte relevante da educação infantil da família, a sexualidade dos filhos certamente pagava a conta da violência sexual sofrida na infância. Os traumas decorrentes, todos sabem, são para toda a vida. Cada um deles guardava seu segredo e a sua mão fechada. E o medo, medo, medo de admitir a realidade do que acontecia.

DE NADA ADIANTAVA guardar os segredos de liquidificador. As sessões de Psicologia ajudam, quando as vítimas admitem querer superar suas infames e dolorosas realidades de vítimas infantis, quando o agressor é o próprio pai. Com mãe conivente dentro de casa. Esconder-se debaixo do tapete do lixão emocional da família, não livra a cara do adulto que precisa de coragem para não ser novamente envolvido no processo de retimivização. Não adianta querer se esconder sob a proteção do telhado de vidro. As consequências da violência na infância geram sintomas de ansiedade, depressão, isolamento social e comprometimento cognitivo.

NAMORAR, NOIVAR, casar, ter filhos não vai isolar a pessoa adulta dos constrangimentos da violência que na inocência pueril aconteceu. Quem vai educar o adulto que, supostamente, sabe tudo, mas está a viver a mentira, a vergonha, de que nada aconteceu com ele??? Como se esconder de si mesmo e de suas realidades. Como costumava dizer Mãezona: “pancadas dadas e palavras ditas, nem Deus tira”.

O CARÁTER, A personalidade, o comportamento dessas pessoas, ficam para sempre danificados. O convívio com os filhos, amigos, vizinhos passa, por empatia da proximidade, a verdade que pretendem esconder. A contaminação é geral. Por isso vivemos numa sociedade com um Inconsciente Coletivo Social contaminado por segredos aparentes do liquidificador emocional, que não é o mesmo liquidificador de produtos das receitas de bolo e culinária de tv.

OS RESSENTIMENTOS, a ansiedade por externar e se libertar do trauma, cria uma personalidade individual permissiva, uma sociedade que confunde liberdades individuais, com agressão mútua e tolerância infinita às demandas da corrupção política, tipo promoção de emendas parlamentares de relator ou orçamento secreto, moeda de troca sem controle da sociedade e órgãos de fiscalização sobre os recursos dos impostos pagos.

TANTO NO PLANO individual, familiar, quanto no social, a traumatologia é ampla, geral e irrestrita. As feridas causadas pela violência à sexualidade das crianças emocionalmente globalizadas pelo comportamento pedófilo de pais e familiares, gera uma sociedade de pessoas que são extensões de personas facilmente enganáveis por políticos sempre cheios de boas intenções e da malignidade própria da profissão: todos não cessam de acusar a todos de uma “herança maldita”. Quando todos eles são agentes dela e de suas consequências sociais, as mais degeneradas.

ELAS SÃO MILHÕES, pessoas vítimas de pedofilia. Elas tendem a agir e reagir de maneira escusa, evasiva, astuciosa. Nos dias de hoje quase todas as pessoas estão contaminadas pelo vírus da artimanha. Dulce It, “A Coisa” roubava o dinheiro o salário da aposentadoria de Paizão. A própria Mãezona dizia que o marido havia substituído ela por Tonho Ratazana, o Coisinha Júnior. Este, continuou assaltando o velho pai que não tinha moral para reagir às incursões agressivas de “A Coisa” e de seu irmão rapace.

COISINHA JÚNIOR havia chantageado emocionalmente a ambos, pai e mãe, com a desculpa de que estava propenso a cometer suicídio, porque não sabia o que fazer da própria vida desperdiçada, sem rumo. Ele contava uma história muito estranha e cheia de furos. Havia se apaixonado por uma mulher que ele denominava “Cubana”. Mais não dizia nada sobre ela que não fosse a acusação de que ela havia acabado com a vida dele, abandonando-o de repente e o conduzido a um estado emocional deplorável. Coisinha Júnior, um fraco. Usava sua fraqueza para se fortalecer no complexo de culpa dos pais.

ANTES DISSO, havia recorrido a outro irmão que havia se estabelecido na capital federal e trabalhava de assessor legislativo de um senador da República. Morou com esse irmão e, de repente mudou para a casa dos pais onde eu estava de hóspede. Eu buscava não ter contato nenhum com ele, por saber que Coisinha Júnior tinha uma vida bastante esquisita, com amizades de um pessoal marginal do qual se dizia amigo, mas vivia a reclamar, escandalosamente, de um ou de outro evento em que fora, por algum deles, passado para trás em quantias emprestadas de pequenas montas do dinheiro que roubava de Paizão.

HAVIA UM VIZINHO, que morava no meio da quadra. Ele tinha problemas policiais: preso por furto, tráfico e porte de arma. Era amigo prezado por ele, Coisinha Júnior. A justificativa é que tinham sido colegas de infância e, portanto, na lógica de Coisinha Júnior, era uma amizade que ele não poderia evitar, desde que consagrada pelo tempo.

OUTRO CONVIZINHO, filho de uma costureira, reclamava das cenas de ciúmes que Coisinha Júnior fazia quando este mesmo amigo dele estava a conversar ou trocar ideias, ou falar ao telefone com outras pessoas. Coisinha Júnior me censurava por pagar ao vizinho a prestação de serviços quando havia falha no PC de meu uso. Ele dizia que eu sabia que ele estava brigado com o Fulano, e mesmo assim ignorava isso:

— Você sabe que eu não me dou bem com Fulano, mas chama ele para ajustar problemas no PC. Isso é provocação. Eu respondia:

— Seus problemas são seus. Não tenho nada com eles. Não sei nem quero saber se Fulano é ou não seu amigo ou inimigo. Pago por serviços prestados porque preciso trabalhar no PC, se ele não estiver funcionando bem, como vou fazer???

MÃEZONA SEMPRE alimentava as paranoias e histerismo comportamentais de Coisinha Júnior. Talvez com remorsos por ter feito discursos insultando-o e retaliando nele, ainda um feto na barriga dela, todo o ódio que vituperava contra o marido, quando esse frequentava a casa da amante. Coisinha Júnior era apenas um embrião, mas Mãezona não o poupava de censurar sua existência e gravidez, freneticamente, mesmo antes de seu nascimento. Ele já nasceu com complexo de rejeição. Um feto sabe o que acontece quando a mãe se dirige a ele.

ELA SEMPRE seria uma criatura bronca relativamente à educação filial. Quando eu, com a devida afabilidade buscava fazê-la compreender que estava dando força a quem precisava contrariar por agir de várias formas inaceitáveis e trapalhonas, em relação a várias pessoas, ela dizia:

— Seu irmão precisa de meu apoio, não de ser por mim contrariado.

— Você não vê que ele está muito doente??? Ele precisa de um psiquiatra, ou de um psicólogo. Eu conheço uma psicóloga muito competente. Irmã da Fulana, minha namorada que você conhece. Por que não o indicar para um tratamento???

— Ele jamais aceitaria. Ele se julga a pessoa mais normal do mundo, respondeu ela.

— Você sabe que ele não é. Por que não tenta convencê-lo???

— Eu não, não quero que ele se volte contra mim. Ela, réu confessa de seus medos. Réu confessa de muitas culpas.

ERA ASSIM QUE Mãezona encarava os problemas: fugindo imediatamente deles. Saindo da possibilidade de uma solução. Dialogar não era com ela. E Coisinha Júnior deitava e rolava sobre a fragilidade emocional, mental e a poltronaria dela com relação à criação, não apenas dele, mas, em minha avaliação, de qualquer outro de seus filhos. Quase todos os dias eram dias de sabá para Mãezona.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 29/10/2022
Reeditado em 03/12/2022
Código do texto: T7638154
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